Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O BuzzFeed não quer destruir os jornais, mas melhorá-los

Em muitos jornais, a meia hora mais importante do dia (se você tiver sorte) é dedicada a uma sóbria reunião de pauta na qual se decide que reportagens serão publicadas, e em que parte do jornal. É dessa maneira que os editores dizem aos leitores o que é importante no mundo. E é isso que o pessoal dos jornais ocasionalmente acha frustrante na nova web social.

Veículos noticiosos de nova geração estão investindo em jornalismo sério, mas aquele pacote central de informação, entretenimento, serviços e julgamento editorial continua a se desmantelar. Os editores que costumavam presumir que teriam a atenção dos leitores para, pelo menos, a primeira tela de seu site, agora percebem que o leitor médio vê links para uma matéria no fluxo frenético de um feed de mídia social em seu celular, misturados a memes, receitas, fotos e artigos dos concorrentes –sobre os quais o editor não tem controle algum.

Peter Preston, antigo editor do “Guardian”, expressou sua inquietação quanto a isso em coluna recente para o “Observer”, ainda que admitisse que o BuzzFeed vem investindo seriamente ao, por exemplo, enviar um repórter talentoso à Libéria para cobrir o surto do ebola. O “ponto central”, escreveu Preston, é que “o objetivo de uma operação ambiciosa como essa na internet é que ela precisa ser abrangente. Os jornais, afinal, oferecem um pouco de tudo: notícias, clima, TV, finanças, esporte, palavras cruzadas –tudo”.

A inconveniência, de fato, está no “desempacotamento” do pacote que costumava ser deixado na porta do leitor. O colapso do pacote não aconteceu por conta de uma decisão que tenhamos tomado no BuzzFeed. É um fato da vida na nova internet, na qual plataformas sociais emergiram como canais centrais. Os leitores agora têm imensa variedade de escolhas sobre onde encontrar as melhores notícias mundiais, locais, de esporte e de entretenimento. Um leitor do “New York Times” que goste de críquete não precisa esperar pela cobertura ínfima que o jornal dedica a seu esporte; um leitor do “Observer” que adore beisebol (estou falando de você, Ed Miliband) já não tem motivo para desespero.

Duas questões

Os editores podem se frustrar com isso, mas é difícil ver por que a questão preocuparia os leitores. É libertador ler as reportagens mais rápidas e as mais inteligentes, não importa de onde venham, e comparar uma análise ou opinião a outra. O desempacotamento é algo que as pessoas que apreciam a arte da reportagem deveriam celebrar. À medida que a web caminha na direção da mídia social e dos aparelhos móveis, as notícias passam a habitar um ambiente intensamente competitivo, e com uma consequência óbvia: faça aquilo que você sabe fazer e faça-o muito bem. Não publique conteúdo só para encher linguiça.

Isso liberta os repórteres, que nunca viram muita graça em escrever reportagens tediosas para acompanhar um assunto desvelado pela concorrência, para que dediquem seu tempo a cobrir algumas histórias com reportagens originais, ou a encontrar novas maneiras de relatar assuntos conhecidos. Grandes reportagens, textos e trabalho editorial agora precisam batalhar para encontrar audiências e para que esse trabalho seja compartilhado no Facebook, Twitter, Pinterest e outras plataformas. No BuzzFeed, reorganizamos nossa redação a fim de permitir que equipes diferentes tenham mais foco, a fim de permitir que continuem realizando trabalhos de foco estreito em cada um desses espaços.

E no entanto há uma sensação persistente, em alguns quadrantes, de que jornalismo e entretenimento de alta qualidade não bastam. O negócio do jornalismo deveria, em um sentido aparentemente ético, ser o negócio da montagem de pacotes abrangentes. E aqui há uma segunda questão, mais profunda, que acho mais difícil descartar: é a questão de onde esse desempacotamento das notícias deixa uma das funções tradicionais dos jornais, que é a de dizer aos seus leitores como pensar.

É uma questão ética, e não prática. O pacote, sugerem Preston e outros, tinha valor moral superior ao da simples preferência do leitor. As grandes publicações –”New York Times”, “Guardian”, “Observer”, “Wall Street Journal”, “Sun”– sempre usaram esse pacote para criar uma visão de mundo coerente, e ocasionalmente até coerente em excesso, e para desenvolver não só leitores mas companheiros de jornada que extraíam sua ideologia e identidade da publicação. É muito mais difícil fazê-lo no mundo desempacotado, no qual nos esforçamos para criar histórias que ganhem espaço nos feeds do Facebook e Twitter, abaixo de uma atualização do irmão do leitor e acima dos placares esportivos. Mas já existem sinais de que o desempacotamento possa ser sucedido pela criação de novas formas de pacote.

O BuzzFeed e outras novas organizações estão investindo pesadamente em jornalismo, e atingindo uma escala na qual poderemos cobrir muito mais do que até nós imaginávamos possível. Uma mudança em favor dos apps oferecerá a alguns leitores um conjunto de conteúdo mais unificado, como no passado.

E por isso, editores como eu precisam encarar duas questões: será que somos capazes de remontar o pacote? E deveríamos fazê-lo?

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Ben Smith é editor chefe do BuzzFeed.