Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Enfrentamos violência seletiva contra os jornalistas’

Recém-empossado no cargo, o uruguaio Edison Lanza, novo relator especial de Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, se mostrou surpreso com a difícil situação da liberdade de expressão em todo o continente. Nesse trabalho, “não há lugar para os fracos”, comentou durante a Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa.

– A região enfrenta um problema no qual há violência contra a liberdade de expressão e contra as atividades dos jornalistas. Temos um problema quando as discussões sobre os temas de liberdade de expressão, direito à informação e direitos humanos são polarizadas. Quero contribuir para a mudança desse cenário – disse Lanza em entrevista ao “El Mercurio”, durante sua visita ao Chile.

O senhor disse que “lhe tira o fôlego” ver a situação do direito à liberdade de expressão na região. Quais são os principais problemas e quais serão as prioridades em sua gestão?

Edison Lanza– Estou há dez dias à frente da relatoria e verifiquei problemas e situações de vulnerabilidade da liberdade de expressão em muitos países. Temas que se relacionam com a situação mais grave e mais urgente, que é a violência brutal contra os jornalistas e comunicadores. Só na semana passada foram registrados três assassinatos de jornalistas e muitas agressões. Algumas delas ocorreram, claramente, devido a alguma associação entre autoridades locais com o crime organizado. Por isso, estamos diante de uma situação na qual há uma violência seletiva contra os comunicadores.

Primeiramente é preciso exigir proteção ante essas situações de risco, porque vemos que é um fato sério. Depois, temos que pedir aos Estados uma investigação e, em terceiro lugar, precisamos de sansões aos responsáveis materiais e intelectuais dessa violências, essa é a única forma para podermos avançar e romper o círculo vicioso da violência.

Em seguida, vejo temas relacionados à penalização da liberdade de expressão através de novas formas de censura, como aconteceu em Honduras, onde a Suprema Corte proibiu um jornalista de exercer a profissão durante 14 meses, à repressão de manifestações e de protestos sociais e às justificativas legais que de algum modo podem restringir a liberdade de expressão por serem ambíguas, não serem proporcionais e por tratarem os meio de comunicação como inimigos e não como veículos que precisam interagir. Não digo que não seja possível regular alguns aspectos dos meios de comunicação, mas isso deve estar intimamente ligado ao respeito à liberdade de expressão. Não posso, em nome da democracia, infringir a liberdade de expressão.

Quais ferramentas são permitidas? Visto que democratizar a liberdade de expressão tem muitas consequências…

E.L.– Existem recursos gerenciados pelos Estados. Por exemplo, as radiofrequências e as licenças de transmissão de TV, além de outros aspectos relacionados à internet e à liberdade de expressão. Em todos esses casos, acho que o Estado deve cuidar da inclusão de todos os atores na comunicação. Também é uma realidade em nosso continente a não inclusão nos sistemas de comunicação de determinadas populações, como os povos indígenas. Por isso, ter um sistema de atribuição de frequências e licenças democráticas e transparentes, me parece ser um mecanismo legítimo.

Há também um tema que está presente em toda a região e tem a ver com a concentração dos meios públicos e, em alguns casos, meios privados. Isso merece uma discussão porque a declaração de princípios da liberdade de expressão proíbe monopólios e oligopólios da comunicação. O ponto é que, como acontece muitas vezes, esse princípio ainda não é muito debatido e não há muitas normas sobre o assunto. O relatório técnico pode gerar padrões para preservar o pluralismo e a diversidade sem afetar a liberdade de expressão.

Para cada um desses temas há um país em situação crítica. Países com alto índice de violência como México e Honduras. No caso da censura prévia, Equador e Venezuela. Já a respeito da concentração dos meios, a Argentina enfrenta o problema com o Grupo Clarín. Como o senhor acha que a Comissão pode enfrentar esses casos?

E.L.– É um bom momento para rever a forma como algumas medidas foram implementadas e quais impactos elas tiveram. As convenções devem construir legislações sobre os direitos humanos baseadas nas normas internacionais. Uma vez aprovadas, é preciso ver como elas funcionam.

O senhor comentou que devemos adicionar à lista de conquistas da sua antecessora, Catalina Botero, o processo de seleção pelo qual o senhor foi eleito. O senhor se preocupa com as pressões políticas em seu cargo?

E.L.– Não me afetam. A única coisa que me preocupa é que os Estados democráticos vejam a relatoria como uma inimiga. Essa não é uma batalha entre os Estados e os defensores dos direitos humanos. Pelo contrário. Os Estados que solicitaram a participação da Comissão solucionaram de forma mais eficiente essa situação. Acho também que há um caminho que deve ser explorado, não somente o caminho do enfrentamento.

Como fez a relatora anterior, temos que ter rigor frente às denúncias, ninguém vai ganhar no grito. Estamos sempre solicitando informações dos Estados, da sociedade civil, e quando chegamos a uma conclusão, nos pronunciamos. Em alguns países que são mais rigorosos, assinalamos os fatos de maneira mais respeitosa, sem tendências políticas e religiosas. Não posso mais fazer nada, só continuar a cumprir o meu mandato.

Quais são esses países que podem não escutar o senhor?

E.L.– Como assumi há apenas duas semanas, tenho que ficar aberto a falar com todos os países. Para isso, estou fazendo viagens a convite dos países e das instituições, organizações e universidades. Estou empenhado em trabalhar nesses países. Fui ao México, hoje estou no Chile e vou ao Peru, a El Savador e a Honduras. A minha primeira mensagem é que a Comissão está disposta a ajudar e que vai apresentar suas sinalizações. Faço meus relatórios e comparo com os informes dos últimos seis anos. Toda vez que vou a um país, vejo os antecedentes e os atuais problemas.

Esses mesmos informes apontam a Venezuela e o Equador como os países mais críticos, não só em termos de violência, como na Venezuela, como também por razões políticas de Estado. O que a Comissão pode fazer frente a esses países?

E.L.– A Comissão tem uma série de instrumentos, como seu relatório anual, casos de medidas de precaução, entre outros. Isso não é medido pelo nome do país de onde vem o problema e sim pela gravidade do assunto e a violação dos direitos. Não olho especificamente para o nome do país, seja Venezuela, Equador, Uruguai ou Chile. Se a denúncia é coerente e consideramos que há uma violação dos direitos, vamos aplicar medidas adequadas: um denúncia, uma medida aprovada pela Comissão e, se for o caso, levamos até a Corte.

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Carolina Álvarez Peñafiel, do El Mercurio