Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dez jornalistas escrevem sobre a vida no Rio

Se fossem apenas relatos de estrangeiros, estariam lá muitas impressões sobre as praias cariocas, o Pão de Açúcar e o Corcovado. Talvez até umas palavras sobre o passeio de jipe à Rocinha ou ao Vidigal. Mas, como são dez jornalistas, mais especificamente correspondentes ou ex-correspondentes no Brasil (cinco deles baseados no Rio), os autores de Palavra de gringo (editora Língua Geral), recém- lançado, mergulham bem mais fundo. O inglês Tom Phillips, por exemplo, agora radicado na China, centra seu artigo “Férias na Coreia” numa Coreia pouco conhecida dos próprios cariocas: a de um complexo de favelas da Zona Oeste, dominado pelo tráfico, onde quem dita as regras é um pastor evangélico, e não o Estado. É de lá que ele puxa o fio da meada para falar sobre o processo de pacificação que começou a acompanhar quando ainda trabalhava no Rio e sobre o qual voltou a pensar em visita recente. “Em muitos aspectos, o lugar que mais me ensinou sobre a cidade foi a Coreia”, escreveu.

O livro não é só sobre o Rio, mas muito do que revela (passando por impressões sobre beleza, futebol, política e religião) se passa aqui ou aqui se reflete. “Todos os autores estão ou estiveram no Brasil por muito tempo e têm um sentimento muito forte pelo país. São pessoas que passaram pelo arrebatamento inicial de morar aqui, mas quiseram ir além do cartão-postal, o que gera angústia”, conta o português Hugo Gonçalves, editor do livro, explicando por que pediu a cada um que escrevesse em sua língua nativa. “Preferi fazer a tradução (do espanhol, inglês, sueco, alemão e francês), pois mesmo uma pessoa como a Julia Michaels, há 33 anos no Brasil e com português perfeito, aciona o chip americano quando escreve em inglês.”

“Dura queda”

Julia, que é de Boston e está há 20 anos no Rio, escreveu Empregadas e outros trabalhadores domésticos: “Achei uma janela muito útil para pensar sobre as mudanças no Brasil e os desafios que o país enfrenta. Já tive várias empregadas desde que vim para São Paulo e recebi como conselho ‘Trate mal sua empregada’, o que não segui. Antes, elas vinham de ônibus de outros estados. Naquela época, se morria alguém na família, era para o telefone da gente que ligavam. Hoje todas têm celular e podem andar de avião.”

Já o sueco Henrik Brandão Jönsson, há 12 anos no Rio, falou sobre o “Brazilian blues”, expressão que traduz o sentimento de depressão após a euforia de vir viver aqui: “O Brasil trata-se de um continente, maior do que a Europa, com uma mistura interessante de origens, religiões e culturas. Os 27 estados parecem países diferenciados. E a vida mais bacana parece encontrar-se no Rio, onde moram 70% dos cerca de 300 correspondentes no Brasil. A lua de mel é divertida, mas a volta à realidade representa uma dura queda”, escreveu ele, que “sobreviveu” e concluiu que, para o bem ou para o mal, este é um país que jamais mudará de verdade: “sinal de que já somos brasileiros”.

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Paula Autran, do Globo