Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A primeira mentira

Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República, disse que seus gastos de campanha poderão alcançar R$ 150 milhões. Dilma Rousseff e Aécio Neves pretendem realizar despesas maiores: perto de R$ 300 milhões cada um. Pouco depois de seu anúncio, os três principais candidatos ao governo paulista forneceram suas previsões: Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à reeleição, R$ 90 milhões; Paulo Skaf (PMDB), R$ 95 milhões; Alexandre Padilha (PT), R$ 92 milhões.

São números estranhoS: precisando fazer muito mais viagens, muito mais longas, para atingir quase o quíntuplo de eleitores em todo o território brasileiro, Campos admite gastos de R$ 150 milhões. Para atingir 22% do eleitorado num território muito menor, com viagens bem mais baratas, cada um dos pretendentes ao governo paulista pretende gastar mais de 60% do orçamento do candidato presidencial importante que planeja a campanha mais barata (e cerca de 30% das despesas dos candidatos à Presidência que se propõem a gastos maiores). E se a incongruência fosse só essa, vá lá. Mas há outro aspecto: cada voto para deputado, em São Paulo, exige um investimento de no mínimo R$ 30 (há exceções, para candidatos já conhecidos, ou que dominam um nicho do eleitorado – gente como Tiririca, por exemplo, ou um dirigente sindical com boa base). Um deputado federal com 200 mil votos terá gasto algo como R$ 6 milhões. Como é que pretendem os candidatos chegar ao governo com gastos como estes que anunciaram?

Traduzindo, esses números são calculados pela Shoot Foundation, auditados pela empresa especializada Consigliori Embromativi, e valem tanto quanto as promessas da campanha cujos custos pretendem traduzir. Como os partidos estão entre os principais fiscais uns dos outros, tudo bem: um não acusa o outro para não ser acusado. E, não tenha dúvida, toda a contabilidade é muito bem feita. Não se pode, portanto, esquecer que nunca se mente tanto quanto antes de uma campanha, durante os comícios e depois de eleito.

Quem pode romper a blindagem da contabilidade criativa somos nós, jornalistas. O trabalho é difícil, extenuante, caro; exige um tipo de assessoria que nem sempre as empresas estão em condições de fornecer. Exige minucioso trabalho investigativo a respeito dos gastos e do que se obtém em troca; exige duro trabalho braçal para pesquisar o valor de itens oficialmente cedidos sem ônus (mas que devem ser contabilizados), como sedes de campanha, automóveis, seguros, jatinhos emprestados etc.

E pode ser perigoso: o terreno do caixa 2 é minado e os administradores dos recursos não contabilizados, sempre gente poderosa, raramente estão dispostos a ser desmascarados e a enfrentar processos. Mas, como no caso dos médicos que são acordados de madrugada para atender emergências, essa é a profissão que escolhemos. Podemos exercê-la ou não.

Um detalhe extra: o jornalista Ucho Haddad, em seu corajoso blog, calcula em R$ 100 milhões o custo de uma campanha para a prefeitura de São Paulo. Se para chegar à prefeitura da capital o gasto é de R$ 100 milhões, como é que para chegar ao governo do estado os candidatos preveem gastos menores?

Há algumas décadas, o repórter Ricardo Kotscho mergulhou nos bastidores do governo e mostrou como funcionavam as mordomias, privilégios concedidos aos amigos dos governantes e a suas equipes de, digamos, trabalho. Hoje, é hora de repetir esse esforço, tentando decifrar os custos de campanhas eleitorais. Algum jornalista conseguirá convencer seus empregadores de que uma reportagem desse tipo, difícil e custosa, fará com que tanto seu autor como o veículo que a divulgar entrem na História do bom jornalismo?

 

Lições de abismo

Que feio! Uma jornalista que se apresenta como “militantes dos direitos humanos” e é candidata pelo PT à Assembleia gaúcha postou em seu twitter uma série de mensagens ferozes contra o jogador colombiano Zuñiga, que numa entrada violenta, mas não incomum no futebol, tirou da Copa o atacante Neymar. Entre as mensagens da “militante dos direitos humanos”, uma deseja a Zúñiga “o mesmo fim do Escobar” – provavelmente Pablo Escobar, dirigente de um cartel colombiano de narcotráfico, assassinado por criminosos de bandos rivais. Sugere também que os brasileiros não permitam que Zúñiga “saia vivo do país”.

