Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Redes sociais e o acirramento político eleitoral

Amizades desfeitas, discussões acaloradas em espaços presenciais e digitais, intensa polarização entre a militância das distintas campanhas, radicalismos, extremismos de toda ordem e um elevado grau de intransigência parecem ter caracterizado boa parte das discussões que ouvimos, vivemos ou testemunhamos nos últimos meses.

Muito tem sido dito, nos últimos dias, a respeito do elevado grau de polarização que caracterizou as eleições deste ano no Brasil. A dinâmica de funcionamento das redes sociais pode ter contribuído para o acirramento politico verificado no processo eleitoral de 2014.

Claro que há outros motivos para a emergência de um ambiente de elevada tensão, em especial, no segundo turno das eleições presidenciais e não é a intenção desse artigo supor que tenhamos um único aspecto a ser considerado. Porém, parece haver um elemento novo, cujo papel foi decisivo e ele está diretamente relacionado à dinâmica de funcionamento das redes sociais infodigitais.

Compreender os mecanismos através dos quais os indivíduos se informam e formam suas opiniões na Era digital, bem como seus efeitos sobre o ambiente politico, não parece ser algo irrelevante em uma análise mais abrangente sobre o país que emerge das urnas. O presente artigo buscará contribuir para essa compreensão.

Distribuição de informação e formação da opinião na rede As revoluções tecnológicas das ultimas décadas ensejaram uma mudança profunda no padrão de formação da opinião pública. A imensa carga de informações que recebemos diariamente provoca uma alteração significativa na forma como os indivíduos elaboram seus juízos e alimentam seus valores na sociedade em rede do século XXI. E não apenas a intensidade como também a velocidade da circulação de dados parece alterar atitudes e reações aos estímulos recebidos, por cada individuo, diante de um determinado acontecimento social, politico, esportivo, cultural etc. Atualmente, é arriscado analisar o comportamento da opinião pública brasileira sem levarmos em consideração o que é debatido e compartilhado nas redes sociais.

Mas o que pouca gente se dá conta é que o uso que um indivíduo faz de uma rede social tem por base uma determinada seleção de informações, inicialmente, realizada de acordo com seus valores, gostos, preferências e aspirações. Nunca é demais lembrar que, ao utilizarmos o facebook ou o twitter, por exemplo, o fazemos, principalmente, enquanto usuários de um sistema de distribuição de informações em rede. Portanto, é evidente que estar na rede significa recolher uma parcela, muito pequena, de informações disponíveis na web. No caso das redes sociais, é o indivíduo – ou sua rede mais próxima de amigos e conhecidos – quem faz a seleção inicial do que será exibido em seu mural ou timeline.

Mobilizações políticas

Ocorre que, além disso, na rede, as informações também podem ser manipuladas e elas passam, a todo instante, por filtros automáticos que podem incidir profundamente sobre a formação da opinião. É que diante da produção e circulação massiva de informação na web – estimativas apontam para 2,5 quintilhões de bytes de informação produzidos a cada dia – as empresas de tecnologia desenvolveram sistemas de seleção de dados visando facilitar a vida dos usuários.

Assim, o que vemos em nossas timelines – seja no facebook, twitter ou qualquer outra rede social – está organizado mediante um processo de seleção cuja finalidade é a apresentação de um conteúdo personalizado e previamente filtrado. Isso é feito, automaticamente, através de algoritmos que terminam por limpar conteúdos não identificados com nossos perfis. Esses filtros obedecem a uma racionalidade matemática e não há qualquer tipo de reflexão consciente a respeito do que pode, ou não, interessar ao usuário.

Assim, somando os filtros automáticos à seleção inicial feita por cada um de nós, ficamos expostos ao risco de receber informações que apenas corroborem aquilo que já pensamos a respeito de um determinado assunto. A divergência tende a sumir de nossas telas; e isso é feito sem que as pessoas percebam. E aí é que mora o perigo.

Aliás, é importante lembrar que os algoritmos usados nas redes sociais – como o EdgeRank do Facebook – são tecnologias cujas estruturas de funcionamento são mantidas sob sigilo e, portanto, não sabemos muito a respeito de como operam essas seleções de informações.

É evidente que o overload informativo, característico da internet, associado à escassez de tempo da vida contemporânea, tornam necessária a adoção de filtros, que permitam ao usuário selecionar informações sem custos e em pouco tempo. Mas é importante que as pessoas tenham consciência de que a internet também criou novos intermediários. E é igualmente importante nos indagarmos se os algoritmos utilizados pelo Google ou pelo Facebook são realmente tecnologias “neutras”.

