Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Maconha medicinal

No domingo (9/11), o Fantástico exibiu uma oportuna matéria sobre os resultados positivos de remédios à base de canabidiol (substância extraída da folha de maconha) e os dramas vividos por pessoas que precisam desses medicamentos (considerados ilegais em território brasileiro) para amenizar os sintomas de suas enfermidades. “Alguns remédios à base de THC, produzidos em laboratório fora do Brasil, têm funcionado para aliviar dores crônicas e naúseas decorrentes da quimioterapia”, apontou a réporter Lília Teles. Entretanto, a falta de conhecimento científico, o moralismo de grande parte da população, o forte lobby conservador no Congresso Nacional e os estigmas relacionados ao arquétipo do “maconheiro” são algunas dos motivos que dificultam debates mais sérios e consistentes sobre a possibilidade de se regulamentar o uso da cannabis sativa em nosso país.

Para corroborar a tese da eficiência medicinal de susbtâncias extraídos da folha de maconha, o Fantástico citou exemplos de pessoas que, após utilizaram remédios que contém canabidiol, conseguiram aliviar consideravelmente os sintomas de doenças crônicas, como Síndrome de Dravet, epilepsia e esclerose múltipla. Segundo a reportagem do programa global, diferentemene da maconha fumada o remédio feito à base de canabidiol não causa dependência e tampouco provoca quaisquer alterações sensitivas, pressupostos que refutam o mito promulgado pelo senso comum de que a erva somente é utilizada por jovens transviados à procura de sensações alucinógenas. Todavia, o canabidiol não pode ser vendido legalmente no Brasil. Precisa ser importado a preços exorbitantes e somente com autorização da Anvisa. Desse modo, com o intuito de superar tais entraves jurídicos e alfandegários, um grupo secreto do Rio de Janeiro, agindo fora da lei, cultiva maconha, produz remédios e os distribui gratuitamente. “Não existe nenhum fim comercial relacionado a esse tipo de prática. A questão é mesmo de solidariedade, de auxílio a outras pessoas”, afirmou um membro do grupo que, por razões óbvias, teve sua identidade ocultada.

Por outro lado, de acordo com o psiquiatra da USP José Alexandre Crippa, um dos maiores estudiosos de canabinóides no Brasil, a produção caseira de remédios à base de canabidiol (como o exemplo carioca citado anteriormente) não é segura. “Se fosse meu filho, eu buscaria um canadibiol com o máximo de pureza. Existe no exterior e existem mecanismos de buscar isso, mesmo dentro de nosso país. O canadibiol é uma medicação, não é maconha, não é droga. Saber sua dose, saber sua quantidade é fundamental para que haja segurança e o paciente realmente possa se beneficiar dos canabinóides como medicamentos”, enfatizou José Alexandre Crippa.

Crime ambiental

Enquanto mais de vinte nações autorizam o comércio de remédios à base de maconha, em nosso país questões jurídicas e moralistas impedem que esses medicamentos cheguem às pessoas que deles tanto necessitam. “Quem planta, quem importa substância intorpecente, mesmo para criar um medicamento, em tese estaria incurso nas penas do crime de tráfico, ou conduta equiparada ao tráfico. Mas há ainda um outro crime, punido com uma pena muito mais grave que é fornecer produto medicamentoso sem registro na Anvisa”, advertiu o advogado criminalista Paulo Freitas à equipe do Fantástico.

Diante desse contexto, somente a legalização da maconha (não somente para uso medicinal, mas também recreativo) poderá corrigir as incongruências da anacrônica legislação sobre o uso de entorpecentes no Brasil e amenizar o sofrimento de parentes e usuários de medicamentos à base de canabidiol. Não pode ser admissível que, em pleno século 21, posicionamentos sem embasamentos intelectualmente sólidos sigam norteando as nossas leis. Já a matéria do Fantástico teve o mérito de levar questões relacionadas ao uso da maconha para o grande público (justiça seja feita, ultimamente a mídia brasileira tem apresentado boas matérias sobre esse tema). Não obstante, em última instância, é um crime ambiental determinar arbitrariamente que a cannabis sativa, vegetal que está na Terra há mais tempo que o homo sapiens, tenha cerceado seu direito à existência.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG