Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

As redes sociais e o diferencial da prática jornalística

Dezenove anos após o surgimento da primeira rede social, o Classmates, é marcante a constatação de que os jornalistas não são mais os únicos responsáveis pela disseminação das notícias. O cidadão comum, em qualquer horário, independente de localização geográfica, ganhou espaço para veicular fatos com critérios de noticiabilidade particulares sem filtros ou intermediações, além de expor opiniões pessoais. No momento atual, marcado pela influência da tecnologia digital na redução do tempo entre o acontecimento e a veiculação dele, Keen (2009) sinaliza que diminuíram as fronteiras entre o público e autor, criador e consumidor, especialista e amador.

Os produtores e consumidores de mídia, salienta Jenkins (2009), não ocupam mais papéis distintos porque podem ser considerados participantes que interagem de maneira igual em “um novo conjunto de regras”, ainda não definido por completo. Um contexto que permite, como já apontava há 20 anos Lévy (2011), pensar coletivamente e influenciá-lo. O público, segundo Canavilhas (2010), pode ser identificado comogatewatcher, porque seleciona as notícias mais interessantes para os amigos ou seguidores. Uma alusão ao termo gatekeeper,relacionado ao jornalista responsável por selecionar as pautas nos veículos de comunicação.

No atual período que vivemos, denominado por muitos estudiosos como “segunda década de digital”, não há como qualificar e quantificar com exatidão o volume de informações veiculadas todos os dias pelas redes sociais. Muitas, inclusive, são compartilhadas com acréscimo ou exclusão de dados. Atividades que, na avaliação de Keen (2009), viabilizam uma nova geração de “cleptomaníacos intelectuais”. O cálculo estimado é que, de acordo com (QUARESMA, 2013), “são aproximadamente 322 exabytes [um exabyte equivale a um bilhão de gigabytes] por ano, o que dá quase 1 exabyte por dia de informações.[…] Pesquisa divulgada pela Cisco assinala que este números quadruplicarão até 2015”.

Se antes os mediadores da informação eram as corporações de mídia, agora a cidadão comum se inclui nesse processo, também como mediador. Kenn (2009) trabalha com a expressão “culto ao amador” ao avaliar o papel que o público desempenha na veiculação de fatos por meio das redes sociais. Para o autor, o fenômeno é prejudicial à veiculação da verdade e transforma as massas em determinantes do que é ou não verdade.

As informações postadas, embora algumas possam ter a veracidade questionada, também são consideradas por muitos como subsídios para avaliar a cobertura jornalística dos veículos de comunicação. Como cada gatewatcher se transforma em um “correspondente em potencial”, as redes sociais viabilizam o acompanhamento de acontecimentos de inúmeros locais. Ao ler no Twitterque, na região onde mora, há um grave acidente de trânsito, ou ser informado peloFacebook que começou um incêndio de grandes proporções no bairro onde mora o usuário ao acessar um site noticioso desejará encontrar detalhes desses episódios. O veículo online poderá não atender à expectativa em um primeiro momento, pelo simples fato de não ter condições de prever tais acontecimentos repentinos.

A eficiência do amador?

Uma análise superficial da situação poderia sugerir que o cidadão comum estaria sendo mais eficiente na cobertura noticiosa, mas neste contexto é importante enfatizar a assertiva de Anderson, Bell e Shirky (2013) que defendem que o público não tomou o lugar dos jornalistas. Os cidadãos conectados conseguiriam apenas dar a primeira descrição dos fatos e caberia aos jornalistas, apontam os autores, confirmar, interpretar e organizar de forma lógica o que é veiculado pelo público incluindo, além de textos, fotos e imagens. Um estudo realizado por Recuero (2011) sobre jornalismo e redes sociais indicou que a legitimação e aprofundamento da notícia foram os valores mais procurados nos veículos de comunicação depois que os fatos ganham destaque nas redes sociais. No atual contexto, “o oligopólio da imprensa tradicional virou uma força a mais – e só – na hora de decidir o que é ‘notícia’” (ADLER, 2013, p.2).

Mas se há temerosos quando ao futuro do jornalismo diante do novo cenário informacional, há otimistas que acreditam que a importância do jornalismo não cairá por terra. O que está acabando, na concepção é a “linearidade do processo e a passividade do público” (ANDERSON, BEEL E SHIRKY, 2013, p.72). Na previsão dos autores “as mudanças que estão por vir superarão as que já vimos, pois o envolvimento do cidadão deixará de ser um caso especial e virará o núcleo de nossa concepção de como o ecossistema jornalístico poderia e deveria funcionar”.

Sendo assim, Lemos (2003) pondera que, embora o tempo real iniba a reflexão, uma das leis em tramitação na atualidade é a ‘Lei da Reconfiguração’ que discorre sobre as reconfigurações de práticas e modalidades midiáticas sem tomar o lugar do que antecedeu.A equação relacionada ao jornalismo frente às redes sociais já foi montada. Para o futuro, cabe aos jornalistas apresentar e desenvolver as etapas e processos para que o resultado da equação seja positivo. O principal subsídio do processo é o trabalho de reportagem qualificado, o grande diferencial do jornalismo frente ao amadorismo.

Referências bibliográficas

ADLER. Ben. Juventude Transmidiada. Revista de Jornalismo ESPM. São Paulo. Editora ESPM. 24-31. p. agosto/setembro. 2013.

ANDERSON, c.w.; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. “Jornalismo Pós-Industrial: adaptação aos novos tempos”. Revista de Jornalismo ESPM, São Paulo. Editora ESPM. p.30-89. abril-junho de 2013.

CAVAVILHAS, João. Do gatekeeping ao gatewatcher: o papel das redes sociais no ecossistema mediático. [S.l.], 2012. Disponível aqui, acesso em 17 de novembro de 2012.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução Suzana Alexandria. 2ªed. São Paulo. Aleph, 2009.

KEEN, Andrew. O Culto do Amador, como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores. Tradução Maria Luiza X. de Borges – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009

LEMOS, André; Cunha, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Sulina, Porto Alegre,2003

QUARESMA. Alexandre. Os cibercircuitos oniscientes do virtual. Sociologia. São Paulo: Ponto A. edição 47. página 30-33, junho/julho. Ponto A. 2013.

RECUERO. Rachel. Jornalismo e Redes Sociais: legitimação, filtragem e aprofundamento. 2011. Disponível aqui, acesso em 20 de junho de 2013.

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Regina Zandomênico é jornalista e professora universitária