Tudo isso nos leva a refletir, também, a respeito da forma como as pessoas utilizam a web. A maioria as utiliza a internet quase da mesma forma como faz com a TV. São consumidores passivos de informação, o espaço de tempo dedicado à prospecção é mínimo. As redes sociais digitais contribuem sobremaneira para isso, fazendo com que o usuário se contente com aquilo que aparece em sua timeline.

Claro que há muito mais espaço para visões diferentes e acesso a canais alternativos entre os consumidores passivos da internet se comparados aos da TV. Porém, os passivos da web possuem pouca ou nenhuma consciência a respeito da existência de intermediários, e os assuntos selecionados, automaticamente, por esses intermediários têm muito mais a ver com os hábitos de navegação e interesse do usuário do que com a relevância e a utilidade real de cada conteúdo apresentado ao indivíduo.

Considere-se ainda que, além disso, na internet o fluxo de informações é contínuo, ininterrupto. Logo, se temos um fluxo permanente e se as informações que recebemos são filtradas, então a consequência é que teremos diante de nossos olhos, em pouco tempo, um volume imenso de informações sobre um mesmo assunto. No caso de uma mesma opinião, o efeito será o de consolidar uma percepção de que “tá todo mundo dizendo isso”.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Oxford e publicada no “Scientific Reports”, em 2011, analisou os mecanismos por trás das mobilizações políticas realizadas nas redes sociais. Foram analisados os perfis no twitter de mais de oitenta mil usuários, de 59 cidades espanholas. A análise se deu sobre pessoas que participaram dos protestos convocados pelo movimento 15-M em reação à crise econômica europeia.

Dinâmica de funcionamento

A pesquisa observou que as pessoas recebiam uma quantidade enorme de mensagens, num curto espaço de tempo, gerando uma sensação de urgência, que as levava a aderir aos atos de forma impulsiva, num movimento em cascata. A maioria das pessoas se mobilizava em função de mensagens recebidas por pessoas próximas, gerando um ciclo emocional que as levavam a seguir o mesmo comportamento quase automaticamente.

Então, quando as pessoas são levadas a participar de alguma polêmica, muitas vezes adotam um comportamento impulsivo, replicando informações em grande quantidade em suas próprias redes, contribuindo para o sentimento coletivo de urgência e eliminando o tempo da reflexão. E como os filtros agem mecanicamente, retirando boa parte do conteúdo contrário, o resultado pode ser o estabelecimento de um consenso artificial e perigoso. Daí as reações, muitas vezes enraivecidas, quando alguém na nossa rede ousa desafiar o bom senso.

Some-se a isso a utilização, cada vez natural, dos robôs – os bots – que servem para provocar tendências na rede, disparando grande carga de conteúdos e distorcendo a circulação de informações. E, por fim, ainda temos os memes e virais que podem incidir sobremaneira sobre a formação de falsos consensos e disseminação de mentiras e boatos na rede.

Assim, o risco de falarmos apenas para aqueles que possuem uma opinião semelhante à nossa e recebermos conteúdos circunscritos a esse mesmo espectro não apenas é real, como também é uma tendência quando se atua politicamente nas redes. Esse processo pode nos ajudar a compreender a conformação, durante as eleições presidenciais, de dois blocos bem distintos na rede e a precariedade da mediação entre eles, conforme atestou o Departamento de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da FGV, em levantamento realizado durante as eleições.

Portanto, ainda que seja um entusiasta do uso das novas tecnologias da informação e comunicação para fortalecer a cidadania, não posso deixar de reconhecer que o ciberativismo pode estar contribuindo para a formação de um exército de especialistas em sua própria opinião e isso pode ter desempenhado um importante papel na exacerbação da tensionamento político verificado nas ultimas eleições.

Duas semanas após o encerramento das eleições, um novo levantamento realizado pelo DAPP/FGV indica que alguns canais de diálogo estão sendo abertos, o que pode ser um sinal de que é possível construir pontes em torno de agendas comuns.

O uso das redes sociais para a discussão e a defesa de plataformas políticas não parece ser um fenômeno passageiro. A intransigência e o radicalismo na rede devem ser rebatidos por quem acredita que o universo das redes deve servir à promoção da liberdade de opinião, ao pluralismo e ao debate democrático de ideias e não à reprodução de outras formas de alienação.

Compreender a dinâmica de funcionamento das redes sociais digitais e seus filtros é algo indispensável à adoção de uma postura crítica e equilibrada diante das polêmicas reproduzidas diariamente pela internet. Trata-se de um desafio à capacidade de aperfeiçoamento de nossa democracia no século XXI.

******

Vinicius Wu é secretário geral do governo do Rio Grande do Sul, coordenador do Gabinete Digital