Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os três idiotas do capital

1. Como definir um idiota? Etimologicamente, e se dane a etimologia, a palavra idiota vem de idio, que significa próprio. É, pois, aquilo que é próprio de alguém e que, assim sendo, torna-o distinto das demais pessoas. Um idiota é um “próprio” concebido, pois, de forma negativa, na suposição de que seja um palhaço, um infantil, um besta, um Zé Mané – um idiota.

2. Essa definição de idiota não o define. A etimologia, entendida como a história da origem (geralmente grega e romana) das palavras é, pois, coisa de idiota, tal como este ensaio pretende descrevê-lo. Sendo o que é próprio, mas no sentido inverso do usual, um idiota é a própria, para ser redundante, origem mitológica da palavra e, portanto, dos seres. Um idiota, nesse sentido, pode ser assim compreendido: é aquele ou aquela que é apresentado e representado ao mesmo tempo. Essa forma de compreender o idiota a tomo emprestada, embora em outro contexto, de Alain Badiou. Para o filósofo francês do evento, em diálogo com Platão, a natureza é aquilo que é apresentado e representado ao mesmo.

3. Mas o que significa isto: ser apresentado e representado ao mesmo tempo, sem dissonância alguma? Para novamente ser redundante, é a natureza. No sentido evidente, a natureza existe, logo é apresentada, sendo também representada metafisicamente por Deus. O que chamamos comumente de natureza das coisas é aquilo pelo qual a coisa se faz apresentar no seu lado mais próprio precisamente porque esse lado mais próprio das coisas e dos seres assim o é porque é representado por Deus – essa é a crença, razão suficiente para deduzir que a natureza do idiota, seu próprio, seja mera questão de crença.

4. O idiota, nesse sentido, é aquele ou aquela que se considera um Deus, pois assim mesmo se pensa como a natureza divina das coisas e dos seres, sendo a sua apresentação, ao existir, e a sua representação divina, na suposição de que, existindo, apresenta-se como um Deus encarnado, seu apresentante e representante ao mesmo tempo.

5. Para não restar a menor dúvida e não acusarem este ensaísta de idiota, porque difícil, consideremos um exemplo concreto, tendo em vista a seguinte pergunta já formulada, sempre uma questão de redundância: o que é apresentado e representado ao mesmo tempo? Para voltar à etimologia, essa origem idiota dos seres e suas transcendentais palavras, aquilo que é apresentado e representado ao mesmo tempo é o aristocrata, que significa simplesmente o poder ou governo na mão dos melhores. E quem são os melhores: são os ecos de Deus, aqueles que os apresenta e representa. São as elites, os sérios, aqueles, voltando com a redundância, que são apresentados e representados ao mesmo tempo: a natureza da natureza das coisas, em sua natureza divina.

6. Esse exemplo não facilitou nada. Bem o sei. Para brincar um pouco com a literatura de Machado de Assis: caro leitor, não queira ser um idiota, acreditando no jogo natural das palavras, quando apresentam e representam o sentido. Essa é a definição do leitor idiota, acreditar na natureza natural dos sentidos – das palavras e das coisas. De qualquer forma, formulemos um exemplo mais simples, evidente. Se considerarmos um americano de 35 anos, branco, rico, heterossexual, famoso, elegante, alto, falante de um inglês impecável, poderemos dizer que estamos diante do idiota padrão, pois esse perfil humano é ao mesmo tempo apresentado, porque existe, e representado, porque os traços de sua existência detêm valor divino, se considerarmos o nosso arranjo sócio-histórico.

7. Sua natureza, portanto, é apresentada, ele existe como a encarnação de uma representação que se inscreve no interior de um conjunto de valores econômicos, étnicos, de gênero, epistemológicos, linguísticos, físicos, geopolíticos da civilização burguesa, o que significa dizer que ele é ao mesmo tempo apresentado e representado pela atual fase da história humana, no que esta tem de valor agregado, de objeto de desejo, reificado, divinizado na transcendental natureza de sua natureza.

