Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Do badalar de sinos e de outro badalo

Em texto publicado semana passada neste Observatório, o graduado em Comunicação e Direito Gabriel de Azevedo, ao tecer críticas ao artigo “Por quem os sinos dobram“, de minha autoria, extrapola o limite da discussão de ideias e parte para o ataque à minha pessoa e trajetória profissional na tentativa de tirar o foco do que está em questão e “provar” seus argumentos (ver aqui).

De imediato, o que causa estranheza é o fato dessas pretensas críticas e ataques partirem de quem não conhece nem tem a menor vivência na imprensa mineira, tema de análise de meu artigo. No currículo de Gabriel, disponível nas redes sociais, não há uma única menção à sua atuação profissional em jornalismo em Minas ou em qualquer outro lugar. Ao contrário, Gabriel aparece como empresário, assessor da diretoria de um time de futebol e integrante da Juventude do PSDB. Mais ainda, na época de alguns fatos que pretensamente tenta relatar, ele era quase um garoto. Deveria ter pouco mais de 16 anos.

A leitura de seu texto deixa nítido que ele procura fazer dois movimentos: (1) transformar um processo de análise e reflexão sobre as relações entre a imprensa mineira e o poder, que realizo há décadas, em mera disputa político-partidária; e (2) desqualificar-me enquanto pessoa e profissional, na tentativa de ganhar acolhida para os seus argumentos.

Mas é a partir dos próprios argumentos de Gabriel que as falácias de seu texto vão se revelando.

Se “Não há no texto nada de original” e se “disseminar a ideia de que a imprensa mineira sofre pressão dos tucanos” não é fato novo, como de saída afirma Gabriel, como explicar o seu súbito interesse pelo assunto? Ao contrário da afirmativa de Gabriel, as críticas aos governos tucanos nas três últimas gestões em Minas só vieram à tona nos últimos meses, coincidentemente após a vitória em primeiro turno do candidato petista ao governo de Minas, Fernando Pimentel. Até então a maioria esmagadora da mídia estadual, por comodidade ou mordaça se mantinha calada. Estes problemas, no entanto, tiveram início há quase uma década.

Um pouco de história não faz mal

A chegada de Aécio Neves ao governo de Minas foi um fato que parecia abrir horizontes para um estado que vinha de uma série de derrotas: (i) a liderança do golpe civil-militar de 1964 não trouxe os frutos esperados. Os políticos mineiros que sonhavam com a presidência da República foram relegados a cargos decorativos; (ii) a promessa da conquista da presidência da República com Tancredo Neves em 1985, via Colégio Eleitoral, não se concretizou. Estes dois fatos somados trouxeram muito desânimo aos mineiros que se viram sem lideranças que os representassem no plano nacional. Some-se a isso que Minas Gerais assistiu a uma sequência de governadores controversos e de fraco desempenho: Hélio Garcia, Newton Cardoso, Eduardo Azeredo e Itamar Franco.

Foi neste cenário de desencanto que surgiu como promessa, de um novo Tancredo para o século 21, o seu neto, o então jovem Aécio Neves. Foi com tais credenciais que Aécio se elegeu quatro vezes deputado, foi derrotado na disputa para a prefeitura de Belo Horizonte e, finalmente, chegou ao governo de Minas em 2003. Seus primeiros meses de governo foram marcados pelo anúncio de uma série de transformações que pretendia realizar no estado. Para tanto foi aplicado o chamado “choque de gestão” cujo objetivo anunciado era, supostamente, modernizar as estruturas administrativas e zerar o déficit público.

Dois anos depois, era visível para quem estava acostumada à cobertura política como no meu caso, que nem uma coisa nem outra estavam acontecendo. E se os problemas eram graves em todas as áreas tornavam-se ainda mais dramáticos em se tratando da área da Cultura à qual a Fundação TV Minas Cultural e Educativa se vinculava.

Mesmo tendo integrado a equipe de transição na área de Comunicação do governo Aécio Neves, não nos foi permitido acesso aos números que descrevessem a real condição dos órgãos do setor no Estado.

No caso específico da Fundação TV Minas Cultural e Educativa (TV Minas) ao assumir a sua presidência, deparei com um quadro dantesco, reunindo problemas administrativos, de pessoal, de baixa qualidade e quantidade em termos de jornalismo, programação e produção. Estes problemas foram agravados pela redução do orçamento da emissora que era no governo anterior de aproximadamente R$ 13 milhões/ano sendo contingenciado para pouco mais de R$ 3 milhões/ano. Algo em torno de R$ 300 mil/mês. Este recurso não cobria sequer as despesas básicas tais como folha de pagamento, aluguel, água, luz, telefone e satélite. Soma-se o fato de que dos 400 profissionais que atuavam na emissora, apenas 28 atendiam ao que determinava a lei. Os demais eram contratados através de duas cooperativas caracterizando a chamada “terceirização indevida de mão de obra”.