Zúñiga foi violento? Foi. Teve a intenção de quebrar Neymar? Provavelmente não. Merecia punição mais grave que a marcação da falta? Sim – este colunista lhe daria um cartão amarelo (e há quem preferisse o vermelho). Mas daí a desejar que seja assassinado vai uma certa diferença.

 

A feroz se explica

Em outro tweet, a jornalista-candidata diz que não se importa com a opinião de cidadãos que não sejam seus eleitores. Que doçura de alma!

 

Anatomia da barriga

Um grande jornal já criticou a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais por mimar essas crianças que, dotadas de qualidades excepcionais em áreas como declamação, canto, dança e outras correlatas, são chatíssimas e já encontram mimo mais do que excessivo na família e entre os amigos da família. Não, o jornal ainda não conhecia o termo na acepção atual, de pessoas excepcionalmente desprovidas de habilidades corriqueiras e que necessitam de ajuda permanente.

Outro jornal, seguindo a manada (que, na época, relacionava os militares, todos, com as ditaduras), desancou o general peruano Velasco Alvarado, que chegara à Presidência da República a bordo de um golpe de Estado. Acusava-o de ser “gorila”, “reaça”, essas coisas (“coxinha” não, que esta é um expressão mais recente). Só que Velasco Alvarado era uma prévia de Hugo Chávez, um bolivariano que ainda não sabia que os bolivarianos existiam. O jornal logo descobriu quem ele era, mas esqueceu com todo o carinho a matéria que o colocou do lado errado.

Três jornalistas importantes contam esses casos e outros – especialmente os ocorridos com eles mesmos – no próximo congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), de 24 a 26 de julho, em São Paulo (inscrições entre R$ 250 e R$ 550, pelo endereço eletrônico http://abraji.org.br/congresso). Participam Heródoto Barbeiro, professor universitário, apresentador da Rede Record, Suzana Singer, até o início do ano ombudsman da Folha de S.Paulo e Clóvis Rossi, da Folha. Eles concordam em dois pontos: todos os jornalistas, jovens e velhos, cometem suas “barrigas” – inclusive eles. E, sabendo-se que os erros são inevitáveis, o importante é assumi-los publicamente e corrigir as falhas.

Que os deuses do jornalismo lhes permitam agir sempre assim.

 

Histórias de jornalismo

O caro leitor certamente desculpará o uso de certas palavras normalmente não utilizadas nesta coluna: no caso, são essenciais para a belíssima história que nos é contada pela jornalista e escritora Laurisa Nutting, de Fortaleza.

Heribaldo Costa, professor, jurista ilustre, era inimigo do diretor do Diário do Povo, de Fortaleza, Jáder de Carvalho (pai do jornalista e ex-senador Cid Carvalho). O jornal assim noticiou sua volta de uma viagem: “Chegou da Europa o ilustre professor Hericaldo Bosta”. O professor entrou na Justiça e o jornal foi condenado a se retratar na primeira página. Jader de Carvalho escreveu uma alentada nota de retratação:

“Esse jornal, sem querer, por equívoco gráfico, cometeu um erro imperdoável. Chamou de Hericaldo Bosta o ilustre professor de nossa Faculdade de Direito. Sabem os leitores que jamais este jornal poderia chamar de Hericaldo Bosta um intelectual do nível e do renome do ilustre professor da Faculdade de Direito. Até porque jamais soubemos que o ilustre mestre se chamasse Hericaldo Bosta.

“Mas errar o nome de personalidades ocorre em todos os jornais do mundo. Acabamos chamando de Hericaldo Bosta o venerando catedrático da Faculdade de Direito. Cumprindo determinação judicial, estamos nos desculpando e informando aos leitores que, em vez de Hericaldo Bosta, o verdadeiro nome do distinto professor é Heribosta Caldo.”

Heribaldo Costa pegou um revólver e foi ao jornal matar o diretor Jáder de Carvalho. Não deixaram.

 

Como…

Slogan de campanha eleitoral, num cartaz distribuído na convenção do PSDB (o partido dele!)

** “Vai dar Aécio Neves”

Há partidos que não precisam de adversários.

 

…é…

Título de um grande jornal impresso, referindo-se ao viaduto que desabou em Belo Horizonte, em 3 de julho:

** “Argentina passou pelo viaduto no dia 21”

Deve ter algo a ver uma coisa com a outra.

