Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

‘Os jornais salvadorenhos não nos contavam nada’

Com apenas um tiro no peito, o arcebispo Óscar Romero caiu morto no altar, no meio de uma missa, em 24 de março de 1980.

El Salvador vivia o começo de uma guerra civil de 12 anos, que deixou 80 mil mortos. Somente após 30 anos, o mistério seria solucionado.

“Assim Matamos o Monsenhor Romero”, do jornalista Carlos Dada, revelou que os assassinos do religioso, conhecido por denunciar crimes contra direitos humanos, eram membros de uma espécie de “esquadrão da morte”.

O furo surgiu na modesta internet local e deu projeção internacional a um site então pouco conhecido, El Faro.

De pequeno empreendimento no menor país da América Central, o El Faro virou referência em todo o continente, trazendo à tona bastidores da movimentação dos cartéis, da imigração ilegal e da violência entre gangues.

Dada, 44, um dos fundadores do site, é um dos convidados do Fórum Piauí de Jornalismo, que acontece no fim de semana (www.festivalpiaui.com.br) em São Paulo.

Leia trechos da entrevista, realizada por telefone.

El Faro fez sua primeira publicação em 1998. Qual era a ideia de vocês naquele momento?

Carlos Dada– Tínhamos passado por uma longa guerra e, durante todos aqueles anos, os jornais salvadorenhos não nos contavam nada. Sempre foi uma imprensa conservadora e corrupta.

Nos informávamos por meio de veículos dos EUA, da Europa e do México. Sentíamos necessidade de saber o que acontecia.

Como o site se paga? Como surgiram os patrocinadores?

C.D. – No começo, fizemos com dinheiro do próprio bolso, mas aos poucos fomos atraindo diferentes patrocinadores.

Os apoios chegaram em boa hora, porque não era mais possível fazer o site em meio período. Tínhamos de ter jornalistas profissionais e oferecer dedicação integral.

No recém-lançado livro “Crecer a Golpes” (ed. Penguin), você dá uma visão muito pessimista do país nos anos pós-guerra civil. Por quê?

C.D. – El Salvador está tomado pela corrupção, e não vejo espaço nem vontade política de fortalecer as instituições. Antes, havia uma esperança.

Quando a FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, ex-guerrilha de esquerda, hoje partido político) era oposição, acreditávamos que chegariam ao governo e construiriam um país melhor. Afinal, tinham lutado uma guerra para isso.

Só que eles alcançaram o governo, e o país continuou corrupto [a FMLN está no poder desde 2009]. Pior, eles se envolveram nisso também.

O PT (Partido dos Trabalhadores) é alvo dessa mesma crítica aqui. Pode-se comparar?

C.D. – Creio que há linhas gerais parecidas, mas a decepção aqui foi maior. Nos anos Lula, a vida de milhões de brasileiros menos afortunados melhorou. Em El Salvador, não houve nem mesmo esse avanço no sentido de diminuir as diferenças sociais.

A guerra de gangues tornou-se um problema gravíssimo em El Salvador. Por que o problema chegou a esse ponto?

C.D. – As gangues nasceram em Los Angeles, formadas por salvadorenhos que cresceram lá e foram deportados após a guerra (1979-1992).

Esses jovens chegaram a um país destruído pela guerra, com abundância de armas e com uma cultura de conflito já instalada. Era um terreno muito propício à violência.

Nenhum governo depois disso teve uma política eficiente contra as “maras”. Todas as medidas tomadas foram com fins eleitorais, fadadas a não dar certo.

Como vê a relação de imprensa e governos atualmente na América Latina?

C.D. – Creio que aqueles que têm governos que enfraqueceram as instituições, a Bolívia, a Venezuela, o Equador, a Argentina, colocam o jornalismo independente em risco.

Nesses países, começa a surgir o jornalismo militante, com o qual é impossível concordar. Mas também neles há quem faça bom jornalismo.

Já no Brasil, a esquerda joga as regras da democracia. Eu acho que os jornalistas reclamam muito, pois há liberdade de imprensa no país.

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Sylvia Colombo, da Folha de S.Paulo