Em meados de 2004, assinei Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público Estadual (MPE) comprometendo-me, com o aval do governo, a realizar concurso público para a emissora no prazo de um ano, de tal maneira a regularizar esta situação caótica.

Aos poucos percebi que não havia da parte do governo do estado nenhum interesse em cumprir o que havia sido acordado com o MPE. Da mesma forma que, no início de 2005, quebrando outra promessa que havia sido feita a mim, o governo manteve o orçamento contingenciado. Neste quadro, não havia mais a menor condição de, como presidente e também diretora de Programação, satisfazer minimamente os objetivos de uma TV Educativa que eu insistia em transformar em emissora pública.

Gabriel tem razão quando afirma que fui pessoa próxima de Aécio e de sua irmã Andrea. Foram não cinco, como ele afirma, mas quase 10 anos de convivência em que, em diversas oportunidades, assessorei esse político: como parlamentar, como candidato a prefeito de Belo Horizonte e como presidente do diretório estadual do PSDB mineiro. Quem me aproximou de Aécio foi Tancredo Neves, amigo de minha família. Quando o conheci, eu editava política em um jornal diário e em um semanário em Belo Horizonte, além de ser comentarista política de uma emissora de TV. Em todas as vezes em que trabalhei com ele, os insistentes convites para tais atividades partiram do próprio Aécio Neves.

No caso específico da presidência da TV Minas, acredito que seu convite levou em conta minha formação profissional (jornalista e professora universitária), bem como minha vivência e interesse na área. Chamo a atenção para o fato de que em 1982 assinei, junto com diversos jornalistas e intelectuais, manifesto solicitando a todos os candidatos ao governo do estado que se comprometessem, caso eleitos, com a criação de uma TV Educativa. Na época, Minas, dentre os grandes estados da federação, era o único que não tinha sua TV Educativa. Some-se a isso que, em 1987/88, participei do movimento liderado pelo ex-ministro da Cultura Aloísio Pimenta contra a tentativa do então governador Newton Cardoso (PMDB) de privatizar e vender a Rádio Inconfidência e a TV Minas, veículos estatais de comunicação. Fomos vitoriosos.

Meu pedido de demissão

Talvez por desconhecimento, ou mais provavelmente para tirar o foco do que realmente interessa, Gabriel ao abordar a minha saída da presidência da TV Minas, a trate como demissão.

Se Gabriel, conforme ele afirma, busca “a correta compreensão” dos fatos, ele, como graduado em Jornalismo, deveria procurar fontes mais confiáveis, e como graduado em Direito, se inteirar dos fatos. Exatamente por isso, não deveria se limitar a dar publicidade a intrigas palacianas do tipo “…Quem convivia na época com eles”. Ao contrário da mentira que Gabriel divulga “o governo não teve escolha a não ser substituí-la”, a minha saída da presidência da TV Minas se deveu ao fato, conforme já mencionado, da impossibilidade de gerir o caos.

Ao contrário também do que Gabriel maliciosamente afirma, esta decisão foi minha, fato confirmado pelo texto do Diário OficialMinas Gerais, onde consta “demissão a pedido”. Esta decisão foi tomada ao retornar de um compromisso da emissora em São Paulo e antes de mais uma das ríspidas reuniões que Andrea Neves manteve comigo em seu gabinete no Servas. Apesar de formalmente estar submetida à Secretaria de Cultura, era, na prática, Andrea quem coordenava toda a Comunicação do estado. Nossas divergências eram permanentes, antes e durante o período em que permaneci à frente da TV Minas. À falta de recursos da emissora se somava a tentativa dela de mais e mais influir não só na linha editorial do jornalismo da emissora como na sua programação como um todo, coisa que jamais aceitei que se concretizasse. Naquela oportunidade, deixei claro para Andrea, que por todas as divergências que passaram a existir, a minha demissão significava não apenas a saída da TV Minas, mas também a discordância dos rumos que o governo tomava.