8. Um idiota é uma questão de redundância. Ele apresenta duas vezes; ele representa. Ele é a natureza da natureza das coisas divinizadas.

9. O que seria, nesse sentido, o contrário de idiota? Digamos que uma brasileira negra, pobre, gay, analfabeta, que mal sabe falar o português padrão, esteja clandestinamente morando nos Estados Unidos. De antemão, essa brasileira pode ser definida como a não idiota. Ela não apresenta duas vezes a natureza divina das coisas e dos seres. Ela efetivamente existe, com seus traços físicos, linguísticos, econômicos, sociais. Por outro lado, ela não está legitimada por representação alguma que a torne simbolicamente divina, pois todos seus traços existentes não são representados pelos valores de prestígio da sociedade Ocidental.

10. O idiota é, pois, uma questão de valor – de mais valor, de mais-valia de valor ou, para dialogar com Marx, de autovalorização do valor, tal que seu valor de uso, sua existência concreta, seja também um valor de troca, sua existência no mundo das representações divinizadas, de tal modo que os dois lados convergem para sua promoção pessoal, social, simbólica, cultural, nacional, linguística, econômica, erótica, midiática.

11. O que este ensaio propõe com essa digressão inicial é definir três perfis de idiotas que marcaram e marcam a civilização burguesa planetária. O primeiro perfil, o idiota dos idiotas, é aquele que encarna todos os traços da natureza, sendo a apresentação de tudo que é bem representado na civilização burguesa. Ele é, pois, homem, branco, tecnocrático, rico, alto, falante padrão de uma das línguas da expansão ocidental, as de mais prestígio, como o inglês e o alemão. Ele é, pois, o normal em sua exceção ao comum dos humanos, encarnando a representação hegemônica, em todos os planos de nosso arranjo sócio-histórico planetário.

12. Como, no capitalismo planetário, o dinheiro é a abstração ou representação divina por excelência, o banqueiro é a natureza da natureza, o idiota número 1, não sendo circunstancial que incorpore no geral os outros traços divinizados da e pela civilização burguesa, principalmente se se considera as famílias de banqueiros formadas nas origens da modernidade capitalista em expansão/colonização mundial, certamente as que continuam, ainda que nos bastidores, determinando a natureza das coisas e dos seres do e no contemporâneo.

13. O idiota padrão, portanto, é rico e tem o rosto do colonizador ocidental, por razões históricas evidentes. No Brasil, o candidato à presidência que mais o representa é, sem a menor dúvida, Aécio Neves, sendo ao mesmo tempo apresentado, eis o idiota; e representado por outros idiotas padrões, como o sistema midiático corporativo, o imperialismo americano.

14. Existe um segundo tipo de idiota que poderíamos definir como o idiota anacrônico. Ele se parece com o personagem Michkin, do romance homônimo O idiota, de Dostoiévski, publicado em 1869. O idiota do escritor russo, encarnado no príncipe Michkin, é semelhante ao personagem Dom Quixote, do romance igualmente homônimo do espanhol Miguel de Cervantes porque tal como o cavaleiro da triste figura confunde apresentação com representação, colocando assim em xeque a natureza das coisas e dos seres.

15. O que torna Michkin um idiota anacrônico é a confusão que ele faz com o jogo da apresentação e da representação num contexto em que a aristocracia já não encarna o soberano, mas o burguês. Ele é um idiota porque defende de forma quixotesca os valores aristocráticos numa época em que estes se tornaram anacrônicos, pois os novos bárbaros, os burgueses, ocuparam a cena histórica, engendrando outra natureza civilizacional, com sua apresentação e representação ancoradas na propriedade privada dos meios de produção, sem relação com a natureza divina do e no suposto sangue azul dos nobres.

16. Antes do romance de Dostoiévski, antes, portanto, de Michkin, Dom Quixote, o personagem de Miguel de Cervantes, como o louco do jogo picaresco da apresentação e da representação, encarnou singularmente a figura do idiota anacrônico, que assim pode ser definida: o idiota anacrônico é aquele de quem rimos porque não mais se constitui como a natureza do poder, por não ser mais apresentado e representado de forma ideal, embora viva como se fosse a divina natureza, o Deus encarnado de todos os poderes históricos.

