Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vera Guimarães Martins

Na coluna de domingo passado, escrevi sobre a dificuldade de tratar com isenção o conflito Israel/Palestina, um assunto inflamado por nacionalismos (dos dois lados), compaixão (pelo mais fraco) e ideologias (esquerda/direita).

Na segunda (28), o assunto revelou todo o seu potencial explosivo após a publicação da coluna “Israel é uma aberração; os judeus, não”. Nela, o jornalista Ricardo Melo, que escreve às segundas em “Poder”, defende o fim do Estado de Israel e propõe como saída “a construção de um Estado único, onde árabes e judeus convivam em harmonia”.

Desde que assumi o cargo, em abril, nenhum assunto provocou tantas mensagens e revolta, e não só da comunidade judaica.

“A pluralidade de opiniões entre os colunistas da Folha é o que há de mais interessante no jornalismo brasileiro. Leio todos, mesmo aqueles dos quais discordo. Acho que esse é o futuro. Não sou judeu e concordo que há abusos, mas não posso deixar de me indignar com o texto”, escreveu um leitor.

A maioria questionava a validade da publicação. “A Folha tem feito um cuidadoso trabalho na cobertura desse conflito. Pergunto se vale a pena colocar tudo a perder devido à equivocada escolha de colunistas. Até quando o jornal, em nome de uma suposta pluralidade, patrocinará extremismos e bobagens?”, perguntou outro.

Em resposta aos leitores, a Secretaria de Redação reafirmou a defesa da diversidade de opiniões.

“A manifestação de Melo, embora contundente, está em sintonia com uma corrente de opinião existente no mundo todo, inclusive em Israel, que defende a substituição do Estado judaico por um outro, de caráter pluriétnico, abrangendo também os palestinos de Gaza e da Cisjordânia. Outros colunistas da Folha rebatem, também de forma veemente, essa opinião e defendem intransigentemente o direito de Israel de existir como é, de defender-se e de ir à guerra contra facções palestinas que o ameacem.”

Meu ponto, nas respostas que dei aos leitores, não passa pela sintonia do colunista com qualquer corrente, mas na defesa do seu direito de expressão. Uma dúvida, no entanto, era unânime: não há limite ou filtro para barrar “abusos”?

A questão não é de filtro, que existe –todas as colunas passam pelo crivo de um secretário de Redação antes da publicação. O limite, idem: o jornal recusa opinião passível de ser tipificada como crimes de injúria, calúnia e difamação ou que faça proselitismo em período eleitoral. Tirando isso, não há nenhuma interferência ou censura.

Para os leitores, é melhor que assim seja, embora acabe provocando muita incompreensão sobre a linha traçada entre o conteúdo noticioso, regido pelo ideal de isenção e imparcialidade, e o opinativo, em que é soberano o direito à liberdade de expressão. “Não cabe dizer que a opinião não é do jornal. Está nas suas páginas”, simplificou um.

Mas a troca de mensagens acabou rendendo um diálogo interessante e permitiu peneirar um sentimento comum, que vale registrar. Parte deles repudia a babel de vozes dissonantes, que soa estressante e pouco produtiva. Para muitos, a Folha promove a polarização, e não a construção de um debate mais profundo e menos estridente.

Um naco do sentimento deriva da contrariedade de ler “no meu jornal” opiniões opostas à própria crença, mas esse é um desejo absolutamente legítimo; a fidelidade de leitura é calcada na identificação. A pluralidade não é novidade na Folha, que fez desse diferencial seu mantra e com ele construiu a imagem que tem –na sexta (1º), o jornal iniciou uma campanha publicitária para reafirmar a postura.

A diferença agora é a existência de uma sociedade visivelmente mais complexa e dividida, em que as vozes se multiplicaram, assim como as portas de saída.

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo