Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Riscos enfrentados por jornalistas nunca foram tão grandes

São notórios os assassinatos dos jornalistas norte-americanos James Foley e Steven Sotloff , decapitados em frente a câmeras pelo grupo extremista Estado Islâmico (Isis), na Síria.

Em artigo para o guia de TV, rádio e cinema Radio Times, Jeremy Bowen – um dos correspondentes estrangeiros mais experientes da BBC e atualmente editor de assuntos do Oriente Médio –, afirmou que a ameaça do Isis fez até os jornalistas mais empreendedores e ousados repensarem se vale a pena trabalhar na Síria. “Assistir a colegas sendo decapitados por um grupo que parece deliciar-se com seus atos dificulta até mesmo a argumentação de que um profissional é experiente ou cauteloso demais para entrar em apuros”.

O editor também relatou outras dificuldades. Disse que é complicado entrar na Síria, “com ou sem visto”, e lembrou outros casos locais de violência contra profissionais da imprensa: Anthony Loyd, correspondente do Times (e amigo de Bowen), foi sequestrado, baleado e gravemente ferido por um homem que pensava ser um contato seguro.

Bowen diz que, embora jornalistas acostumados a fazer coberturas de conflitos geralmente sejam capazes de encontrar razões para prever por que vão sobreviver à frente de seus colegas mais impulsivos, eles ainda precisam contar com a sorte. Ele frisa que, em toda guerra, estar no lugar errado na hora errada pode significar o fim. “Todo mundo que conheço que faz esse tipo específico de jornalismo tem uma lista de histórias em que quase foi morto. Além dos casos relatados daqueles que terminaram mortos mesmo”. Bowen lembra que ele mesmo gostava do perigo quando fez suas primeiras coberturas de guerra, mas que não gosta mais, pois agora jornalistas internacionais que vão a zonas de conflitos estão sob um risco nunca visto.

Sem liberdade

Joel Simon, diretor-executivo do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, também se preocupa com a segurança dos profissionais de imprensa – não apenas em coberturas de guerra, como também em países onde a liberdade de imprensa é um sonho distante.

Em artigo para o Guardian, ele contou que em outubro de 2014 encontrou-se com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, a fim de discutir a crise da liberdade de imprensa no país. Simon relata que esse tipo de reunião já segue uma fórmula: o presidente ou primeiro-ministro declara um compromisso profundo e duradouro à liberdade de imprensa e, em seguida, relata por que o país não foi capaz de defender tal princípio. “Muitas vezes, o chefe de Estado contrasta os meios de comunicação nacionais ‘imprudentes e irresponsáveis’ com a mídia internacional ‘altamente profissional’ para explicar por que uma postura mais agressiva é necessária”, explicou.

Simon relata que, desta vez, foi bem diferente. Erdogan foi bastante agressivo, acusando a cobertura midiática de intrusiva e tendenciosa. Curiosamente, o principal alvo da ira do presidente não foi a imprensa local, mas o New York Times e a CNN International. Ele também se declarou “cada vez mais contra a internet”.

“Minha preocupação não envolve apenas a maneira com que essas atitudes são traduzidas em políticas de mídia na Turquia, país que até recentemente era líder mundial no cárcere de jornalistas. Pelo contrário: é sintomático de uma mudança na relação entre a imprensa e aqueles que ela cobre, uma mudança com consequências fatais para jornalistas de todo o mundo”, escreveu.

Tecnologia como fonte do problema

Simon acredita que o aumento da tecnologia, que acabou com a necessidade da existência de empresas de comunicação tradicionais para se cobrir um evento, desvalorizou os jornalistas e aumentou a repressão.

De acordo com dados compilados pelo CPJ, o período de 2012 a 2014 foi registrado como o mais violento e perigoso para jornalistas na história recente. Quase 150 profissionais foram mortos durante este período, e mais de 200 deles se encontravam presos em todo o mundo ao final de cada ano.

Governos têm utilizado de uma variedade de táticas para marginalizar, isolar ou perturbar o trabalho da imprensa. Em lugares como Turquia e Etiópia, os jornalistas são presos sob acusação de terrorismo devido a coberturas críticas. Na Rússia e na Hungria, as empresas de comunicação enfrentam auditorias fiscais punitivas ou multas por difamação. Na Venezuela, Equador e Nicarágua, os governos simplesmente ignoram os meios de comunicação tradicionais, contando apenas com uma estrutura de mídia alternativa que seja leal a eles.

Simon diz que os governos tomam tais ações porque acreditam que a mídia internacional já não molda a opinião mundial ou define a agenda política nacional. Estes mesmos governos têm se beneficiado enormemente de sua capacidade de usar as mídias sociais e outras formas de tecnologia para disseminar a informação diretamente ao público. Além disso, as grandes empresas de comunicação também foram enfraquecendo financeiramente, com fragmentação do público e queda na circulação.

Isto se reflete também na guerra e é o caso do próprio Isis, que usa as mídias sociais para divulgar seu ponto de vista, tirando os jornalistas da posição de mensageiros e colocando-os como “adereços em montagens sangrentas destinadas a reforçar a mensagem de terror”.

Simon diz que tais tendências, moldadas pela tecnologia, são poderosas e dificilmente reversíveis. “O desafio de tornar o mundo mais seguro para os jornalistas começa com um reconhecimento de que a dinâmica de poder mudou. Podemos estar vivendo na era da informação, mas aqueles na linha de frente, que trazem as notícias das quais precisamos para compreender os acontecimentos globais, nunca estiveram mais vulneráveis, mais isolados e mais solitários”, conclui.