17. Existe ainda um terceiro idiota. É o capturado. Sua definição é simples. Como o padrão é aquele que é ao mesmo tempo apresentado e representado, tendo em vista o que historicamente é valorizado ou autovalorizado, o terceiro idiota é aquele que não sendo representado em sua apresentação, procura por todos os meios possíveis ser aceito pelas representações dominantes.

18. Esse terceiro idiota define o contemporâneo. Vivemos numa época de idiotas de alteridades ou de alteridades como idiotas. E o que é uma alteridade? Uma alteridade é precisamente aquele ou aquela que, embora se apresente, porque efetivamente existe, não é bem representada pelos valores divinizados da e na civilização burguesa. A alteridade é, pois, o oposto do primeiro idiota, o padrão ao mesmo tempo apresentado e representado no e pelo arranjo sócio-histórico em que vivemos. Se o valor dos valores, é ser rico, uma alteridade é pobre; se é também ser branco, uma alteridade não o é; se é ser heterossexual; o homossexual é uma alteridade.

19. De qualquer forma, como a relação capital/trabalho é a que vem antes, o rico é o idiota padrão por excelência e, por outro lado, o pobre é o não idiota igualmente por excelência, se assim pode ser dito.

20. O que torna uma alteridade, a priori não idiota, uma idiota alteridade capturada é a sua rendição à ordem econômica da e na civilização; rendição que tende a torná-la caricatura do idiota padrão.

21. O contemporâneo é a época do idiota alteridade capturada. Para entender como chegamos a essa situação, é necessário uma pequena viagem histórica no interior da civilização burguesa. Esta está marcada e demarcada por dois grandes momentos: um primeiro que tem relação com a sua expansão imperialista europeia por todo o planeta. Tal expansão definiu um regime de rosto como o do idiota padrão: o do europeu prototípico. Tal regime de rosto, em diálogo com a filosofia de Deleuze e Guattari, é chamado de significante, razão pela qual se deixa mostrar enquanto idiota padrão: é branco, macho, adulto, sério, rico, europeu.

22. O regime significante definiu para o mundo colonizado o rosto de seu opressor: o do colonizador europeu, que se deixou mostrar porque a expansão planetária do imperialismo europeu teve como base ideológica a fixação do padrão idiota europeu como norma ou referência para toda a humanidade. Deus na Terra.

23. A fixação do padrão europeu como norma de referência começou a entrar em colapso na virada do século 19 para o 20 porque, nesse período, passou a ser identificada pelas alteridades do mundo. Estas o combateram, o denunciaram, o desconstruíram gradativamente no decorrer do século 20. Os não brancos denunciarem a impostura do poder branco; as mulheres e os homoeróticos, por sua vez, passaram a condenar o machismo do poder heterossexual; os pobres, a falsa ideologia dos ricos; a periferia do sistema-mundo, a arrogância e presunção do eurocentrismo.

24. De forma ainda mais instigante, essa contestação planetária do idiota europeu padrão ocorreu também entre os europeus, aproximando-os da periferia e produzindo uma esdrúxula situação: uma Europa rebelde e insubmissa estava se associando às alteridades não europeias do mundo e, portanto, deixando gradativamente de ser e de fazer-se como idiota padrão, tornando-se não idiota. O pensamento crítico de Marx constitui um exemplo singular dessa Europa que recusou o idiota padrão, sem contar, no campo da literatura, romances como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, e O idiota, de Dostoiévski. Os exemplos são, de qualquer forma, inúmeros.

