Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Um caderno de ciência a menos

Começou como um boato de corredor, faz duas semanas, logo depois do falecimento do seu último editor, Leonardo Moledo. Agora há fortes suspeitas de que a notícia ruim acabe se confirmando. O jornal argentino Página/12 fecharia o seu caderno semanal de ciência “Futuro” – que, de momento, está “suspenso”, segundo o jornal. Até tu, Página/12?

“Futuro” ganhou muito prestígio nos seus vinte anos de circulação, por ser muito valorizado tanto pelos leitores como pelos cientistas. De fato, é um clubinho que tem como membros alguns dos melhores jornalistas científicos do país. Os assuntos que divulga são muito amplos e variados, porém os professionais que nele escrevem têm em comum achar que a ciência não apenas pode, mas deve, ser reportada com rigor, paixão, muito humor e qualidade literária. Por isso, a preocupação pela desaparição deste espaço.

Os indignados argentinos logo começaram a fazer barulho. Sem panelaço, protesto digital primeiro, alguma entrevista no rádio depois. As contas do Twitter foram as que saíram na disparada. A Rede Argentina de Jornalismo Científico (RADPC) divulgou logo um comunicado – como em 2011, quando o centenário jornal La Nación tomou decisão similar –, expressando a sua preocupação e surpresa. Foi aberta também uma petição no Facebook (ver aqui) e há até um pedido de assinaturas contra a decisão da empresa, sob o marco geral de que “a ciência é um bem público e, portanto, a mídia está profissionalmente obrigada a lhe dar espaço” (ver aqui).

Esperança remota

Se o “Futuro” sumir, a ciência ainda vai continuar aparecendo no jornal, não pode desaparecer. De fato, a polêmica sobre se as notícias científicas devem estar no corpo do jornal ou em cadernos especializados vem desde os primórdios do jornalismo científico. No início dos cadernos de ciência, houve uma movimentação contrária pelo temor de que seções fisicamente isoladas fossem tirar o conhecimento científico do alcance do público geral, e acabassem informando apenas ao nicho dos interessados. As primeiras experiências nesse sentido, como do jornal La Vanguardia, de Barcelona, foram bastante criticadas pelos que trabalhavam pela divulgação da cultura científica junto à população.

Esse temor, porém, não faz mais sentido. O que o tempo nos ensinou é que, quando some um caderno como “Futuro”, o que de fato ocorre é que diminui a quantidade e a abrangência das matérias de ciência, na concorrência diária com outros assuntos. E também cai a necessidade de ter jornalistas especializados nas redações ou como frilas fixos. De forma geral, a informação de qualidade é a vítima.

Não dá para saber o futuro. Os jornalistas mais experientes, que já viveram processos similares em outra redações, não conseguem achar palavras para manter viva a esperança. Mas desta vez poderia ser diferente. O Página/12 e próximo do governo argentino – o que significa que tem muitos anúncios e nenhuma dificuldade financeira. E isso mantém, por enquanto, a chama acesa.

(Até o fechamento deste texto, o diretor do Página/12, Ernesto Tiffenberg, não havia respondido às perguntas enviadas por e-mail pelo Observatório.)

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Roxana Tabakman é bióloga e jornalista, autora de A saúde na mídia. Medicina para jornalistas – jornalismo para médicos