Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Candidata promete recriar o que a presidente desmontou

Candidata à reeleição, a presidente Dilma Rousseff disse recentemente que vai universalizar a internet no Brasil, através de lei que garanta investimentos públicos e privados para a construção de uma rede nacional de banda larga. Eram esses os objetivos do Plano Nacional de Banda Larga [Decreto 7.175, de 2010], criado por seu antecessor, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quatro anos atrás, e que Dilma alterou para oferecer às operadoras o papel principal de massificar a banda larga. Com apenas 22 milhões de acessos em banda larga fixa, o país está longe de promover uma verdadeira política de inclusão digital, com internet para todos.

Na página 23 do documento base do Programa Nacional de Banda Larga estavam depositadas as esperanças de que, finalmente, os milagres da comunicação digital iriam chegar a todos os brasileiros. Mais especificamente no item 4 do programa, o governo Luiz Inácio Lula da Silva selava o compromisso:

“A instituição de uma Rede Nacional que fará uso das fibras ópticas sob domínio da União visa melhorar a infraestrutura para banda larga no Brasil e disseminar a oferta do serviço”.

A infraestrutura sempre foi um grande gargalo para o avanço da banda larga fixa no Brasil (veja os dados abaixo), que permitirá o uso das aplicações e facilidades que escoam pela internet. O Plano Nacional de Banda Larga foi decretado em 2010, por determinação pessoal do então presidente Lula, depois que fracassaram as tentativas de que a Oi, a supertele brasileira criada com a fusão da Telemar e da Brasil Telecom, fosse a grande gerente do plano.

A Oi cobrou caro demais, Lula decidiu partir para uma ação direta e ressuscitou a Telebrás, para oferecer uma banda larga mais capilarizada e mais acessível, tecnológica e financeiramente. Antes de eleita, Dilma Rousseff disse que manteria o plano, como na notícia abaixo: “Dilma quer levar banda larga a 40 milhões de brasileiros” (29/8/2010) [ver aqui, acessado em 16.09.2014]. Eis o trecho:

“A ampliação da banda larga de 12,2 milhões para 40 milhões de brasileiros e a redução dos custos de acesso estão entre as propostas de governo para a área de inclusão digital da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, caso seja eleita. Dilma disse hoje (29) que pretende levar a banda larga a todas as 27 capitais e a 4.283 municípios no período de 2011 a 2014. Segundo ela, isso será feito por meio da Telebrás e usando as fibras óticas das empresas de eletricidade e os gasodutos da Petrobras. ‘Vamos tornar disponível a rede básica de transmissão de dados, de voz e de imagens de grande extensão’, disse.”

Rogério Santanna, então presidente da Telebrás, explica que essa rede pública, aberta e com oferta ilimitada de banda no atacado, iria competir com as empresas privadas. “Existiam mais de dois mil provedores registrados na Anatel, e como as operadoras controlavam os backbone e backhaul, o pequeno provedor não conseguia contratar o link por um preço que ele possa competir”, disse Santanna.

As operadoras são as concessionárias de telefonia fixa, entre elas Telefônica, Oi e Embratel, que herdaram os sistemas de troncos da antiga Telebrás (Art. 207 da LGT, Lei nº 9.472, de 16.07.2014) e foram ampliando sua infraestrutura digital pelas redes da telefonia fixa, utilizando a tecnologia ADSL.

Para quebrar esses monopólios regionais, previa o documento base do PNBL a criação da rede nacional de banda larga:

“A Rede Nacional terá como foco prioritário constituir uma rede corporativa federal nas capitais, atender a pontos de governo e de interesse público e ofertar capacidade em localidades sem prestadores de serviço de comunicação, com preço elevado ou baixa atratividade econômica, bem como em áreas de baixa renda nas regiões metropolitanas. A Rede será operada pela Telebrás e pretende atingir 4.278 municípios até 2014.”