25. A menção a Marx não é circunstancial, pois foi o autor de O capital que disse claramente pela primeira vez que a civilização burguesa reinventa-se tendo em vista os limites de e para a sua expansão, constituição e permanência mundiais. O regime significante do rosto do idiota padrão europeu tornou-se o limite por excelência para a continuidade da civilização burguesa porque passou a ser identificado e, por isso mesmo, contestado pelas alteridades do mundo. Essa identificação planetária do rosto do colonizador, o idiota padrão, tornou-se um limite para a expansão continuada da civilização burguesa, razão pela qual foi superada pela reinvenção/ emergência de um novo regime de rostos: o pós-significante.

26. E o que é o regime pós-significante? É simplesmente o regime das alteridades capturadas e, portanto, transformadas no terceiro tipo de idiota, tal como definido neste ensaio. No interior, pois, do regime significante, o idiota prototípico da civilização burguesa estava finalmente identificado. Era necessário reinventar um novo regime de rosto de e para a continuidade expansionista do capital mundial. Entram em cena, nesse contexto, os Estados Unidos, sobrepujando o imperialismo europeu, baseado no regime significante.

27. Os Estados Unidos, portanto, tornaram-se o cenário mundial do regime pós-significante e o designaram como o rosto publicitário de sua democracia liberal burguesa. Doravante, nesse sentido, todos poderiam ser burgueses, donos de meios de produção: negros, gays, mulheres, latinos, africanos, asiáticos, qualquer um.

28. Como regime que multiplica os rostos, o pós-significante simplesmente muda tudo para não mudar absolutamente nada. Num certo sentido, o regime pós-significante reinventa um novo idiota padrão: as alteridades capturadas.

29. Além de ter deixado em posição anacrônica o regime significante e, portanto, o quixotesco rosto da velha Europa, o regime pós-significante do imperialismo americano tornou também anacrônica a esquerda europeia, fundamentalmente marcada pela práxis crítica em relação ao regime significante do imperialismo europeu.

30. Com isso, uma mutação semântica, no campo das ideologias de esquerda, emerge, como uma fantasia: a esquerda se torna o próprio regime pós-significante, definindo assim o lugar da velha esquerda e da nova esquerda; mutação meticulosamente manietada pelas tecnologias de alteridade do imperialismo americano, razão pela qual a tal nova esquerda pós-significante é na verdade a velha direita de sempre, mas com rostos negros, femininos, homoeróticos, latinos, asiáticos.

31. Como o cenário do idiota útil, o regime pós-significante serve simplesmente para produzir confusão de rostos com a finalidade de abortar questões indispensáveis para qualquer esquerda que se preze, como a relação capital/trabalho, a identificação do capitalismo como regime político-econômico ecogenocida cuja expansão planetária depende diretamente na atualidade de um imperialismo igualmente pós-significante, o americano; assim como a financeirização geral do cotidiano dos povos.

32. Chegamos finalmente ao caso Marina Silva no Brasil. O que ela tem chamado de nova política pode simplesmente ser interpretado como “nova esquerda” num contexto em que esta se considera nova precisamente porque está na era do regime pós-significante, encarnado em seu próprio rosto: mulher, negra, ex-pobre, brasileira, não sendo, pois, circunstancial a presença do ex-pobre na descrição de seu perfil pós-significante, porque Marina Silva atua precisamente para desqualificar a relação capital/trabalho, a crítica ao imperialismo americano, não sendo circunstancial que defenda com unhas e dentes a autonomia do Banco Central brasileiro, pois a banca privada é a expressão abstrata do regime pós-significante, porque, tal como este, não tem lastro no mundo concreto.

33. Evidentemente, o que vale para Marina Silva vale para Joaquim Barbosa, para Obama e para uma infinidade de casos outros, ancorados no coração do cotidiano do planetário imperialismo pós-significante: o americano.

