Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A transparência no lugar da imparcialidade

Em 1996, Rupert Murdoch criou a Fox News. Mais ou menos na mesma época, surgiu a World Wide Web, ou seja, a internet como conhecemos hoje. Antes da Fox News, a televisão transmitida nos EUA era a personificação mais completa do modelo de mídia do século 20: apenas três redes de televisão no país inteiro serviam a um público de centenas de milhões de pessoas. A Fox desafiou as convenções da mídia dentro do meio.

No entanto, a internet foi além e permitiu um ataque externo. Antes da web, as instituições de mídia do século 20 atuavam como guardiãs, decidindo tanto se a notícia valia a menção quanto quais opiniões sobre a própria notícia eram dignas de discussão. À medida que a internet foi ganhando espaço, este papel de cão de guarda entrou sob a mira de inovações sucessivas: desde fóruns de discussão online, passando por blogs, agregadores de notícias e redes sociais.

Estamos agora em uma época de transição, onde a notícia se mistura às redes sociais e tudo parece acontecer muito rápido.

Morte do jornalismo tradicional?

Em artigo para o jornal britânico The Guardian, o economista australiano John Quiggin diz que não podemos mais supor que uma notícia seja verdadeira simplesmente porque foi publicada. Ele afirma que precisamos fazer nosso próprio julgamento sobre a credibilidade de qualquer publicação. Por outro lado, blogs e tuítes podem conferir um viés de fofocas irresponsável e mal-intencionado a reportagens factuais e análises cuidadosas. Mas Quiggin defende que não existe outro meio, além da experiência e da observação, para dizer quais fontes são confiáveis ??e quais não são.

Kellie Riordan, gestora de rádio na Australian Broadcasting Corporation (ABC), observou, também em artigo para o Guardian, que os nomes que geraram burburinho na imprensa nos últimos anos – como o jornalista Glenn Greenwald e Julian Assange, fundador do Wikileaks – estão mais para contadores de histórias da era digital do que para jornalistas tradicionais; eles abraçam um novo estilo de jornalismo que favorece a transparência, a análise forte, a opinião, o ponto de vista subjetivo, e, às vezes, até a defesa clara de um dos lados da história.

Kellie questiona: será que ainda necessitamos de imparcialidade jornalística?

De acordo com ela, alguns acadêmicos como Jay Rosen, da Universidade de Nova York, criticam abertamente o jornalismo imparcial, dizendo que este pode levar ao que chama de “a visão de lugar nenhum”.

Os defensores de um mundo pós-imparcialidade argumentam que “a transparência é a nova objetividade”. O escritor David Weinberger já declarou que “a transparência nos traz a confiabilidade do mesmo jeito que a objetividade costumava fazer”.

De acordo com Kellie, a era digital tem oferecido novas possibilidades de transparência no jornalismo. O site de jornalismo investigativo ProPublica, por exemplo, construiu uma base de dados pesquisável para listar os médicos que estavam sendo pagos pelas empresas farmacêuticas. O projeto “Dollars for Docs” incluía links para as principais fontes de informação, de modo que o público poderia ver claramente o funcionamento e a origem dos dados. Sites híbridos, tais como o Politico, o Vox e o FiveThirtyEight, estão publicando conteúdo com boa parte dos padrões editoriais defendidos pelo legado da mídia, mas também são transparentes quando não conseguem fornecer o quadro completo da notícia ou quando a informação muda rapidamente.

Este estilo difere-se dos métodos de redes tradicionais como a americana ABC e a britânica BBC, por exemplo, que geralmente angariam a confiança do público através de uma abordagem imparcial e independente, que examina os fatos e tira conclusões com base no peso das evidências.

Mas Kellie pede cautela aos jornalistas e diz que a transparência por si só não é uma espécie de passe-livre; ela ainda deve ser conjugada com as características do jornalismo sólido, que envolvem uma boa apuração.

Ela diz também que a transparência não pode servir de pretexto para colocar a responsabilidade da notícia nos ombros do público, que ainda depende dos jornalistas para absorver fatos complexos, filtrar informações e montar argumentações. Kellie crê, inclusive, que nesta nova era tecnológica, onde todo mundo vive numa correria impaciente, ter um jornalista para filtrar os dados é mais importante do que nunca.

“Mas é claro que estas duas abordagens para o jornalismo podem e devem coexistir”, frisa. “Deve ser possível escrever um artigo a partir de um ponto de vista, sempre com base em evidências, claro. E deveria ser igualmente possível escrever um artigo apaixonado e imparcial, onde o público é livre para tirar as próprias conclusões.”

Kellie afirma ainda que o que mudou na era digital não foi tanto a necessidade de imparcialidade, mas o método para alcançá-la. “Os novos meios de comunicação preferem a transparência e a pluralidade para alcançar a imparcialidade; já a velha mídia a alcança com métodos objetivos. Devemos reconhecer que ambos os estilos podem levar a um jornalismo de qualidade, ou mesmo a um péssimo jornalismo.”

Ligando os pontos

David Leonhardt, chefe de redação do The Upshot – projeto do New York Times focado em política e economia –, desvia a questão para outro nível. Ele diz que, atualmente, muitos jornais respondem às perguntas básicas: “quem”, “o quê”, “quando” e “onde”, mas geralmente falham ao explicar o “por quê” e o “como”.

Ele cita o Google News como um exemplo de jornalismo especializado no “quem”, “o quê”, “quando” e “onde”. E diz que o “por quê” e o “como” não ocorrem porque tudo é baseado em algoritmos, não há a liderança humana e a curadoria que levam ao aprofundamento nas análises.

Leonhardt crê que a internet tem destruído o jornalismo explicativo e as análises posteriores à notícia. “Os jornais não podem mais recorrer a manchetes como ‘Avião é abatido na Ucrânia’ 18 horas depois que a notícia bombardeou smartphones e feeds de mídias sociais em todos os lugares”, diz.

O jornalista acha que, quando os leitores dizem esperar que os jornalistas lhes digam o que está acontecendo, eles se referem a apenas “ligar os pontos”, ou seja: não querem opiniões, querem saber como os fatos se encaixam para montar um panorama factível.

Ele relaciona isto diretamente à viabilidade do negócio do jornalismo. “Se, de fato, num mundo abarrotado de quem/o quê/quando/onde os leitores valorizam apenas o ‘ligar os pontos’, então eles certamente se mostrarão mais propensos a pagar por isso”. E leitores satisfeitos se revelam menos propensos a cancelar assinaturas e mais propensos a pagar mais pela informação a cada ano que passa. Os jornais estão apenas seguindo um fluxo.