Na época, o governo federal estava imbuído do espírito de que a massificação da banda larga não poderia esperar. Como assessor especial de Inclusão Digital da Presidência da República e responsável pela gestão do PNBL, César Alvarez, afirmou no 21º Encontro Telesíntese, em fevereiro de 2010:

“O governo não quer ser um prestador no varejo de BL, mas, considerando-se a sua essencialidade para a construção de um País moderno, competitivo e uma sociedade da informação e do conhecimento, se o mercado não fizer, nas concentrações urbanas ou rurais, pelas dificuldades de renda, nós faremos. O direito de informação é um direito cada vez mais essencial num Estado democrático.”

PNBL muda após seis meses de governo Dilma

Com a chegada da presidente Dilma Rousseff ao poder, o PNBL como política pública foi desfigurado. No lugar do orçamento milionário, houve cortes nas verbas para a Telebrás. Determinou-se também mudanças de comando na estatal, com a saída de Rogério Santanna, e, com ele, foi-se a ideia de se fazer uma rede nacional pública de banda larga. Entravam em cena, então, as concessionárias de telefonia fixa, capitaneadas pela operadora Oi, que seria o carro-chefe da nova configuração do PNBL.

Em 25 de julho de 2011, a jornalista Elvira Lobato publicava, no jornal Folha de S.Paulo, reportagem sobre o novo modelo de política pública para a banda larga no Brasil, sob o título “Oi finaliza acordo com governo para banda larga” [ver aqui, acessado em 16.09.2014]. Tratava-se de acordo com a operadora Oi para oferecer a chamada banda larga popular, ou seja, 1 mega a R$ 35.

A banda larga popular tem hoje 2,6 milhões de contratos, que são resultado da “oferta voluntária” das concessionárias do serviço de telefonia fixa – Oi/Brasil Telecom, Telefônica/Vivo, CTBC/Algar e Sercomtel, no termo de compromisso firmado com o Ministério das Comunicações e a Anatel para oferecer pacotes “populares” de 1Mbps por R$ 35.

Sobre o referido acordo, o site noticioso sobre telecomunicações Convergência Digital publicava em 30.05.2011: “Dilma decreta o fim do PNBL idealizado por Lula”:

“Gestado e nascido durante o governo Lula, o Plano Nacional de Banda Larga, com a Telebrás como principal gestora, não parece ter empolgado o governo Dilma Rousseff. Além dos cortes de recursos – até agora não houve dinheiro transferido à empresa – houve mudanças na política, que passaram a privilegiar a relação com as operadoras privadas.

Pelo plano inicial, a Telebrás contaria com R$ 1 bilhão entre 2010 e 2011 – valor que poderia ser acrescido em outros R$ 400 milhões a depender do andamento da implantação da rede pública nacional de fibras ópticas.

Mas o primeiro aporte de R$ 600 milhões se transformou em R$ 316 milhões – sendo que nenhum centavo desse valor foi liberado até agora. Neste ano, os R$ 400 milhões previstos viraram R$ 226 milhões, dos quais apenas R$ 50 milhões foram transferidos.”

Informava ainda a referida notícia:

“A troca de comando na Telebrás também marca uma proximidade ainda maior do Ministério das Comunicações com as concessionárias de telefonia. No lugar de uma secretaria de Telecomunicações que resiste ao acordo com as teles, entra uma política de novos bônus.”

Quando o PNBL foi lançado pelo governo Lula, Dilma Rousseff participara indiretamente da sua gestão, como chefe da Casa Civil da Presidência da República.

PNBL das teles

Em sua nova versão no governo Dilma, o PNBL fora enfraquecido em seus três pilares: redução de preço, aumento de cobertura e de velocidade. Sob o novo apelido de “PNBL das teles”, o plano passou de política pública para um novo “modelo de negócios”, mas não sem veemente reação dos órgãos de defesa do consumidor.