34. Minha intenção, bem mais que falar de Marina Silva, por outro lado, ao propor escrever este ensaio, é outra, embora tudo esteja no mesmo quiproquó pós-significante. Quero analisar a repercussão nas redes sociais da entrevista do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e sua esposa, a filósofa Débora Danowsky, publicada no jornal espanhol El País. A partir do Colóquio Internacional “Antropoceno: o momento em que o homem deixa de ser agente biológico para tornar-se uma força geológica”, realizado na Casa Rui Barbosa nos dias 15 e 19 de setembro deste ano, o jornal espanhol El País publicou uma longa entrevista com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e sua esposa Débora Danowsky, apresentando-os como legítimos representantes (a apresentação e a representação) do pensamento vivo brasileiro, ao mesmo tempo em que os descreveu como reconhecidos mundialmente pela suposta singularidade de suas formulações teóricas, sobretudo porque questionam a modernidade, propondo outras perspectivas ou modos de viver não modernos como solução para o fim da crise ecológica.

35. De forma extremamente astuta, na primeira parte da entrevista o casal apresentante e representante da nova intelligentsia acadêmica brasileira realiza uma crítica radical à modernidade acusando-a de ser o período por excelência do antropoceno, definido como aquele em que o humano impõe seu rosto significante sobre o ecossistema planetário, acelerando como nunca na história da Terra o equilíbrio geológico do planeta. Os valores da modernidade, seu modelo de intervenção econômica antropocêntrico, são e seriam a causa do holocausto humano sobre o conjunto da vida terráquea; o verdadeiro motivo da crise ecológica que ameaça nos extinguir como espécie, assim como as demais.

36. No decorrer da entrevista, não se lê crítica alguma em relação ao capitalismo e tampouco se menciona o imperialismo, seja o europeu, seja o americano. O problema está na modernidade, na sua natureza, entenda-se, intrinsecamente depredadora. O bem apresentado e representado casal do novo pensamento crítico brasileiro não considerou, por exemplo, que a modernidade talvez seja ecogenocida não porque esteja na sua natureza sê-lo mas porque tenha sido capturada pelo ordem parasitária do capital, sob a batuta expansionista, igualmente ecogenocida de dois imperialismos: o europeu, de base significante; e o americano, fundamentalmente pós-significante.

37. Na segunda parte da entrevista, é finalmente possível entender o motivo da “original” primeira parte: a apresentação de Marina Silva como candidata da nova esquerda e de Dilma Rousseff como a candidata da velha esquerda, sem sequer mencionar a relação de Maria Silva com os banqueiros, sua defesa intransigente da autonomia do Banco Central, sua relação subserviente com os Estados Unidos e seus assessores neoliberais comprometidos com, por exemplo, o pior do agronegócio.

38. E o que é mesmo a nova esquerda? É simplesmente a esquerda pós-significante, a da multiplicação dos rostos, a que, no limite, identifica-se com os Estados Unidos. O que o casal 20 do novo pensamento crítico brasileiro se nega a entender é que a ideia mesma de uma nova esquerda vinculada ao regime pós-significante é uma farsa montada para desqualificar os verdadeiros significantes de referência: a civilização burguesa, o capitalismo e, na atualidade, o imperialismo americano pós-significante, o que equivale a dizer que a crise ecológica contemporânea está diretamente vinculada ao imperialismo pós-significante, razão pela qual este jamais pode ou poderá ser “uma nova esquerda”.

39. O regime pós-significante não destitui ou finaliza com o regime significante precedente, posto que é o regime dos idiotas capturados, os quais se acham ou se veem vaidosamente como as novas vozes da emancipação da vida na Terra mas que no fundo e no raso são os idiotas da vez, capturados para fazer valer os interesses antropocenos ecogenocidas do idiota padrão do contemporâneo: o imperialismo pós-significante e seu não menos pós-significante sistema midiático planetário, comoEl País, da Espanha.

40. Acusar a modernidade pela crise ecológica que põe a humanidade na borda de sua extinção é simplesmente um uso interessado, consciente ou não, de uma meia verdade. Esta se tornou a base pós-significante para os argumentos “novos” da tal esquerda idiotamente capturada, especialmente muito presente no cenário das ciências humanas nas universidades do mundo todo.

