Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Há países em que o governo decide o que fazer com seus críticos’

Em 6 de outubro passado, Catalina Botero deixou seu cargo de relatora especial para a liberdade de expressão na OEA, onde chegou em 2008, mas afirma que, apesar do fim deste ciclo, seguirá ligada aos direitos humanos.

– É o que faço desde que me formei e parece que vou continuar fazendo – disse a advogada, que participou da 70ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa.

Botero foi sucedida pelo advogado e jornalista uruguaio, Edison Lanza. Em entrevista ao Grupo de Diarios Américas, ela faz um balanço de seus anos na relatoria.

Qual o balanço faz desses seis anos?

Catalina Botero – Do ponto de vista institucional, a relatoria está muito fortalecida, tem boa saúde, tem uma ótima equipe e se converteu em uma referência regional. Do ponto de vista da liberdade de expressão há avanços inquestionáveis, como por exemplo em matéria de acesso à informação. Dos 35 países da região, mais de 20 têm leis de acesso à informação. Provavelmente a região do mundo com mais avanços nesse tema, o que não é pouca coisa, pois é abrir o Estado para a cidadania. Mesmo assim há uma série de desafios, que apenas não diminuíram, mas que aumentaram.

Já foram mencionados os perigos que a liberdade de expressão enfrenta na América. Quais são os países onde a liberdade de expressão está mais em perigo?

C.B. – É difícil fazer um ranking porque estamos com desafios distintos. A violência produzida pelo crime organizado sem dúvida é a mais grave. Os números de países como Honduras e México mostram a dimensão do assunto. Basta escutar jornalistas do Triângulo Norte (Guatemala, Honduras e El Salvador), ou de países da região andina, para constatar que o crime organizado é uma grande multinacional. Esses criminosos têm a capacidade de aterrorizar ou mesmo capturar as autoridades locais em vários estados e seus principais objetivos são os jornalistas que investigam a corrupção.

Também houve o destaque dos ataques a liberdade de expressão de alguns governos.

C.B. – Em países como Venezuela ou Equador as consequências das críticas aos governos podem ser muito graves e dependem apenas da vontade do Executivo. Não há juízes independentes ou garantias legais para que uma pessoa possa se distanciar do pensamento governista sem ser estigmatizado, perder sua liberdade ou todo seu patrimônio.

Esses governos afirmam que garantem a geração de mais pluralismo.

C.B. – O pluralismo é fundamental para garantir uma verdadeira democracia, mas isso não se consegue reduzindo as vozes e as ideias circulantes e debilitando as garantias para a liberdade de expressão, mas aumentando elas. O direito de liberdade de expressão é provavelmente um dos mais importantes em uma democracia, não só porque serve para defender outros direitos, mas porque muitas vezes é o único direito que setores tradicionalmente excluídos têm.

Algum exemplo?

C.B. – Equador condenou por terrorismo indígenas que protestam por água, estudantes que protestam por assuntos relacionados a transporte e educação. Difícil entender como isso se relaciona com a defesa dos direitos dor marginalizados.

No Chile há setores que condenaram as manifestações estudantis na Venezuela mas defendem as no Chile.

C.B. – Os estudantes na Venezuela foram brutalmente reprimidos. Isso gera uma enorme preocupação com o abuso policial em qualquer outro país. Estudantes e qualquer outro setor têm o direito de se manifestar na Venezuela, Colômbia, Chile, México e EUA. Lamentavelmente há pessoas, de todas as ideologias, que estão de acordo com as repressão do governo quando concordam com esse governo, mas que consideram inaceitável quando estão em desacordo com o governo.

Como descreveria o estado da imprensa na Venezuela?

C.B. – Crítico. É um sistema muito articulado de controle, que vai desde a estigmatização pública até a aplicação de penas legais contra o pensamento crítico e dissidente. Por exemplo, os diretores do “Tal Cual” são processados porque Diosdado Cabello (presidente do Legislativo) considerou inexata uma frase de um artigo. Hoje não podem sair do país e podem terminar em qualquer momento em uma prisão. Isso sem contar os processos civis e administrativos contra notícias desfavoráveis ao governo, a dramática ausência de papel de jornal, a não renovação de licenças por razões políticas, o fechamento de canais como ocorreu com o NTN 24 (canal colombiano tirado do ar por transmitir as manifestações estudantis em fevereiro passado). Hoje se sabe mais o que ocorre na Venezuela fora do país do que dentro.

Nos últimos anos os países da Alba começaram uma campanha para modificar a estrutura da CIDH e da relatoria, que acabou não prosperando. Foi a situação mais complexa com a qual você teve que lidar?

C.B. – Não. Atravessamos a situação com sucesso para sistema interamericano, e em particular para a liberdade de expressão. Mas tivemos momentos difíceis, como quando um jornalista está ameaçado de morte e necessitamos ativar alertas para defender sua vida e sentimos que não temos as ferramentas para fazer isso a tempo. Esses momentos de angústias são infinitamente mais graves e difíceis.

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Gaspar Ramírez, do El Mercurio/GDA