A pouca idade de Gabriel à época dos fatos aqui narrados (provavelmente 16 anos) não o desobriga, em especial na dupla condição de graduado em Jornalismo e Direito, a investigar o ocorrido e nem o permite difamar a minha reputação pessoal e profissional. Se Gabriel, minimamente, tivesse interesse em apurar os fatos, ele teria observado que a minha demissão não foi a única na área da cultura. Dias antes, durante Festival de Cinema de Tiradentes, o então secretário estadual de Cultura, Luiz Roberto do Nascimento Silva, havia me confidenciado que estava demissionário. Esta era também a decisão do presidente da Rádio Inconfidência, José Alberto da Fonseca.

Quanto ao fac-símile da carta que enviei ao Sindicato dos Jornalistas a respeito de supostas censuras na emissora à época (2003) – que é documento disponível desde então –, reafirmo o que disse, levando-se em conta o contexto da época. Em agosto de 2003, tinha apenas cinco meses à frente da emissora. Os problemas eram enormes, mas não havia, ainda, nenhuma tentativa por parte do governo, de influir na linha editorial da emissora. A partir de 2005, no entanto, são inúmeras as denúncias de jornalistas mineiros que teriam sido demitidos por interferência direta de Andrea Neves, a exemplo do diretor da sucursal mineira da TV Globo e de um repórter de Economia do jornal Estado de Minas. O motivo teria sido publicarem matérias que desagradaram ao governo. Nesta época, eu já não estava mais na TV Minas.

Gabriel mente e levianamente distorce os fatos quando diz, que a partir de minha saída da Rede Minas “inici[ei] uma cruzada pessoal contra o governador e toda a sua equipe”. À época, além da solidariedade de integrantes da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) recebi diversos telefonemas do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e de outras entidades disponibilizando espaço para que eu me manifestasse. Optei por tratar desse assunto, não da forma sensacionalista como alguns queriam, mas da maneira que julgo correta.

De volta à UFMG, onde sou professora concursada desde 1989, decidi tratar a questão na forma de pesquisa e reflexão. Entre 2005 e 2014 escrevi dezenas de comunicações e artigos para congressos e periódicos acadêmicos, nacionais e internacionais, que abordam a questão das TVs educativas e das TVs públicas no Brasil e no mundo. Esta reflexão culminou em 2013 com a defesa e publicação de minha tese de doutorado na UnB sob o título “Uma História da TV Pública Brasileira“.

Em meados de 2006, recebi o convite do então ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias (PT), para coordenar o setor de Comunicação Social da pasta. Aceitei por considerar que se tratava de um novo desafio profissional em minha carreira. Minha posse ocorreu em agosto daquele ano, e, “curiosamente”, uma semana depois recebi a notificação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais cientificando-me de processo por “supostas irregularidades” em minha gestão. Entre as supostas irregularidades estava ter atrasado o pagamento de muitas contas da emissora e ela contar, em seus quadros, com maioria de funcionários não concursados.

Dez anos já decorreram desde então e nenhuma irregularidade adicional às pré-existentes na emissora, quando assumi a sua direção, foi encontrada. Irregularidades que é importante que se diga, atravessaram todos os governos desde a criação da TV Minas, em 1984, e foram extremamente agravadas nas gestões tucanas. Vale ressaltar ainda que uma de minhas lutas à frente da emissora acabou se concretizando no final de 2013: o governo do Estado, depois de ter todos os seus recursos protelatórios derrubados, foi obrigado a realizar concurso público na emissora. Um concurso com características e remuneração muito diferentes do que havia proposto. Como consequência desta (entre várias) irregularidades praticadas pelos governos tucanos contra a TV Minas, a emissora acumula hoje uma multa de aproximadamente R$ 5 milhões.

Recorte enviesado

Considerando que Gabriel é graduado em Jornalismo e Direito, é de se estranhar que fatos tão relevantes tenham escapado à sua atenção. Não seria isto um recorte interessado e enviesado dos fatos? Por que Gabriel desconhece que nos últimos três anos a TV Minas vive uma situação de absoluta calamidade? Este próprio Observatório já publicou matéria dando conta dessa situação. Será que Gabriel nunca ouviu falar no movimento SOS Salve a TV Minas? Aos governos tucanos não vale a argumentação da falta de tempo para se resolver de vez a situação da emissora. Doze anos se passaram desde o primeiro governo tucano em Minas (e 10 desde a minha demissão). Igualmente não se sustenta o argumento da falta de recursos, especialmente quando nesse mesmo período foi construída a Cidade Administrativa (que custou aos cofres públicos aproximadamente R$ 2 bilhões).

