Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Facebook das Lamentações

“Senhor, querido Deus, salve minha alma, conserte meu coração partido, mantenha o Povo de Israel seguro e me ajude a ter um filho!!”. O bilhete, assinado por “Brenda” e escrito em inglês num papel branco amassado, seria apenas mais uma oração se não fosse um detalhe: ele teria sido retirado do Muro das Lamentações, em Jerusalém, fotografado e revelado no Facebook por um internauta identificado como “Amos”. A página “Bilhetes que peguei no Muro” divulga fotos de dezenas de notas supostamente extraídas pelo “ladrão de rezas” do local mais sagrado para o Judaísmo – e reverenciado por outras religiões. O autor alega que se trata de “liberdade de informação”. Mas muitos questionam: seriam as cartas verdadeiras ou fabricadas, numa espécie de pegadinha online?

“Não é possível que não tenhamos acesso aos bilhetes mais interessantes do Muro. Não revelo quase nunca os nomes dos autores. O objetivo é mostrar ao público essa maravilha que se chama ‘segredos do Muro’”, explicou o autor na página, há alguns dias, em resposta a um internauta.

“Desculpa pai”, diz outro texto aparentemente sincero, sem assinatura, divulgado no site, que até a noite de ontem contava com 10 mil likes. “Que haja paz e que eu me case com um judeu ou com um árabe, desde que me ame!”, pediu outra fiel. Mas, além das curtidas, “Amos” recebeu também milhares de críticas – sem contar xingamentos e ameaças. Indignados, alguns internautas se organizaram e criaram pelo menos três outras páginas no Facebook em campanha pelo fechamento do site original.

– Meu grupo foi aberto com apenas um objetivo: fazer com que a pessoa que se esconde por trás do perfil “Bilhetes que peguei no Muro” retire a página que criou ou pelo menos se revele – disse Sharon Gabrielli, criador do “Grupo contra o perfil Bilhetes que Peguei no Muro”. – Ele envergonha muitas pessoas com a alegação que o público tem direito a sabe que bilhetes os israelenses colocam no Muro em seus momentos mais difíceis.

Limpeza periódica

A indignação dos internautas e o auê midiático fizeram com que o rabino do Muro das Lamentações, Shmuel Rabinowitz, acionasse ontem a polícia diante do que classificou de “profanação de um local sagrado”.

– O costume de colocar notas com orações no Muro das Lamentações é antigo. Revelá-las é um ato desprezível que viola o pacto íntimo entre o homem e o Criador – afirmou Rabinowitz. – É responsabilidade de todas as pessoas protegerem a dignidade dos fiéis e o conteúdo de suas orações.

Como por milagre divino, pouco tempo depois do apelo à polícia, “Amos” decidiu acabar com a página. Afirmou que se tratou, na verdade, de uma sátira e que todo os bilhetes foram fabricados. A reclamação junto à polícia, seria, então, “perda de tempo”.

“Não havia aqui um bilhete sequer verdadeiro e por isso vocês não vão encontrar pessoas que os reconheçam. É tudo mentira”, alegou o autor, ontem, demonstrando certa tensão com o envolvimento das autoridades. “A página já deu o que dar e por isso decidimos concluir suas atividades. Agradecemos a quem entendeu que se tratava apenas de zombaria e se divertiram. E pedimos desculpas aos que ficaram magoados”.

O rabino do Muro já havia se retratado junto ao presidente americano, Barack Obama, pela revelação à imprensa do conteúdo do bilhete que ele depositou entre as pedras milenares em 2008, quando ainda era senador. A carta dizia: “Senhor, proteja minha família e eu. Perdoe meus pecados e me ajude a ficar longe do orgulho e do desespero. Me dê a sabedoria para fazer o que é certo e justo. E faça de mim um instrumento de sua vontade”.

Por causa do volume de bilhetes colocados entre as pedras do Muro – cerca de um milhão por ano –, as autoridades religiosas retiram as notas duas vezes por ano para dar lugar a outros. As cartas retiradas são enterradas no Monte das Oliveiras, outro ponto bíblico da Cidade Sagrada.

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Daniela Kresch, para o Globo, em Tel-Aviv