Na reportagem “O assunto é muito sério, rebate advogada do Idec ao ministro Paulo Bernardo” [ver aqui, acessado em 17.09.2014], publicada em 22 de junho de 2011, o portal de notícias de telecomunicações Teletime News retrata que:

“… nesta terça-feira, 21 (2011), o IDEC, juntamente com diversas outras instituições, como a Intervozes e a Central Única dos Trabalhadores, promoveu um ‘tuitaço’ (mobilização para que vários internautas tuitem sobre um mesmo assunto), sob o mote ‘para tudo, minha internet caiu… nas mãos da teles’, que foi um dos temas mais comentados (trending topics) do dia, com mais de 3 mil postagens e 1474 tuites em uma hora e meia.”

A sociedade civil organizada queria diálogo. Queria explicações. Queria saber como o governo pretendia promover competição e fomentar o desenvolvimento da infraestrutura sem uma rede própria que pudesse pressionar o mercado pela queda dos preços e aumento da qualidade, além de ampliação da cobertura. “Uma coisa é negociar com uma rede. Outra é negociar com nada”, sintetizava Rogério Santanna, ex- presidente Telebrás.

O IDEC também criticava que o acordo que estava sendo construído com as teles era prejudicial aos consumidores porque a velocidade de tráfego na rede caía para quase o padrão de internet discada após atingir a franquia de 1 mega. Além disso, o consumidor teria que adquirir também um pacote de telefone fixo, o que configurava-se venda casada, mecanismo proibido pelo Código de Defesa do Consumidor.

Advogada da Protest Flávia Lefèvre também fez à época críticas veementes ao acordo com as teles dentro do novo desenho do PNBL. “Esse acordo é uma coisa muito séria”, declarou a advogada. A entidade buscou a Justiça para invalidar os termos do acordo entre o governo e as concessionárias, em ação impetrada em dezembro de 2011.

O acordo, como previram as associações da sociedade civil, não ganhou a aprovação do consumidor, e hoje apenas 2,6 milhões de conexões, ou 11% do total, são da chamada banda larga popular [ver aqui, acessado em 17.09.2014 e em 16.09.2014].

Banda larga é móvel?

A revisão nos objetivos do PNBL no governo Dilma foi acompanhada de uma forte tendência do órgão regulador, a Anatel, em dirigir a política para a banda larga móvel, como queriam as teles. Assim, a banda larga móvel entrou no discurso de marketing como parte do PNBL. Os números são discrepantes. Enquanto a banda larga móvel atinge, segundo dados do Ministério das Comunicações, 3.406 cidades, com 123,6 milhões de acesso (maio de 2014) [ver aqui, acessado em 17.09.2014 e 16.09.2014], a rede fixa tem 23,1 milhões de acessos. Enquanto a rede privada de internet móvel atinge todas as cidades do país, a rede da Telebrás alcança 885 cidades (MC, maio de 2014).

No início da implantação da telefonia 3G, que permite o acesso de dados, chegou-se a acreditar que a inclusão digital seria feita no Brasil pela via móvel. Sob o título “O PNBL começa a andar. E incomoda”[ver aqui, acessado em 16.09.2014], a jornalista Lia Ribeiro explicava que a reativação da Telebrás amedrontou as operadoras privadas de telecomunicações:

“O que mexe com os nervos da iniciativa privada é que a estatal vai atuar no atacado, vendendo capacidade de rede para os pequenos provedores e demais operadoras interessadas. E isso significa duas coisas: ampliar a competição (que não existe na maior parte dos municípios do país, no caso da rede fixa) e criar condições para a banda larga chegar às classes D e E e às periferias.”

Segundo o noticiário da Telesíntese, “o papel que as teles celulares vão ter nesse processo é indiscutível. O futuro da banda larga, dizem todos os especialistas, é móvel”. Entretanto, acessar a internet via telefone não oferece a mesma navegabilidade que o computador. Tanto que o Brasil tem 132,8 milhões de acessos na tecnologia 3G, e está longe de ser um país incluído digitalmente. O cidadão não acessa serviços públicos, portais de educação e comércio digital via telefone celular, só para citar alguns exemplos.

