Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Zapejornalismo

Meninos, eu li. Numa madrugada, envenenaram o doleiro Alberto Youssef, que foi socorrido, mas morreu enquanto o Brasil votava para presidente. Nas redes sociais, circulavam os mínimos detalhes do atentado, a identificação do assassino e a ação da Polícia Federal para prendê-lo. Tudo de fonte confiável, que prometia até mesmo reportagem especial no Fantástico. Dias antes, o vídeo de uma briga no estacionamento de um shopping em Recife circulava entre os celulares de Salvador como se a discussão tivesse acontecido num centro comercial baiano. Davam até o nome dos envolvidos! Um tempo atrás, as redes ajudaram a disseminar o pânico durante a greve de policiais comunicando arrastões e saques a lojas, muitas vezes ilustrados com imagens de uma greve anterior. Havia sempre riqueza de detalhes, testemunhas oculares, documentos ou fotos comprobatórias. Meninos, eu li.

O exercício de observar, coletar e contar boas histórias não é – e nem deve ser – exclusividade do jornalismo. É fácil identificar repórteres talentosos que são pedreiros, manicures, garçons ou aquele tio conversador, atração no churrasco de domingo – repórter nato. Um blog, uma conta no Twitter, a divulgação de foto ou vídeo no Facebook podem se revelar verdadeiros relatos jornalísticos, vindos de qualquer cidadão. A diferença entre esse usuário e o noticiarista diplomado seria justamente o filtro, por padrões de ética e de técnica, para chegar próximo de uma objetividade.

O que deveria ser exclusivo do jornalismo é a garantia da fidedignidade da informação, o carimbo da veracidade. Aí está o refúgio seguro para a função do periodismo diante das sucessivas evoluções tecnológicas que decretam, de tempos em tempos, sua morte prematura. Na trincheira do tradicionalismo, a imprensa se vê, paradoxalmente, acuada pelo bombardeio das notícias que chegam ao alcance de todos com um notebook ou um smartphone à mão, atiradas de qualquer lugar, por qualquer pessoa.

Tempos de indefinição

A inabilidade de checar, de confrontar versões, para um cidadão qualquer é apenas inabilidade, mas para um protagonista da imprensa é traição à sua missão. Mesmo assim, os recém-chegados à profissão estão, muitas vezes, ocupados com uma apatia bocejante, desanimados em conhecer histórias, inertes em saber o que se passa no mundo. O que se vê é uma geração de jovens pouco interessados nos conceitos canônicos na prática da imprensa, que deram alguma relevância à função do jornalismo. Aí se destaca o que pode ser chamado de jornalismo de zapezape, ou a apoteose do ócio na busca da informação.

Enquanto usuários de aplicativos de mensagens instantâneas se tornam reféns de boatos, acuados por informações que não passam de sussurros das ruas, uma falsa fofoca travestida de notícia, o jornalismo não deveria sentir-se ameaçado, e sim, reivindicar o estandarte maiúsculo de garantia da informação. Não é responsabilidade apenas das empresas jornalísticas (imersas no magma de interesses políticos e econômicos), mas, sobretudo, dos agentes do ofício: garimpar a ganga bruta do zapezape até chegar na pepita da credibilidade, estancar a sangria de rumores, suturando cicatrizes de incertezas com fios e agulhas da apuração precisa. São os profissionais, individualmente, que precisam agasalhar a função da imprensa contra o sereno das banalidades.

Em países mais avançados, como os Estados Unidos, mesmo os não-profissionais do jornalismo que utilizam Facebook como fonte inicial de informação (30% dos americanos adultos, segundo levantamento do Pew Research), saem da rede social para checar em fontes confiáveis, como relatou Ignacio Ramonet no livro A Explosão do Jornalismo. Dos 200 sites mais procurados nos EUA, 67% são mídias tradicionais. Assim, em tempos de indefinição sobre plataformas tecnológicas e os rumos do jornalismo como profissão, a consistência do que é dito, escrito ou publicado é o que não sai de moda.

Meninos, eu li. Em nenhum dos casos passei para a frente. Porque não vi.

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Pablo Reis é jornalista