Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Perspectiva em mutação

A TV Folha, departamento de videojornalismo da Folha de S.Paulo, foi pioneira entre os grandes veículos de mídia ao empregar drones na cobertura das manifestações de junho de 2013 no Brasil.

Além desses veículos aéreos não tripulados (vants, no Brasil), foi também utilizada de forma inédita a tecnologia do Google Glass para captar imagens dos protestos do ponto de vista dos manifestantes. O equipamento, que à época não estava disponível no Brasil, chegou a São Paulo pelas mãos da jornalista Fernanda Ezabella, correspondente da Folha em Los Angeles, uma das primeiras a adquirir o Google Glass no mundo.

Ao longo dos últimos meses, a TV Folha usou drones em seis ocasiões. Em todas elas, foram contratadas pessoas especializadas que já fazem há algum tempo o uso desse tipo de equipamento para os mais diversos fins. Isso porque, embora se assemelhem a brinquedos de aeromodelismo, os drones são relativamente difíceis de operar, além de levarem câmeras embutidas que enviam imagens a um monitor no solo.

Eles também foram usados em situações em que sobrevoaram milhares de pessoas, o que não dava margem para muitos riscos.

A TV Folha alugou esses equipamentos e contratou operadores a um custo médio de R$ 2.000 cada um, mas o preço varia bastante dependendo do tempo de utilização.

Ajuda providencial

Em uma das experiências, o modelo utilizado foi um DJI Phantom, operado pela empresa GoCam, especializada em captar imagens aéreas. Esse equipamento tem um raio de alcance de 300 metros, pesa cerca de 600 gramas e possui bateria que proporciona autonomia de voo de cerca de 15 minutos. A escolha do modelo pequeno e leve visava reduzir danos às pessoas em caso de queda.

As três primeiras ocasiões de uso do artefato foram durante os protestos de junho de 2013. Em outra oportunidade, ele foi utilizado para captar imagens aéreas na Cracolândia, bairro degradado do centro de São Paulo onde se aglomeram dependentes de drogas.

Nesse caso, a experiência mostrou de forma nunca vista nas TVs como os grupos de viciados se movimentam pelas ruas da Cracolândia. Além disso, forneceu uma perspectiva bastante próxima do estado de deterioração das ruas, edifícios e das instalações urbanas da região.

Na virada de 2013 para 2014, um drone foi novamente utilizado pela TV Folha para filmar engarrafamentos no litoral paulista. Foram mostradas filas de automóveis de turistas que tentavam ir ou vir das praias da Baixada Santista durante os feriados de final de ano.

Normalmente as redes de televisão utilizam helicópteros para levar à audiência esse tipo de imagem. Com os drones, a captação revelou com mais realismo e proximidade a situação de caos e desespero entre os motoristas, que chegaram a passar mais de cinco horas para percorrer trajetos que normalmente não ultrapassariam 50 minutos.

Mais recentemente, a TV Folha empregou novamente um drone para filmar e ter uma perspectiva mais ampla da situação geral do chamado sistema Cantareira, que engloba um imenso reservatório de água empregado no abastecimento de boa parte da cidade de São Paulo.

Como a cidade está sob ameaça de racionamento de água, a opção pelo drone foi bem-sucedida ao mostrar imagens que deram uma dimensão realista do risco de o reservatório secar antes da chegada da época das chuvas na região, quando normalmente sua capacidade é recuperada.

Aqui, novamente, vale a comparação com imagens captadas por helicópteros. Como os drones permitem voos mais baixos e em velocidades menores, foi possível captar cenas bastante dramáticas de margens secas e de outros elementos que atestavam o risco de chegar ao fim a reserva de água do sistema Cantareira. Mas foi durante os protestos de junho de 2013 que a utilização dos aparelhos teve grande efeito ao dimensionar a magnitude das manifestações. E serviu para aproximar os telespectadores dos manifestantes de forma absolutamente inusitada.

Sem regras

Todas as redes de televisão, e a própria Folha, empregaram helicópteros para captar imagens aéreas das pessoas e das ruas ou de regiões inteiras que elas estavam ocupando.

Os drones também fazem isso, embora de forma limitada, já que não podem subir a alturas equivalentes às de helicópteros. No entanto, sua vantagem está justamente em poder voar baixo, e discretamente, oferecendo uma perspectiva bastante realista e próxima do que se passa no local.

No caso das imagens que foram ao ar, a opção da TV Folha foi a de fazer um “mix” entre o que foi captado com helicóptero e drone, fornecendo uma perspectiva mais geral do que se passava nas ruas.

Nessas ocasiões, os drones utilizados pela TV Folha foram devidamente identificados com adesivos indicando o nome da Folha. O objetivo era garantir que não fossem confundidos com equipamentos da polícia, que estava diariamente nas ruas em confronto com os manifestantes.

Um aspecto curioso é que ainda não existe no Brasil uma regra da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para a utilização civil desse tipo de equipamento. Só agora a agência começa a se debruçar sobre o assunto.

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Fernando Canzian é repórter especial da Folha de S.Paulo