Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Boa intenção, ideia questionável

Não se questiona que o projeto de lei 2.126/11, que estipula o Marco Civil da Internet, poderia ser uma ação legislativa sem precedentes no contexto global. Tampouco que sua formação contou com a participação maciça de vários setores da sociedade civil, especialistas e agentes econômicos envolvidos. Tratar-se-ia da criação de uma política para o assunto que, se por um lado mereceria aplausos; por outro não se poderia esconder a frustração relativa aos aspectos omissos e confusos, ao jogo partidário e á conjuntura peculiar que resultou na votação em urgência de um texto de lei que se revela insuficiente, inexequível e burocrático para a organização da vida social.

Tanto o texto anterior quanto o texto modificado preveem que os provedores de internet não podem excluir da rede “imagens, vídeos, ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado sem autorização de seus participantes” – após receberem “notificações de seus ofendidos” (sic). Uma leva de ofendidos surgirá de todos os lados: (a) ofendidos pelo nu artístico; (b) ofendidos pelas páginas de garotas de programas e nightclubs, (c) uma gama de ofendidos por motivos de credo, etnia, opção sexual e todas as minorias imagináveis.

Importa dizer que a censura, após notificação de ofendidos, será julgada discricionariamente pelos provedores de serviços da internet. Conforme se observa atualmente na maior rede social brasileira, o nu artístico gera o banimento do usuário; ao passo que, outras ofensas, nem tanto (ver aqui). A norma está contida no artigo 21 do projeto de lei.

Significa dizer, ainda, que a proteção dos dados dos usuários remanesce sob o julgamento axiológico das empresas prestadoras de serviços. Conforme o artigo 11, “deverá ser obrigatoriamente respeitada a legislação brasileira, os direitos à privacidade, a proteção dos dados pessoais e o sigilo das comunicações privadas” – pelas empresas de internet que gerenciam os dados de seus usuários.

O termo “ordem judicial”

Deixar sob a responsabilidade das empresas o julgamento de valores em respeito à legislação brasileira demandará um decreto regulamentador que, salvo melhor juízo, na prática, não conseguiria estipular deveres e obrigações minuciosamente, sem que se incorra em vícios de inconstitucionalidade flagrantes.

Conforme o artigo 9º, a “discriminação ou degradação do tráfego será regulamentada por Decreto e somente poderá decorrer de: I – requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações; e II – priorização a serviços de emergência”. Em outras palavras: a discriminação ou degradação do tráfego de conteúdo da rede será objeto de regulamentação do “Presidente da República (…) ouvidos o Comitê Gestor da Internet e a Agência Nacional de Telecomunicações”.

Se, por um lado, tratar-se-ia de um avanço regulamentar a neutralidade da rede não somente via Anatel; por outro, demandar-se-ia uma burocracia infernal ao se impor uma aprovação da questão por 3 órgãos estatais. A rede internet é dinâmica, não haveria neutralidade que poderia funcionar segundo o modo de proceder previsto no projeto de lei. Finalmente, se o leitor ler o texto que será votado pelo Senado Federal poderá notar nossa herança burocrática. Não seria necessário repetir, aqui, os motivos que fizeram com que o projeto de lei recebesse tramitação de urgência nas casas legislativas. Trata-se de um texto conciso, como deve ser os projetos de leis ordinárias. Mas se prestarmos atenção a uma curiosa estipulação, entender-se-ia ao que me refiro.

Experimente contar quantas vezes o termo “ordem judicial” consta do projeto de lei. Vou lhe poupar esse trabalho. Nas normas contidas em 25 artigos, “ordem judicial” é remetida a seis ocasiões – praticamente – para cada seção do texto de lei. (1) no artigo 7º (Dos Direitos e Garantias dos Usuários); (2) no artigo 10º (Da Guarda de Registros); (3) no artigo 13 (Da Guarda de Registro de Acesso e Aplicações da Internet); (4) no artigo 15; e (5 e 6) no artigo 16 (Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros).

Por isso, não custa lembrar ao usuário para se preparar, caso tenha que fazer valer alguns de seus direitos da carta. Uma breve leitura do texto do projeto de lei pode antecipar o que teremos pela frente.

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Eduardo Ribeiro Luna Toledo é consultor jurídico e escritor