Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dinheiro público, pauta prioritária

O governo vai precisar de muita imaginação e muito esforço, nos próximos meses, para fechar as contas do ano com um balanço apresentável. Falhou, pelo menos em agosto, uma das principais manobras para reforçar a arrecadação. O pessoal do Ministério da Fazenda esperava um bom ingresso de recursos do novo Refis, mais uma versão do programa de refinanciamento de dívidas tributárias. Pelo cálculo inicial, no mês passado deveria entrar algo na faixa de R$ 13 bilhões a R$ 14 bilhões. O recolhimento efetivo deve ter ficado entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões, segundo o Estado de S.Paulo.

Os maiores jornais de São Paulo e do Rio continuam seguindo bem a execução orçamentária. É um trabalho tecnicamente complicado e politicamente importante. Nos últimos dois anos, ou pouco mais, o pessoal do Tesouro tem-se esforçado para dar uma aparência mais saudável às contas federais. Repórteres têm mantido uma forte marcação, acompanhando os novos lances.

O novo Refis foi planejado para produzir efeitos a partir de agosto. O resultado abaixo do previsto foi apontado pela imprensa bem antes de ser divulgada oficialmente a arrecadação de agosto. Estadão e Valor publicaram boas matérias sobre o assunto. Os dois jornais também trataram extensamente, na mesma semana, dos subsídios do Tesouro ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Essa questão é especialmente importante porque o Tesouro se endivida para transferir dinheiro aos bancos federais. Só ao BNDES foram passados cerca de R$ 400 bilhões desde 2009. Obtido em operações no mercado, esse dinheiro custa ao Tesouro mais do que os bancos estatais lhe pagam ­– quando pagam – pelas transferências. Mas a administração das contas públicas é geralmente conduzida como se esse problema inexistisse.

Capítulo importante

A imprensa tem acompanhado bem a gestão das finanças públicas, mas tem seguido muito de longe a elaboração e a tramitação das propostas de Orçamento. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) continuava empacada no Congresso na terceira semana de setembro. A lei proíbe os congressistas de entrar em recesso antes de aprovar esse projeto.

Num país com parlamentares mais sérios, a aprovação ocorreria até o fim de junho. Mas, no Brasil, os autores das leis são também especialistas em contorná-las. Mais de uma vez – e isto ocorreu de novo neste ano – senadores e deputados entraram em férias, no chamado recesso branco, sem ter concluído o exame do projeto da LDO.

Essa irresponsabilidade tem produzido mais uma aberração. Neste ano, o Executivo de novo mandou ao Congresso a proposta do Orçamento Geral da União (OGU), no fim de agosto, sem dispor, formalmente, das linhas básicas fixadas na LDO. A LDO virou, portanto, uma formalidade sem muita importância, porque os congressistas têm pouco ou nenhum interesse em participar da definição das bases orçamentárias.

De fato, têm mostrado pouco interesse também na discussão do OGU, exceto para engordar o projeto com emendas de alcance paroquial e clientelista. Isso nos melhores casos. Nos piores, essas emendas têm resultado em desvio de dinheiro federal.

Os parlamentares formalmente envolvidos na condução do projeto da LDO haviam prometido a aprovação para o começo de setembro. Depois disso, sabiam todos, senadores e deputados gastariam quase todo o tempo nas campanhas eleitorais e frequentariam Brasília ainda menos que de costume. De modo geral, os jornais deixaram de acompanhar o destino da LDO, pelo menos até o fim da terceira semana do mês. Tem havido pouco empenho, também, na exploração da proposta do Orçamento de 2015. Uma rara matéria sobre o assunto mostrou a redução das verbas destinadas aos ministérios dos Transportes, Portos e Integração Nacional – dinheiro público para infraestrutura, portanto. A reportagem, publicada no Estado de S. Paulo na segunda-feira (15/9), inclui explicações de funcionários do governo sobre “a dinâmica dos projetos” e análises de economistas independentes sobre as dificuldades de ajustar, até no papel, as contas públicas.

A sujeição das finanças públicas ao poder dos Parlamentos é um capítulo importante da história das democracias modernas. Também por isso a imprensa deveria incluir o assunto entre suas prioridades. Pelo menos a imprensa, quando os legisladores parecem tão pouco interessados na qualidade das instituições.

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Rolf Kuntz é jornalista