Apresentação-balanço [ver aqui, acessado em 16.09.2014] sobre o PNBL disponível na página do Ministério das Comunicações na internet contabiliza um crescimento de 400% no número de cidades cobertas e de 825% no número de acesso móveis, mas o conceito original do plano se aplica à cobertura de domicílios, que o subentende a banda larga fixa.

A rede fixa, ao contrário da móvel, tem cobertura de todas as cidades brasileiras, entretanto o efetivo acesso à população brasileira é limitado, o que atesta uma barreira de custo para a aquisição do serviço. Ademais, o cenário atual de 23,1 milhões de acessos em banda larga fixa é praticamente metade do projetado inicialmente pelo PNBL como meta para 2014, que era de 40 milhões de acessos individuais.

O serviço de banda larga no Brasil ainda é considerado um dos mais caros no mundo. Em recente evento do setor de telecomunicações, o 58º Painel Telebrasil, o presidente do Grupo Telefônica no Brasil, Antônio Carlos Valente, avisou ao governo que não é papel das operadoras fazer a inclusão digital no Brasil. “Nós estamos lutando pela sustentabilidade”, afirmou, reclamando os altos impostos no setor de telecomunicações, que tem uma das cargas tributárias mais altas do mundo.

Em notícia publicada no sítio do Ministério das Comunicações, intitulada “Banda larga popular já está em mais de 4.500 municípios” [ver aqui, acessado em 16.09.2014], o ministério presta contas dos avanços do PNBL e prenuncia a sua nova “guinada” em direção a um mercado mais elitista, de maior poder aquisitivo, com a criação do chamado PNBL 2.0, defendido pessoalmente pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo Silva. Diz a notícia:

“O Governo Federal estuda atualizar o Programa Nacional de Banda Larga ainda este ano, o que está sendo chamado de ‘PNBL 2.0’. A ideia é que essa revisão seja feita enfocando principalmente as redes fixas super rápidas e o acesso móvel em smartphone e tablet.”

A política de telecomunicações no Brasil é voltada para o fortalecimento da comunicação móvel, que opera em regime privado. Exemplo disso foram as licitações das faixas de radiofrequência de 450 MHz e 2,5 GHz. Indicada pela União Internacional de Telecomunicações como ideal para áreas rurais, a faixa de 450 MHz foi reivindicada pela Telebrás na gestão Rogério Santanna em ofício formal entregue ao ministro das Comunicações Paulo Bernardo, que recusou o pedido e preferiu entregar a faixa, associada a faixa de 2,5 GHz, às operadoras privadas para o atendimento em áreas rurais, remotas e escolas públicas rurais.

São justamente as áreas que o presidente do Grupo Telefônica no Brasil, gigante do setor de telecomunicações, disse não ser da alçada das teles. As teorias econômicas corroboram com as afirmações do executivo do setor de telecomunicações. Nas áreas rentáveis, o mercado resolve. Nos locais sem atração comercial, somente a política pública pode levar à população um serviço que hoje é essencial ao desenvolvimento econômico e social.

Estudo do IPEA indica que, se a cesta mínima fosse ofertada a R$ 15,00, 78,5% dos domicílios teriam banda larga. Ou seja, na teoria e na prática, fica demonstrado que o PNBL 1.0 estava certo: sem competição, não tem acesso. Sem uma rede pública, não tem cobertura. Sem compromisso de governo, e não promessa de campanha, não tem inclusão digital no país.

Os quatro anos que se passaram foram perdidos. Assim como os 14 anos de congelamento dos recursos do Fust, o fundo de universalização das telecomunicações no Brasil. Resta saber se o futuro não apenas promete… mas cumpre.

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Elizabeth Machado Veloso é jornalista e consultora legislativa na área de Comunicação, Telecomunicações, Ciência e Tecnologia e Informática da Câmara dos Deputados