Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nova biografia de Eike ajuda a entender sua ascensão e queda

Em março de 2012, já pressionado a fazer suas companhias apresentarem os resultados brilhantes prometidos por ele mesmo e sua turma de executivos, o empresário Eike Batista teve outra de suas ideias mirabolantes. Propôs ao BNDES que, juntos, comprassem uma participação de 10% no capital da tradicional montadora alemã Daimler, dona da marca Mercedes-Benz. O projeto era levar a empresa a produzir automóveis ou vans no Açu, um empreendimento que ameaçava naufragar por causa de atrasos e pouca adesão de outras empresas. Eike chegou a imaginar que a empresa passaria a se chamar DMX. O problema era o preço – cerca de € 4,8 bilhões, que ele não tinha disponíveis. Daí a necessidade de buscar a parceria do BNDES.

O projeto foi apresentado por Eike e seu time de diretores a Julio Ramundo, diretor industrial do banco. Acabada a exposição, Ramundo foi taxativo ao descartar qualquer possibilidade de se chegar a um acordo – ele lembrou que aquisição hostil não faz parte do cardápio do BNDES, que o setor automotivo não era prioridade no momento… O diretor de relações institucionais do grupo X, Amaury Pires, reagiu imediatamente. Fez o representante do BNDES repetir nome, sobrenome e cargo, enquanto anotava num bloquinho, e depois ameaçou relatar a conversa para a alta cúpula do PT.

O episódio, contado em detalhes, é emblemático da trajetória de Eike, conforme retratada pela jornalista Malu Gaspar, que trabalha atualmente na revista Veja, em Tudo ou Nada – Eike Batista e a Verdadeira História do Grupo X. Um calhamaço de mais de 500 páginas, o livro apresenta, com profusão de detalhes, a história do empresário brasileiro que mais chamou a atenção do público no país e no exterior nas últimas décadas.

Muitas das passagens do livro já são conhecidas dos que acompanham as atribulações do empresário. Uma fonte de informações importante para a autora foi a imprensa – são muitas as citações de matérias de jornais e revistas. Mas há também, claro, episódios inéditos e muitas minúcias que ajudam a entender por que Eike conseguiu amealhar uma fortuna com a criação de um grupo de empresas aparentemente muito promissoras e por que fracassou em apresentar bons resultados e consolidar essas companhias.

Ninguém sai bem da história na versão de Malu – ou quase ninguém. Obviamente, o maior responsável tanto pela sua ascensão como pela sua queda no mundo empresarial é o próprio Eike. Mas Malu mostra também como dirigentes de bancos de investimentos, executivos contratados por Eike, políticos e representantes do governo usaram e abusaram da vaidade e ambição do empresário para se beneficiar, tendo, portanto, papéis relevantes na valorização e depois na desvalorização do Grupo X.

Especialmente importante é a participação da tropa de choque de Eike. Ex-diretores da Vale e da Petrobras foram levados a peso de ouro para as empresas X e contribuíram para inflar dados sobre o potencial de reservas de petróleo e de minério de ferro, por exemplo. Muitos deles saíram das companhias X antes da debacle e com polpudos bônus pagos por Eike.

Sucesso e fracasso

O livro também dedica muitas páginas ao relacionamento do empresário com políticos, sendo que o mais próximo foi, pelo que tudo indica, o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, do PMDB, a quem Eike com frequência cedia jatinhos e helicópteros para viagens de passeio.

Um político que demorou bastante a ceder aos encantos de Eike foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A autora lembra vários episódios em que Lula simplesmente não se interessa em ouvir os planos do empresário. Anos mais tarde, depois da aproximação dos dois, foi a Lula que Eike recorreu seguidas vezes em busca de socorro quando a crise começou a se instalar no seu grupo.

Um aspecto importante da vida de Eike, exaustivamente tratado no livro, é seu relacionamento com a família, em especial com o pai, Eliezer Batista, o executivo a quem se deve boa parte dos feitos amealhados pela Vale durante décadas. Segundo Malu, pai e filho, Eliezer e Eike, mantiveram – e mantêm até agora – uma relação de cobranças, ciúmes e competição, sentimentos que predominam alternadamente. Várias vezes ao longo da sua história profissional, Eike recorreu ao pai como último recurso em momentos de grandes crises em uma ou várias das suas companhias.

O livro conta também outros relacionamentos familiares e afetivos de Eike. Até porque ele foi casado com Luma de Oliveira, com quem formou um casal que esteve sempre nas manchetes das páginas de revistas e jornais e sites de fofocas. Mas, de forma geral, o relato das histórias dos seus casamentos, filhos, namoradas é mais um complemento das narrativas sobre a vida profissional.

O maior problema do livro é sua forma. Malu Gaspar decidiu contar a história de Eike Batista como se tivesse estado presente a todas as conversas, reuniões e viagens dele durante anos – uma impossibilidade, claro. São centenas de cenas e diálogos apresentados em “tempo real”. Uma técnica muito usada nos livros de reportagem escritos por jornalistas americanos, que facilita a vida do leitor, mas que dá margem a críticas e dúvidas – foi exatamente assim que aconteceram as conversas de Eike, os encontros etc.?

É o segundo livro sobre o empresário. No início de 2014, foi lançado Ascensão e Queda do Império X – Eike Batista e as Jogadas, as Trapaças e os Bastidores da Fortuna de Mais de US$ 34 Bilhões que Virou Pó, escrito por Sergio Leo, colunista do Valor. Provavelmente, não será o último, pois é enorme o interesse por se tentar entender o que levou Eike a ter tanto sucesso e fracassar de forma tão espetacular. Além disso, cresce no Brasil o público consumidor de biografias de empresários, como se vê pelo best-seller Sonho Grande: Como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira Revolucionaram o Capitalismo Brasileiro e Conquistaram o Mundo, da também jornalista Cristiane Correa.

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Célia de Gouvêa Franco, para o Valor Econômico