Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Distância sadia entre jornalistas e fontes

Na teoria, a maioria dos jornalistas concorda com este princípio: não é boa a ideia de ficar demasiado próximo de suas fontes. Cordialidade, sim; intimidade, não. Na prática, é um caminho que pode estar cheio de minas terrestres. Vejamos três situações envolvendo jornalistas do Times e pessoas que são objeto da cobertura.

A primeira é a amizade entre a ex-crítica de moda Cathy Horyn (que saiu do Times no início deste ano) e L’Wren Scott, estilista que se suicidou no mês passado. A amizade – que incluía assessoria nos negócios, por parte da crítica, e presença em festas na casa da estilista – foi detalhada num texto recente que Cathy Horyn escreveu para a seção Estilos, publicada às quintas-feiras. Por exemplo: “Há dois anos, nossa amizade foi testada quando, depois de ouvir seus problemas, eu lhe disse que ela deveria se impor um prazo-limite para resolver os assuntos ou deixar tudo para lá. Pôr a saúde em risco, devido ao estresse, não valia a pena, disse-lhe.”

Vários leitores do Times escreveram-me depois disso. Um deles, Michael G. Brautigam, chamou o caso de “conflito de interesses óbvio e gritante” e perguntou como tal relacionamento poderia ser “remotamente adequado”.

“As fontes falam para me passar uma pauta”

Stuart Emmrich, editor da seção Estilos, ofereceu a seguinte explicação: “Como crítica, Cathy ocupava uma posição relativamente diferente daquela de um repórter – suas opiniões, que ela compartilhava livremente tanto com leitores quanto com personalidades da indústria, eram uma marca que a distinguia – e ela sempre foi uma caixa de ressonância para estilistas, em especial jovens, que buscavam conselhos junto a personalidades destacadas da indústria da moda”. Prova disso, acrescentou, estava em seu trabalho inflexível: “Ninguém que tenha lido suas resenhas durante os 15 anos em que foi crítica de moda para o New York Times a acusaria de amolecer a crítica a alguém cujo trabalho a tivesse decepcionado.”

De alguma maneira, isso é o eterno problema do repórter plantonista (ou redator especializado, ou crítico): quando você cobre o mesmo assunto durante muitos anos, a familiaridade pode passar a ser amizade. Cultivar uma fonte entre um drinquee outro é uma coisa; aceitar um convite para jantar no dia de Ação de Graças é outra, muito diferente.

Seria a última opção uma boa ideia? Acho que não. Afinal, o status de ser alguém “de fora” ajudou alguns dos mais memoráveis trabalhos jornalísticos. (Veja-se a reportagem sobre Watergate por dois jovens repórteres da editoria de cidade do Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, ou a suprema humilhação do general Stanley A. McChrystal pelo falecido Michael Hastings.) E, no lado posto do espectro, o Los Angeles Times demitiu recentemente um respeitado repórter investigativo depois que ele revelou ter um caso com uma fonte.

A palavra “contraditório” aparece muitas vezes nesse contexto. Deveriam os jornalistas e suas fontes ser sempre adversários? Não necessariamente. Mas manter uma certa distância faz sentido. Assim como compreender os motivos de uma fonte. Jesse Eisinger, repórter de economia do ProPublica que ganhou o prêmio Pulitzer, disse-me que faz questão de lembrar a si próprio, de maneira constante e implacável, por que as fontes partilham informações com ele: “Não é porque sou bonitão ou porque sou um cara legal. Eles falam para me passar uma pauta.” Isso não significa que suas informações sejam erradas, disse ele, mas apenas que devem ser examinadas.

O fracasso diante da crise de 2008

Há vários anos, o Times decidiu deixar de comparecer ao jantar anual para correspondentes na Casa Branca – um encontro informal de estrelas em Washington. Na época, Dean Baquet, então chefe da sucursal de Washington, explicou: “Tinha evoluído para um evento muito estranho, guiado por celebridades, que fazia com que a imprensa e o governo, uma noite por ano, deixassem de lado seus papéis de adversários, cantassem juntos e se divertissem contando piadas. Parece um sinal equivocado para nossos leitores e espectadores, como se estivéssemos todos no mesmo barco e tudo não passasse de uma brincadeira.” Embora algumas pessoas tenham zombado do Times, dizendo que tentava impor uma superioridade moral, foi uma boa atitude. A atual chefe da sucursal de Washington, Carolyn Ryan, disse-me que não pretende rever essa decisão.

Mark Leibovich, repórter de política do Times que escreveu This Town, um livro sobre a cultura inata de Washington, acha que o Times agiu corretamente ao parar de participar do evento. Afinal, não é apenas um jantar, pois há as festas que antecipam o jantar e as que se seguem por dias a fio. Ocorre, segundo ele, que “a avaliação da mídia nunca foi tão baixa”. “Estamos comemorando o que, exatamente?”

Cada centro de poder oferece seus próprios desafios. o ambiente de “cidade-empresa” de Washington, o mundo das finanças e da mídia de Nova York, a hierarquia de celebridades de Hollywood e, mais recentemente, a cultura tecnológica do Vale do Silício, onde quem tem participação em startups de mídia pode determinar quem justifica um tratamento livre de repórteres.

O jornalista e escritor Dean Starkman faz uma distinção entre dois tipos de jornalismo: o de acesso e o de responsabilidade. Em seu novo livro sobre o fracasso da imprensa econômica diante da crise de 2008, The Watchdog That Didn’t Bark, ele analisa a seção financeira do Times como um dos principais exemplos do primeiro. A seção foi fundada por Andrew Ross Sorkin, uma das maiores estrelas do Times, que muitas vezes é acusado de representar os interesses de Wall Street incondicionalmente, inclusive em suas frequentes participações no programa Squawk Box, da CNBC.

O distanciamento das fontes

Segundo Starkman, “as reportagens de acesso dizem aos leitores o que quem está no poder diz, enquanto as reportagens de responsabilidade dizem aos leitores o que eles fazem”. A imprensa econômica falhou desgraçadamente junto ao público antes da crise ao aceitar o capital de giro das corporações por seu valor aparente.

Andrew Sorkin rejeita essas queixas, destacando matérias duras que a seção financeira do Times publicou, inclusive aquelas de Jessica Silver-Greenberg e Ben Protess. (Jesse Eisinger, da ProPublica, também é um colaborador constante dessa seção.)

A acusação de que seja um infiltrado, diz Sorkin, “é coisa velha” e simplesmente falsa.

Haveria espaço para vários tipos de abordagens ao tratar com fontes? Até certo ponto, sim. O Times – ele próprio, uma instituição grande e bem estabelecida – proporciona um bom espaço para repórteres plantonistas, repórteres investigativos, críticos e colunistas. Cada um deles tem um papel, cada um tem sua técnica de reportagem.

Cada um deles, no entanto, tem uma responsabilidade acima das outras: com o leitor. Isso exige certo distanciamento das fontes – uma distância que irá tornar muito menos tentador entrar em conflito quando for a hora.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times