Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘É um momento único para Podemos’

O filósofo Ricardo Forster, de 57 anos, é um dos intelectuais argentinos mais relevantes do kirchnerismo. E é também uma das vozes da América do Sul que os dirigentes do partido espanhol Podemos escutam com grande atenção. O governo argentino o nomeou em junho como secretário de Coordenação Estratégica para o Pensamento Nacional, o que causou desconfiança entre as mídias mais críticas ao governo de Cristina Kirchner.

Ele demonstra estar a par da ascensão do Podemos, fundado neste ano 2014.

– Eu tinha uma relação com Germán Cano, o filósofo. Mas não conhecia Íñigo Errejón, nem Juan Carlos Monedero, nem Pablo Iglesias. Monedero e Errejón conheci quando vieram este ano. Errejón me parece uma pessoa muito bem informada, leu a obra de Ernesto Laclau (grande referente intelectual do kirchnerismo, falecido este ano). Me parece que é um grupo que encontrou uma facilidade para decodificar uma linguagem muito complexa que são os meios de comunicação. Eu disse a eles: cuidado com a mídia, cuidado com a fascinação, com o espetáculo, com o risco de que a política de novo seja formatada pela imprensa – diz Forster.

O intelectual está muito familiarizado com a cultura e política europeia. Durante muito tempo, viajou quase todos os anos à Espanha. Ele acredita que o Podemos apele para o populismo como um “ato de provocação”, para diferenciar-se de outras formações políticas.

– E a maneira que encontraram é sua leitura de algumas formas do populismo sul-americano e, principalmente, da última geração de populismo. Acredito que são profundamente democráticos em sua visão de sociedade espanhola. Eles representam uma geração jovem, que não concorda com o pacto que levou a uma despolitização e profunda crise econômica, institucional e social.

Qual aprendizado pode extrair o Podemos da experiência argentina?

Ricardo Forster – A de que não há nada mais saudável para a democracia que a politização. E também que é possível sair de paradigmas que parecem intocáveis. Na Argentina do final dos anos 90 a ideia da globalização, as privatizações e o reinado absoluto do mercado pareciam intocáveis para progressistas e liberais. Mas foi possível mudar, reconstruir um rol importante no Estado na esfera econômica. E também a busca de uma nova geopolítica regional que tem como momento chave a aliança estratégica com o Brasil, Mercosul e Unasul. Eles leram essa experiência. E defendem uma política que não fique asfixiada por um Euro dominado fundamentalmente pela Alemanha.

O senhor os aconselhou?

R.F. – Mais do que conselhos, foram conversas. Mas acredito que eles têm que continuar confiando que a única alternativa é a politização da sociedade. É preciso acabar com a política do medo. É possível mudar a estrutura jurídica, a ordem financeira internacional. Este é um ponto central. O que está acontecendo no conflito com os fundos abutres é chave não só para a sociedade argentina, mas também para as sociedades que têm um alto índice endividamento. É preciso tirar das estantes os livros que deixamos de ler. E não estou falando do “O Capital” de Marx. Estou falando de Keynes.

É inevitável a demagogia para alcançar o poder?

R.F. – Muitas vezes tentaram reduzir o populismo à demagogia. Mas as democracias sul-americanas expandiram muito em direitos civis. Milhões de homens e mulheres com cidadania precária viraram cidadãos. Brasil é um exemplo claríssimo. O caso boliviano é exemplar. O caso argentino construiu a primeira cidadania com o peronismo. Eu não venho do peronismo, mas aprendi a compreender sua complexidade na História. É preciso pôr em debate a questão da demagogia. Eu prefiro um governo que melhora os índices de acesso à saúde, à vida digna, do que um governo que aparece com toda a parafernália do hiper liberalismo republicano e que continua mantendo a invisibilidade dos mais desfavorecidos e a carência de direitos.

O que acha da estratégia eleitoral do Podemos?

R.F. – É um momento único. Ou se aproveita ou se perde. Se Néstor Kirchner não tivesse chegado ao poder em 2003, com certeza as dores argentinas teriam sido muito complexas nos anos seguintes. Eles pensam que este é o momento em que se pode romper com o bipartidismo e o sistema das elites políticas espanholas. Sabem dos perigos. Sabem que entre o núcleo duro do Podemos e os milhares de jovens que se incorporaram há uma distância muito grande que implica uma distância de formação significativa.

Qual deveria ser o papel da imprensa se chegarem ao poder?

R.F. – O ideal pra mim é sempre a triparticipação da lei: 33% da mídia para empresas privadas, 33% para o poder público e 33% para a sociedade civil. Acredito que se os governos não têm capacidade de intervir através dos meios de comunicação na disputa social não encontram a maneira de interpelar a sociedade.

Aconselharia paciência ao partido Podemos?

R.F. – Não. Porque existem momentos em que é preciso perceber que o trem está chegando e se não subimos no momento adequado, o trem passa.

******

Francisco Peregil e Juan Cruz, do El País