Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O império da fofoca

Foi nesta esquina que Hugh Grant contratou a prostituta. Neste restaurante Brad Pitt trabalhou. Nesta loja flagraram Winona Ryder furtando. Nesses banheiros públicos prenderam George Michael. Olhem para a esquerda: foi aqui onde Kayne West quebrou o coco em um cartaz quando ia entrar em um restaurante… Os turistas tiram fotos de dentro do ônibus numa manhã de setembro durante um passeio de duas horas pelo Sunset Boulevard e por Beverly Hills, no epicentro mundial dos famosos. Vieram ver o mundo do TMZ, o tabloide global.

Os tours de ônibus em que mostram aos turistas os cenários dos grandes sucessos da fofoca, em Los Angeles e em Nova York, são a última parte do negócio. Aquilo que começou em 2005 como um site em um escritório de West Hollywood, é hoje um programa de televisão e, principalmente, um império de influência. O TMZ dá o tom na informação sobre os famosos como talvez não aconteça em nenhum outro setor.

Não escondem suas fontes de notícias: garçons, manobristas, carregadores de bagagem, qualquer um que cruze o caminho de uma celebrity e queira ganhar uma gorjeta. O portal paga pelas informações, uma política com a qual, ao que parece, chega antes que ninguém a qualquer lugar. Qualquer um com um telefone celular e um pouco de sorte é um repórter em uma cidade em que encontrar estrelas e rostos conhecidos é relativamente fácil.

O portal já era uma referência em Hollywood desde que deixou a polícia em evidência ao revelar as ameaças e os comentários antissemitas e machistas que Mel Gibson fez aos agentes que o prenderam uma noite dirigindo bêbado em Malibu. Mas o verdadeiro impacto global chegou em 25 de junho de 2009. Ao meio-dia, uma ambulância entrava na casa do cantor Michael Jackson, em Beverly Hills. Segundo o relato daquele dia feito pelo Los Angeles Times, apenas uma hora depois o TMZ já havia posto em seu portal que Jackson havia sofrido uma parada cardíaca. O cantor morreu às 14h26 e o TMZ deu a notícia às 14h44. O maior jornal da cidade demorou meia hora para publicar o fato. A CNN levou três horas.

No dia seguinte, o colunista especializado em televisão Brian Lowry, da revista Variety, publicou um artigo em que dizia: “É preciso reconhecer, o TMZ fuça nas latas de lixo dos famosos com o tipo de convicção que já esteve reservada para os papéis do Pentágono”. E concluía: “Parabéns, Harvey. Para o bem, e principalmente para o mal, agora o mundo jornalístico é teu”.

Ele se referia a Harvey Levin. Advogado nascido em Los Angeles de 64 anos, que foi repórter de televisão e depois trabalhou como consultor legal e produtor executivo para programas de julgamentos. Há duas décadas, cobriu o julgamento de OJ Simpson, a primeira vez em que se misturaram justiça, famosos e televisão para gozo do público. Antes de montar o TMZ, durante três anos fez um programa chamado Celebrity Justice, um espaço de fofocas centrado nos problemas dos famosos com a justiça e a polícia.

Pouco foi publicado sobre a vida de Levin. Um homem de baixa estatura cujo pai dirigia uma loja de bebidas alcoólicas, segundo um perfil recentemente publicado pelo Buzzfeed. Ele se formou em Santa Bárbara e em Chicago, mas trabalhou pouco como advogado. Logo começou a colaborar como especialista legal em assuntos que tinham famosos como protagonistas. No fim da década de noventa, Levin tinha tudo: conhecimentos legais, experiência em televisão, telegenia, anos de informação de famosos. Em 2005, aos 55 anos, montou o portal que tem 27 milhões de leitores e o tornou famoso. A conta de Twitter do TMZ tem mais seguidores do que as contas dos grandes jornais da Califórnia juntos.

O TMZ não deixa de ser um tabloide em que a tradição do jornalismo grosseiro britânico se combina com o mundo do botox de Hollywood e o lúmpen do YouTube. Às vezes, a exclusiva do dia é um vídeo de duas senhoras roubando uma barraca na praia; ou a prova irrefutável de que a mulher que tinha três seios era uma mentira (duas notícias reais desta semana). Isso também é o dia a dia do TMZ. Mas alcançou o status de que se pode ter certeza de que se acontecer algo que valha a pena, vai estar em suas páginas. A lista de exclusivas inclui o divórcio de Antonio Banderas, a morte da atriz Brittany Murphy e a foto de Rihanna depois da surra do namorado. E assim semana após semana. Sim, é um veículo de fofocas. Mas se dedica ao tipo de exclusivas que os demais veículos de comunicação não podem ignorar.

Pagar as fontes

Cinco anos depois da morte de Michael Jackson, o TMZ “tem ainda mais influência”, afirma o colunista Brian Lowry por telefone. “Acabamos de ver isso no caso da NFL”. Lowry se refere ao episódio de violência de gênero do jogador de futebol americano Ray Rice. Em fevereiro, Rice e a namorada, Janay Palmer, brigaram em um hotel e o caso acabou na polícia. O TMZ publicou o vídeo de uma câmera de segurança na que se via Rice arrastando Palmer pelos cabelos em um elevador. Entretanto, o casal disse estar resolvendo seus problemas e a NFL (liga de futebol americano) se conformou com que ele iniciasse uma terapia.

A liga recebeu críticas por ser tolerante demais com a violência doméstica. Mas o escândalo estourou no dia 8 de setembro, quando TMZ, de novo, publicou o resto do vídeo da câmera de segurança, no qual se via Rice dar uma bofetada brutal na namorada. Nem a equipe e nem a liga tinham visto essas imagens. Todo mundo ficou em evidência. Mais uma prova de que, como dizia o colunista, o TMZ pega o lixo dos famosos como se fossem os papéis do Pentágono. E já ficou claro que tem fontes na justiça, na polícia e nos hospitais.

Esta é a segunda carreira que o TMZ arruinou neste ano. A outra foi a do dono do Los Angeles Clippers, Donald Sterling. Em abril, o portal publicou a gravação na que se queixava de que negros iam aos jogos de sua equipe. Sterling foi banido da NBA e teve que vender a equipe.

É esse o futuro dos veículos de comunicação? A corrida pela audiência pode acabar em um leilão pela informação, no qual as fontes falam ao melhor pagador? Os veículos de comunicação tradicionais se cansarão de citar o TMZ e acabarão entrando no jogo de pagar por notícias? Lowry se atreve a dar uma resposta: “Os veículos tradicionais resistiram a pagar as fontes, mas já vimos as grandes redes de televisão se aproximarem desse tipo de política. Enquanto as histórias tipo tabloide forem se tornando mais vitais, a pressão só pode crescer”.

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Pablo Ximénez de Sandoval, do El País, em Los Angeles