Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A emoção de um gol

O jornalismo esportivo perde uma de suas mais potentes e emocionantes vozes. Às vésperas do maior evento futebolístico do mundo, sediado desta vez no Brasil, o narrador se despede da vida deixando aos colegas e amigos uma marca de sua existência. Luciano do Valle transformou o estilo de narração na TV brasileira com a potência de sua voz e um grito de gol muito peculiar. Não era apenas mais um locutor esportivo diante do microfone; era aquele que com responsabilidade mensurava a extensão e o grau do seu trabalho diante do telespectador. A emoção, se não trai o relato, faz com que as lembranças da voz de Luciano do Valle estejam muito ligadas a momentos especiais para torcedores: as conquistas e os títulos.

Um narrador esportivo talvez não tenha a obrigatoriedade de compreender o esporte, de saber sobre todas as suas regras, de conhecer todos os caminhos do evento que descreve; mas o narrador deve colocar acima de tudo sua vontade de caminhar com a emoção, de lidar com a vibração alheia, de não mascarar aquilo que o torcedor deve saber e sentir. Sentir o esporte de perto não é uma característica de muitos que tomam o microfone para narrar. Depende desta proximidade com o torcedor, com suas dores e alegrias, uma parcela de sentimento.

E um dos grandes gols de Luciano do Valle foi ser um polivalente do esporte, empresário, criador, produtor e vitorioso. Conseguiu mostrar ao Brasil outros esportes que não o futebol, quando se acreditava na televisão que era importante investir apenas na dita “paixão nacional”. Investir em promoção de novos esportes através de eventos festivos e do interesse de empresas públicas e privadas era uma das marcas deste homem que revolucionou o olhar esportivo do Brasil.

Emoção do gol não será a mesma

No início da década de 2000, Palmeiras e Corinthians construíram duas equipes que podem ser consideradas as mais fortes dos últimos trinta anos. Eram duas forças tão antagônicas quanto imbatíveis. Chocaram-se na Copa Libertadores quando decidiriam uma vaga à final. Na primeira partida o Corinthians vence, na segunda o Palmeiras vence pelo mesmo placar e a decisão deverá ser nos pênaltis. Palmeiras converte as cinco cobranças, o Corinthians converte quatro e resta uma: Marcelinho Carioca segue com a bola. Bate. Marcos, goleiro palmeirense, defende. Luciano do Valle vibra. É como se ele convertesse toda sua emoção a favor do time alviverde. Faria o mesmo com o Corinthians.

Quando a torcida brasileira perde um de seus ícones, quando um ídolo esportivo nos deixa, existe uma dor que pode ser amainada com as imagens e os sons. O domingo à tarde sem a narração de Luciano do Valle exibirá o efeito duma saudade. Desta feita os alto-falantes da TV terão outras vozes a narrar o futebol. A emoção do gol jamais será a mesma sem a sua voz.

******

Mailson Ramos é escritor, Salvador, BA