Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

O cumprimento da lei

O artigo publicado no dia 7/7 – “Troca de informações com o exterior“, de Heloisa Estellita e Frederico Bastos – traz à luz caso emblemático dos obstáculos encontrados pelos cidadãos e pela própria administração pública para o cumprimento da Lei de Acesso à Informação.

A administração tem demonstrado dificuldade em incorporar às suas práticas o princípio fundamental dos procedimentos instituídos pela Lei de Acesso à Informação, qual seja a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção. Trata-se de uma dificuldade previsível e, provavelmente, a maior delas, já que impõe uma mudança cultural à sociedade: a transição da cultura do sigilo para a cultura do acesso à informação.

A lei dá o fundamento e o impulso essencial para a mudança, mas a sua realização plena demanda a luta persistente dos cidadãos e organizações, e a renovação da visão do administrador e dos servidores públicos.

Não basta publicar a informação, é preciso que seja facilmente encontrada e compreendida pelo interessado

Da parte da administração pública, o cumprimento da lei demanda práticas transparentes e responsáveis de gestão da informação e gestão documental, de maneira que estes estejam disponíveis à sociedade, de forma íntegra e autêntica. Deve ainda a administração, em todos os níveis, promover a capacitação de seus servidores, para que estes, conhecendo a lei e as obrigações dela decorrentes, estejam aptos a cumpri-la com segurança e presteza, sem a imposição de limitações indevidas ao direito de acesso à informação.

A Controladoria-Geral da União (CGU) tem desempenhado a contento o seu papel, liderando as iniciativas da administração no sentido do cumprimento integral da lei. Além do exercício da sua competência decisória recursal, a CGU tem atuado de forma determinante na capacitação de servidores públicos para o cumprimento da lei.

Transição em curso

Da parte da sociedade civil, é indispensável a prática reiterada do acesso à informação. A informação de interesse público pode tanto ser relevante para o indivíduo ou organização, em um processo de tomada de decisão particular, quanto ser fundamental para a participação da sociedade na escolha e controle de políticas públicas, garantindo a prestação de serviços públicos de qualidade e, especialmente, combatendo a corrupção.

Tem se mostrado de grande relevância, nesse sentido, a atuação dos observatórios sociais hoje instalados em diversos municípios do país. Trata-se de associações civis que atuam via de regra no âmbito local, acompanhando de perto as decisões dos gestores, especialmente quanto à legalidade das licitações e contratos da administração pública. O acesso à informação é o seu mais importante instrumento de trabalho. E nesse sentido, tem desempenhado papel importante na promoção da mudança cultural tanto no âmbito da sociedade quanto da administração. No âmbito da sociedade, porque esta, em geral, se identifica com a proposta dos observatórios, vislumbrando na sua atuação aquela participação almejada pelo indivíduo e que se viabiliza a partir da organização social. E no âmbito da administração, a mudança cultural provém da constatação da inafastabilidade da sua obrigação legal de informar e de admitir, assim, a participação ativa do cidadão nas escolhas de interesse público.

Tudo isso, é claro, não ocorre sem o enfrentamento firme da resistência de agentes públicos que, por desconhecimento da lei ou insegurança no seu cumprimento, se opõem injustificadamente à divulgação de informações, as quais julgam, erroneamente, estarem acobertadas por sigilo.

Muito ainda há por fazer, especialmente da parte da administração pública. Portais de acesso à informação, em todos os níveis da administração, ainda tem muito a evoluir tanto em quantidade de informação posta à disposição do cidadão, quanto na qualidade da informação prestada e das condições de acesso a ela. Não basta publicar a informação, mas é preciso que ela seja facilmente encontrada e compreendida pelo interessado. E quanto aos requerimentos de informação, nunca é demais afirmar que o acesso é a regra e o sigilo, a exceção; e que o pedido de informação não precisará ser justificado, mas a negativa do seu atendimento, sim, sempre.

A transição cultural está em pleno curso. Há iniciativas relevantes por parte da administração e da sociedade, as bases jurídicas estão postas expressamente e o avanço virá do exercício reiterado desse direito fundamental. É da conjugação de esforços do cidadão, das organizações e, principalmente, do servidor e do agente público obrigados a dar cumprimento fiel à lei que poderá advir uma revigorada realidade democrática brasileira e com ela um ambiente de efetiva transparência, ampla competitividade e igualdade de oportunidades.

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Giuliana Pinheiro Lenza é procuradora da Fazenda Nacional e voluntária no Observatório Social de Maringá (PR). Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações