Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Editor é proibido de falar de política. Demitiu-se

Na terça-feira (16/12) João Paulo Cunha, um respeitado jornalista dos temas cultura e política, pediu demissão de um dos mais tradicionais meios de comunicação de Minas Gerais, o Estado de Minas. A notícia traz à tona a “onda de censura” implantada no jornalismo mineiro, fato comentado, documentado e denunciado por jornalistas mineiros há anos. 

A demissão de João Paulo aconteceu após uma conversa entre ele e a diretoria do jornal, em que a chefia deixou claro que ele não poderia mais escrever de política. Por considerar a atitude uma manifestação de censura sobre o seu trabalho, o jornalista não aceitou continuar no cargo e pediu demissão (ver a última coluna, “Síndrome de Capitu“).

“Acho inadmissível que um jornal censure seus profissionais. A luta histórica que tivemos no Brasil é para termos o jornalismo como instrumento de cidadania”, afirma o jornalista. O motivo da censura seria a sua opinião política, diferente da linha adotada pelo jornal, que segundo ele é “francamente explícita a favor de Aécio Neves”. 

No artigo “Síndrome de Capitu”, publicado no suplemento semanal “Pensar” no dia 5, João Paulo criticou a recente movimentação para um golpe político, elaborado pela oposição à presidência, e defendeu a Reforma Política como “agenda prioritária para a sociedade”. “A coluna que ele escreveu deve ter desagradado interesses do jornal e de alguns políticos, que fizeram uma represália a ele”, acredita Kerison Lopes, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais.

“Pensar continua sendo perigoso”

No estado, episódios de censura não têm acontecido apenas nas redações de jornais. A professora Beatriz Cerqueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT MG), foi alvo de 17 processos contra uma campanha publicitária sobre a educação mineira. Os processos foram movidos pela coligação do PSDB ao governo do estado. “Em Minas, pensar continua sendo um ato muito perigoso, quase um terrorismo contra o Estado”, afirma Beatriz. 

“Infelizmente, o Estado de Minas perde qualidade e credibilidade com essa atitude”, afirmou o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Kerison Lopes. Ele conta que, na manhã de quarta-feira (17/12), dezenas de leitores e jornalistas procuraram o sindicato para dar depoimentos descontentes com a saída de João Paulo. “A gente espera que esse seja o último caso de censura da era tucana em Minas, mas talvez seja o mais emblemático, pelo que João Paulo representa para o jornalismo mineiro”.

Daniel Camargos, jornalista do caderno de política do Estado de Minas, diz que a despedida de João Paulo foi comovente. “Quando ele se despedia das pessoas formou uma imensa roda em torno dele. Todos querendo saber o que havia ocorrido. Ele explicou e a reação final de toda a redação foi levantar e bater palmas”, conta. “Hoje (17) muita gente, mas muita gente mesmo, veio de camisa branca de malha. Uma maneira de homenagear o João Paulo, que se vestia constantemente assim”.

Juarez Guimarães, professor de Ciências Políticas da UFMG, acredita que este seja o caso de censura mais simbólico dos últimos tempos. “A falta de pluralismo dos donos da comunicação de Minas Gerais é uma afronta ao princípio de liberdade que funda a história dos mineiros”.

Entrevista com João Paulo Cunha

Formado em filosofia, psicologia e jornalismo, João Paulo Cunha trabalha há 25 anos como jornalista, sendo 18 deles no jornal Estado de Minas. Atualmente, era editor chefe do caderno de Cultura, além do caderno TV, Divirta-se e do suplemento que circula aos sábados, o Pensar. Em 2011, João Paulo lançou o livro “Em busca do Presente”, com artigos publicados na sua coluna “Olhar”.

Na sua opinião, o que motivou a censura jornalística a você?

João Paulo Cunha – O jornal, como todos, tem uma linha editorial própria, sobre a realidade política, social e econômica. Isso é legítimo. Como eu tenho uma linha de pensamento diferente, que discordava do jornal, avisaram que eu estava a partir daquele momento proibido de escrever ideias sobre política.

Para você, é admissível que donos de um jornal ditem o que os jornalistas vão escrever?

J.P.C. – Não. Acho inadmissível que um jornal censure seus profissionais. A luta histórica que tivemos no Brasil é para termos o jornalismo como instrumento de cidadania. Ao censurar a imprensa ou o jornalista, você está tirando dele o mais importante, que é a liberdade de expressão e a possibilidade de trazer várias visões de mundo.

Sempre há denúncias de que há censura no Estado de Minas, inclusive durante as eleições. Isso realmente acontece?

J.P.C. – Na minha área de trabalho, que é a cultura, nunca tive nenhum tipo de cerceamento com relação aos conteúdos. Mas ficou nítida nessa última eleição uma linha explícita a favor de Aécio Neves, sempre positivando as ações dele, e críticas e negativas a Dilma Rousseff. Hoje há um nítido direcionamento, que favorece Aécio. 

Por que isso prejudica o jornalismo?

J.P.C. – A base do nosso trabalho é ampliar a capacidade das pessoas de se relacionar com o mundo, para tomar suas decisões da melhor forma e viver em sociedade. Quanto mais informação ele divulga, maior o compromisso do jornal com a sociedade. Se você limita as ideias a apenas uma posição, você está impedindo que o jornalismo faça o que é sua função essencial: levar informação de qualidade, reflexão e visão de mundo plural pra todas as pessoas.

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Rafaella Dotta, do Brasil de Fato