Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A grande mídia vai às urnas

As palavras em si não são detentoras de poder, mas há poder nelas tanto para manter uma estrutura como para subvertê-la desde que sejam pronunciadas por alguém (ou instituição) que detenha legitimidade. Faltando poucos dias para a escolha dos governantes brasileiros pelos próximos quatro anos, intensifica-se o debate sobre o papel da mídia na política, especialmente durante as eleições. Até que ponto vão os tentáculos do poder da grande mídia? O poder de informar, de mandar ler e mandar ver, é permeado pelo universo da linguagem. Em uma sociedade onde a imagem tem papel privilegiado no mercado de bens simbólicos, é possível, sim, pensar uma mudança social a partir de uma conjectura que passe pela linguagem.

Se a política parece caminhar desinteressante e distante da vida do cidadão comum brasileiro, é durante as eleições que os sujeitos mais se aproximam do universo político, consolidando os momentos que antecedem e precedem o voto como singulares na vida em sociedades democráticas. A política é o palco privilegiado das disputas de poder – com destaque para as legendas partidárias – mas é através da comunicação que essa tensão é estruturada, absorvida e ressignificada ao público. Assim, cabe ao campo do jornalismo o monopólio da produção e difusão da informação, ou seja, ele é o detentor do direito simbólico de nomear. Neste universo, mesmo que muitos queiram ter voz para ter direito à fala, é preciso ter acumulado capital político. No Brasil, desde a redemocratização, o papel dos meios de comunicação vai além do informativo, sendo também político e eleitoral, propondo assim diversas interpretações da realidade.

Trata-se aqui não do poder físico, mas do poder subjetivo, que pode ser comparado a fios invisíveis cuja presença nem sempre é notada. Na perspectiva do filósofo francês Michel Foucault, o poder é relacional, e não estático, ou seja, nas relações de comunicação, aquele que luta para dar a última palavra no processo é o que detém mais poder. Entre todas as instituições sociais, como a Igreja e o Estado, cabe ao campo do jornalismo a tarefa específica de trazer para si a condição de dizer ao outro como ele deve ver o mundo. Por essa função, a relação entre a mídia e os políticos nem sempre é transparente, já que envolve não apenas o reconhecimento da fala do outro, mas também a possibilidade de concretizar uma relação de poder e convencimento.

A linguagem é, portanto, um espaço onde existe a ocorrência dos exercícios de poder. O fim do ensino da retórica nas escolas explica o impacto da força política da linguagem, já que capacitar as pessoas a terem condições de argumentar enquanto sujeitos sociais de direito é desestabilizador o status quo. Apesar de ter passado de disciplina obrigatória nas escolas para um conjunto de práticas de discursos quase extinta de divulgação e taxada como desnecessária, os reflexos da retórica ainda podem ser observados nos atuais processos comunicativos.

Mídia esconde opinião para manter credibilidade

A opção partidária por parte dos órgãos de imprensa não são ilegítimas. O que ocorre no Brasil, no entanto, é que o posicionamento da mídia raramente – com algumas exceções, como o jornal O Estado de S.Paulo e a revista CartaCapital – é declarado em editorial. Ao marcar território em um determinado lado da disputa política, o meio de comunicação buscaria, de maneira ideal, restringir suas posições aos espaços opinativos dos veículos, como os próprios editoriais. Ao mesmo tempo em que as disputas ideológicas dos últimos anos na política brasileira se tornam mais superficiais, e os principais candidatos disputam o lugar de centro na política, a mídia segue como instituição com papel preponderante no processo de disputas políticas e eleitorais no país. Esse lugar central no cenário eleitoral, porém, é questionado por alguns estudiosos da comunicação e política, que relacionam a experiência no voto resultante de uma democracia mais sólida, além do aumento no nível de escolaridade, como fatores que explicam uma nova posição, menos impactante, dos veículos de informação durante as eleições.

Alguns grupos ou indivíduos possuem mais força social do que outros para disputar o monopólio do poder. As classes tentam, através de posições ideológicas, reproduzir o campo das posições sociais, buscando através de uma luta simbólica prevalecer seus interesses em relação a outras classes. A estratégia é tanto interna quanto externa, pois para que a dominação seja mantida é preciso a legitimidade dentro do campo e fora dele. Os meios de comunicação que se colocam como porta-vozes da realidade e interpretadores das verdades – e não como emissores de opiniões de grupos seletos – ganham assim um espaço diferenciado de credibilidade.

O jornalismo opinativo é percebido claramente como persuasivo, e essa percepção deixa alerta o leitor. A cumplicidade é essencial na relação entre dominante e dominado, e na dinâmica jornalística isso se consagra no ritual em que o leitor reconhece que a instância midiática possui autoridade, como instituição, de trazer para si o papel de imparcial e equilibrada, representando o interesse dos dominados e dissimulando interesses diversos. É preciso ressaltar que o leitor não pode ser definido como uma caixa vazia, onde os meios de comunicação irão depositar informações. O leitor não parte apenas dos fatos noticiados para construir sua posição. Ele traz consigo uma série de referências que não serão abandonadas quando passa a ter contato com a produção discursiva do jornalismo.

Se o político consegue convencer que sabe mais que o eleitor, este último dá a ele a representação através do voto. Nesta arena de disputas, um dos envolvidos se coloca subjetivamente no lugar de não saber. O poder pode ser exercido por qualquer um, ou seja, mesmo sem dono, o poder segue um sentido. Controlar os discursos de uma determinada instituição é também ter o controle sobre um certo tipo de poder.

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Sávia Lorena Barreto Carvalho de Sousa é mestre em Comunicação e jornalista