Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Erotismo e humor dão a tônica das adaptações da obra

João Ubaldo amava Glauber e Jorge Amado. E amava o povo brasileiro, claro. Escreveu um livro antológico, Viva o Povo Brasileiro. Talvez fosse isso que o atraía tanto em Glauber e no amado Jorge, baianos como ele. Jorge colocou sua brasilidade em páginas imortais que, algumas vezes, saltaram para a tela. Glauber, que acreditava que os poderes do povo são maiores, colocou-o (ao povo) na tela, mas o público desertava das salas que exibiam seus filmes.

Seus escritos foram para o palco, a tela, a televisão. Fernanda Torres fez graça com A Casa dos Budas Ditosos, a TV adaptou O Sorriso do Lagarto e, no cinema, mesmo que tenha ajudado Cacá Diegues a adaptar Tieta do Agreste (e Deus É Brasileiro, de sua lavra), João Ubaldo é, acima de tudo, o autor de Sargento Getúlio, que virou filme de Hermano Penna, com Lima Duarte. O filme e o ator receberam os maiores prêmios do ano. Não era um filme fácil – ou melhor, não era um personagem fácil.

Mesmo admirando a adaptação, e a interpretação, podia-se odiar Sargento Getúlio, porque o personagem era detestável, monstruoso, e isso porque Lima Duarte o criava tão bem, na sua desmesura. Sargento Getúlio carrega um prisioneiro, de uma cadeia a outra. É a imagem da brutalidade e da repressão, mas seria somente uma caricatura do poder, não fosse por um detalhe precioso – o próprio Getúlio é refém desse sistema ao qual serve. O filme, na sua descontinuidade, nos seus excessos, possui um lado ‘glauberiano’ muito forte. Permanece como o melhor de Hermano Penna.

Homens e lagartos

Com Cacá, João Ubaldo adaptou o próprio conto, O Santo Que Acredita em Deus, e o transformou em Deus É Brasileiro. O filme é contemporâneo da série norte-americana Todo Poderoso, com a qual tem similaridades. Deus, cansado da desordem do mundo (que criou), resolve tirar férias, mas antes busca, por essas paragens, um substituto. Antônio Fagundes é quem faz o papel, secundado por Wagner Moura. Para Cacá, João Ubaldo também adaptou Tieta, outro bom filme com o qual os críticos implicaram, na fase chamada de ‘retomada’ do cinema brasileiro. Em especial, um merchandising de banco provocou indignação. O tempo, e a música de Caetano Veloso, e a interpretação de Sônia Braga, hão por bem de relativizar essa indignação.

Do muito que João Ubaldo escreveu, o que mais contribuiu para a glória de imortal – a par das qualidades humanas, que todos exaltam – foi Viva o Povo Brasileiro. Quase virou filme – de André Luiz Oliveira, cineasta bissexto, de poucos e grandes filmes. Bem que Oliveira tentou, mas o custo inviabilizou a produção. O humor transparece em seus escritos, a sensualidade, também. Ambos, o humor e a sensualidade, invadem a casa dos Budas ditosos e, Fernanda Torres, no papel daquela libertina, é impagável. Uma mulher de 68 anos – uma idosa! – solta o verbo para contar como foi feliz com seus amantes. Na casa minimalista que o diretor Domingos Oliveira montou no palco, até os Budas são ditosos. E dois, safadinhos, fazem sexo alegremente.

O Sorriso do Lagarto virou minissérie de Walter Negrão. Foi ao ar na Globo, em 52 capítulos, no começo dos anos 1990. A investigação de um crime, na ilha de Santa Cruz, se faz paralelamente a histórias de amores proibidos como o de Tony Ramos pela casada Maitê Proença e a experimentos macabros como o do médico que quer criar uma raça híbrida de homens e lagartos. O fantástico, no que não deixa de ser uma incursão do autor pelo realismo mágico, e a ausência de final feliz marcaram a minissérie, que foi lançada em DVD.

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Luiz Carlos Merten, do Estado de S.Paulo