 

…mesmo?

Um balanço da Copa do Mundo, num importante portal noticioso:

** “Dramáticas, jogos da Copa têm 160 atendimentos médicos cada”

Algumas frases só parecem esquisitos ou a texto está errada?

 

Não notícia

De um dos maiores portais informativos do país, ligado a um grande grupo de comunicações:

** “Suspeita diz que esquartejou homem porque era torturada”

Se ela diz que fez e diz o motivo que a levou a fazê-lo, por que “suspeita”?

E este colunista tem a absoluta e total certeza de que, um dia, ainda lerá a expressão “suposta suspeita”.

 

Frases

>> Do jornalista James Akel: “Os tucanos parecem não precisar de adversários pra campanha. Eles são seus próprios adversários faz tempo.”

>> Do blogueiro Arthur Muhlenberg: “Suárez prestou um serviço aos homens, provando para a mulherada que sim, pode-se sair para jogar bola e voltar com mordida no ombro.”

>> Do jornalista e escritor Ruy Castro: “Suárez não tem complexo de vira-lata. Pensa que é pitbull.”

>> Do tuiteiro Ronaldo Bressane: “Ninguém é ateu aos 45 do segundo tempo.”

>> Do jornalista Josias de Souza: “No Brasil, o novo é apenas o igual disfarçado.”

>> Do jornalista Cláudio Tognolli, sobre a insatisfação na Polícia Federal e as medidas do governo para amenizá-la: “Dilma libera o badaró da bufunfa pra segurar crise na PF.”

>> Do tuiteiro Ary Costa Pinto: “Não é difícil saber quem vaiou a Dilma. Difícil é encontrar quem tenha aplaudido.”

 

E eu com isso?

O mundo cor de rosa do espetáculo transforma informações que normalmente seriam de interesse limitado em notícias sensacionais, amplamente divulgadas, que apaixonam o público e envaidecem os artistas. Mas também fora do mundo mágico há notícias essenciais, sem as quais não poderíamos pegar no sono.

** “Esperma de testículo congelado produz ratos saudáveis”

** “Kim Kardashian quer comprar mansão milionária em Nova York”

** “Claudia Raia exibe os cabelos loiros em festa com o namorado”

** “Jennifer Lopez se machuca durante apresentação”

** “Paola Oliveira se diverte em férias em Angola”

** “Beyoncé e Jay-Z estreiam a turnê juntos em Miami”

** “Murilo Benício passa o dia com o filho na praia da Barra”

** “Zach Braff mandou entregar energético para mulher que dormia na plateia de sua peça”

** “Mateus Solano curte viagem a Israel com Paula Braun”

** “Lana Del Rey diz que gostaria de ser uma motociclista”

** “Luana Piovanni curte passeio na praia com a família”

** “Lorde acha que Taylor Swift é um ‘exemplo incrível’”

** “Rodrigo Phavanello bate papo com amigos em barzinho”

** “Adam Levine jura que não dormiu com Lindsay Lohan”

** “Luciano Szafir passeia no shopping com filho e esposa”

** “Jared Leto e Ellen Page são os vegetarianos mais sexy”

** “Isis Valverde curte praia com amiga no Rio de Janeiro”

** “Humorista faz brincadeira e solta pum na direção de Marquezine, que se irrita”

** “Paris Hilton capricha no decote em premiação”

** “Fernanda Paes Leme aparece descabelada”

** “Paula Fernandes acalma os fãs após torcer o pé”

** “Sidney Sampaio e Carol Nakamura adotam mais um cachorro”

 

O grande título

Nesta semana, predomínio total de títulos onde o significado não é exatamente claro. Devem fazer sentido; grandes veículos de comunicação não publicariam coisas erradas, ou incompreensíveis, não é mesmo? Mas vamos lá:

** “Cantora pansexual – Angel Haze deixou igreja é promessa da música”

Um primor! Mas há outro interessantíssimo:

** “Franceses republicam estudo sobre milho transgênico acusado de falhas”

Quem será o dedo-duro que andou acusando de falhas o milho transgênico? Será que as falhas se referem ao estudo? Mas, se o estudo tem falhas, republicá-lo conserta automaticamente os erros?

E agora, o grande título:

** “Jogador craque está fora do mundial mas garante casamento”

Claro que quer dizer alguma coisa. Que tal tentar descobrir o que é?

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação