Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os caminhos para a regulação democrática da mídia

Vamos a algumas considerações sobre a regulação da mídia.

Um dos pontos é a regulação econômica, seguindo os preceitos da Constituição, que condena concentração de poder nesse mercado. Outro é a regulação de conteúdo, tratada hoje em dia como um enorme tabu.

Está na hora de tirar alguns fantasmas do armário.

Fato 1– Nas últimas décadas, a parte podre do jornalismo passou a se valer de práticas criminosas, como o uso de grampos ilegais, matérias deturpadas, informações não confiáveis, disseminação de intolerância e de assassinatos de reputação, sem direito de resposta e sem condição de defesa para as vítimas. Esse poder ilimitado tem sido utilizado em alguns casos – especialmente na revista Veja – para jogadas comerciais. Todo esse lixo se acumula debaixo da blindagem genérica da liberdade de imprensa.

A dificuldade de conseguir um direito de resposta é geral. Na Inglaterra, o relatório do juiz Leveson (sobre abusos da imprensa) constatou: “Alguns jornais têm recorrido a uma abordagem defensiva, fazendo ataques estridentes e extremamente pessoais àqueles que os questionam: não basta simplesmente discordar. (…) O resultado é que possíveis críticos às vezes não reclamam, não porque não tenham uma reclamação válida a fazer, mas porque não têm energia para a inevitável batalha ou porque não estão dispostos a expor seus amigos e sua família a danos. Esse estado de coisas não pode ser descrito como saudável.”

Fato 2– mesmo com todos esses abusos, a liberdade de imprensa é essencial em uma democracia. Por isso mesmo, há óbices consideráveis para qualquer proposta de regulação de conteúdo que passe pelo Executivo. Além disso, a expectativa de censura poderá estimular mentes retrógradas, a exemplo do que ocorreu com a Comissão de Censura de Hollywood nos anos 50.

Fato 3– por outro lado, nenhum projeto de autorregulação é eficaz. Quando o Guardian revelou as práticas criminosas do News of the World, a Comissão de Reclamações da Imprensa (PCC) – o órgão de autorregulação da imprensa britânica – condenou o Guardian por ter divulgado os resultados da investigação, não o jornal acusado de abuso.

Fato 4– tem-se, então, um conflito de interesses entre grupos de mídia e Estado, no qual os maiores afetados são os cidadãos, especialmente aqueles vítimas de ataques da mídia. O caminho é tirar a discussão das mãos do Executivo e colocá-la no lugar correto: uma comissão de alto nível, composta por representantes dos principais poderes, disposta a discutir o tema sem tabus. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já tem uma Comissão nesse sentido, assim como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Até agora, as comissões foram apropriadas pelos grupos de mídia, através do lobby de seu representante, ex-ministro Ayres Britto. Mas não haveria dificuldade em ampliar seu escopo com pessoas independentes.

A discussão pode ser enriquecida com as comissões já existentes no âmbito do Ministério Público Federal, do Congresso, de vários conselhos profissionais – como os de psicólogos. Desse grupo sairiam as propostas para coibir exageros e atos criminosos, garantir os direitos das vítimas, sem colocar em risco a liberdade de opinião e afastando qualquer possibilidade de censura prévia.

******

Luis Nassif é jornalista