41. É, pois, necessário dizer com todas as letras: a tal esquerda pós-significante é a nova velha direita e está servilmente em ação em nome do imperialismo pós-significante americano, não sendo circunstancial que sua formação acadêmica literalmente advenha dos Estados Unidos, país em que proliferam departamentos de ideologias pós-significantes, nos quais nossos prestigiosos pesquisadores fazem seus mestrados, doutorados e pós-doutorados, trazendo-nos a boa nova como se fora uma religião: a das alteridades capturadas, oligarquizadas.

42. Como regime de alteridades capturadas, o pós-significante entra em cena no contemporâneo para enganar-nos a todos, com suas meias verdades, seus jogos de máscaras Obama, Marina Silva, Eduardo Viveiros, Débora Danowsky, Joaquim Barbosa e uma legião de novos bárbaros da atual fase do antropoceno capitalístico, dominada pelo imperialismo americano e suas tecnologias de eu, verdadeiras bombas de nêutrons contra o conjunto da vida na Terra.

43. O destaque dado a Eduardo Viveiros e Débora Danowsky no jornal El País, da Espanha, não foi porque este estivesse minimamente interessado em suas pesquisas e reflexões singulares sobre o antropoceno da e na modernidade, mas porque cumpriram, de modo subserviente, o papel de idiotas úteis, ao definirem Dilma Rousseff como a velha esquerda e Marina Silva como a nova. Tal como está no horizonte do regime pós-significante, o nosso casal 20, como idiotas úteis, é especialista em sofismas e os utiliza para nos confundir, em nome do imperialismo americano.

44. Na era do regime pós-significante, esse lixo planetário que polui cinicamente todo o planeta, ninguém pode bater no peito e dizer que não é de alguma forma um idiota capturado, pois todos respiramos e vivemos nesse tragicômico presente histórico orquestrado pelo imperialismo americano. O reconhecimento prévio dessa verdade inteira é uma condição fundamental para que as alteridades deixem de ser idiotizadas e finalmente possam, tendo em vista uma cidadania planetária, não oligárquica e não antropocêntrica, cumprir seu revolucionário papel histórico: reinventar-se fora dos limites idiotizantes e genocidas do capitalismo, tendo em vista um mundo sem colonização, sem imperialismo, sem regime significante e, portanto, sem farsantes regimes pós-significantes.

45. Como regime de traição à potência emancipadora das alteridades, o pós-significante imperialismo americano é intrinsecamente dependente da monetarização mundial do cotidiano dos povos e também de um sistema midiático planetário, seja porque se constitui como abstração financeira da vida concreta, seja porque o sistema midiático é o seu Banco Central Mundial. Assim como a financeirização geral da vida tem relação direta com o Federal Reserve americano, que pode emitir ao infinito o dólar, o Banco Central das mídias pós-significantes produz o infinito de novos velhos rostos, parodiando, carnavalizando e confundido a humanidade toda.

46. O sistema midiático é, pois, um antropoceno banco pós-significante. Se o democratizamos radicalmente, acabando com os monopólios e oligopólios, (des)oligarquizando-o, as idiotas alteridades do regime pós-significante, porque midiaticamente financeirizadas, desmancharão no ar, carregando consigo o imperialismo americano.

47. É por isso que, mais do que nunca, é necessário ser absolutamente moderno, como nos solicitava à sua época o poeta francês Rimbaud, num contexto em que ser moderno significa simplesmente a afirmação de um perspectivismo laico radical, que elimine da farsa da terra o idiota anacrônico, o idiota do regime significante, o padrão; assim como o idiota pós-significante, capturado, pois só assim seremos a cosmológica justiça coletiva se inventando, sem cessar, fora das tramas genocidas do idiota-mor, o capitalismo; e dentro das tr(amas), de alteridade para alteridade, de um planeta, a Terra, que, equilibrando na corda bamba dos cosmos, convida-nos a nos tornarmos acrobatas de mundos sem parasitárias fósseis oligarquias idiotas, idiotizantes.

48. Quando votarmos nas estrelas.

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Luís Eustáquio Soares é professor, Serra, ES