Lamentavelmente em todo o país jornalistas estão sendo demitidos de inúmeros veículos, por razões variadas, envolvendo desde a má gestão (prejuízos) que há décadas caracteriza a mídia impressa, até por atos de censura mesmo. Sempre estive e estarei contra qualquer forma de intimidação e de tentativa de calar meus colegas jornalistas, sejam eles articulistas como Maria Rita Kehl, demitida do Estado de S. Paulo por defender o Programa Bolsa Família (que tive o orgulho de assessorar), sejam eles João Paulo Cunha ou Aloísio Morais, dos jornais Estado de Minas e Hoje em Dia, ou mesmo o empresário Marco Aurélio Carone, cujo site de notícias Novojornal foi empastelado e ele preso por nove meses, sem acusação formal – curiosamente, preso nos nove meses que antecederam às eleições de 2014.

Qual o crime de Marco Aurélio? Publicar denúncias contra desmandos dos governos tucanos em Minas Gerais, denúncias que a mídia de outros estados, como a revista CartaCapital, publicou sem sofrer nenhum constrangimento legal! Como graduado em Jornalismo, Direito e também professor de Direito Constitucional (a propósito, em qual instituição?), é estranho que Gabriel não tenha se indignado contra estes absurdos. Não acredito que em seu curso de Direito Gabriel tenha aprendido a desrespeitar a Constituição Brasileira. Pelo visto, sua indignação é seletiva e leva em conta apenas o partido político pelo qual tem simpatia ou pertence.

Fico igualmente preocupada com as tentativas de manipulação do artigo que escrevi e mesmo quanto à pouca informação de Gabriel no que diz respeito à ética e compromisso do jornalista. No que se refere ao trabalho do colega João Paulo Cunha, todos que acompanharam minimamente a sua atuação à frente da editoria de Cultura do jornal Estado de Minas e do suplemente “Pensar”, sabem como ele lutou para preservar aquele espaço das pressões diuturnas que recebia. Lutou até não ter mais condições de lá permanecer. Quanto ao colega Aloísio Morais, o seu “crime”, aos olhos da direção da empresa e pelo visto, aos olhos também de Gabriel, foi ter compartilhado em sua página do Facebook, crítica do professor aposentado do Departamento de Comunicação Social da UFMG Paulo Saturnino Figueiredo sobre a parcialidade das pesquisas que estavam sendo publicadas pelo jornal Hoje Em Dia. Detalhe: críticas muito mais duras experimentou o próprio jornal Hoje Em Dia ao postar em sua página do Facebook matéria sobre estas mesmas pesquisas.

A própria brincadeira que Gabriel publica, dando conta que “seria impensável alguém imaginar o William Bonner criticando o Jornal Nacional, em sua página pessoal do Facebook, durante o horário de trabalho e utilizando equipamentos da própria empresa em que trabalha” serve para dimensionar o tamanho do seu desconhecimento sobre mecanismos de análise e regulação democrática da mídia (que todos os conservadores e seus aliados insistem maliciosamente em tachar como censura). Em países como Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Canadá, Portugal, Japão e França, onde a mídia já se acostumou com a presença de ombudsman em suas redações, estes profissionais (jornalistas e advogados) são pagos para, exatamente, criticar, durante o horário de trabalho, com os equipamentos da publicação, o trabalho realizado pelo veículo que os contrata, bem como o de colegas e profissionais que nele atuam.

Cláusula de consciência

Indo um pouco mais além, é importante lembrar a “cláusula de consciência”, instrumento que permite ao jornalista, em publicações como o espanhol El País, invocá-la para não cumprir uma pauta que vá contra seus princípios ou com a qual tenha divergências. Se tivéssemos cláusula de consciência na mídia brasileira, tenho certeza que dezenas de colegas a invocariam diariamente, evitando o desgaste e o drama de divulgar algo com o qual não concordam e, mais grave ainda, em muitos casos sabem não possuir a menor relação com os fatos.

Estas realidades escapam a Gabriel, que faz jus ao ambiente abafado que viveu Minas Gerais na última década, onde o compromisso com a verdade foi substituído pelo puxa-saquismo aos poderosos de plantão e pelo provincianismo ao acreditar que o mundo começa e termina na lealdade a “chefes” políticos. Lealdade, é bom que se diga, muitas vezes interessada. Afinal, se conheci jovens bem intencionados e idealistas na Juventude Tucana, igualmente percebi a existência de tantos outros sempre prontos a tentar seus três minutos de glória, na maioria das vezes sonhando com um cargo de vereador em alguma cidade do interior de Minas. Se for este último o caso de Gabriel, sinceramente espero que ele, por ser jovem, ainda possa ter recuperação.

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Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG