Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os perigos do falso equilíbrio no jornalismo

Na lista dos assuntos com que os leitores do New York Times mais se preocupam, o falso equilíbrio encontra-se, sem dúvida, entre os dez primeiros. Poderia até ser incluído entre os três primeiros, logo depois de equidade e exatidão.

No passado, esta discussão já surgiu a propósito de assuntos como ensinar a evolução, a realidade das mudanças climáticas e se as fraudes eleitorais se disseminaram a ponto de exigir uma “reforma” que iria inibir o direito ao voto. (Num breve resumo: a evolução aconteceu; as mudanças climáticas estão acontecendo; e não há provas concretas de fraude eleitoral.)

No momento, os leitores que se queixam de um falso equilíbrio – aqueles artigos que, citando “peso igual para ambos os lados”, não reconhecem claramente verdades estabelecidas – têm um novo alvo: a cobertura das vacinas infantis depois de um recente surto de sarampo [nos EUA].

Ouvi alguns leitores que acreditam que, nas últimas semanas, o Times ficou devendo sobre este assunto. Uma das reclamações é de que as matérias dão demasiada atenção – uma plataforma – àqueles que não acreditam em vacinas, inclusive pais que resistem a vacinar seus filhos.

Cada matéria termina em si própria

Sarah Warning escreveu: “Na medida em que o New York Times continue a usar a palavra ‘debate’ nesse tipo de matéria, e dando credibilidade ao outro lado, supostamente em nome do ‘equilíbrio’, então vocês são parte do problema!”

E o médico Michael Lockshin, de Nova York, escreveu: “Se o Times aceita que seu dever é informar os leitores, então a apresentação anódina das opiniões das pessoas, sem referência a fatos subjacentes, torna-se inútil, e mesmo prejudicial.”

O jornal deu um passo importante, na semana passada, com a publicação de uma matéria de perguntas e respostas na seção Ciência, escrita por Denise Grady, que cobre saúde e medicina. Descreveu os fatos em termos objetivos, e em profundidade.

E como essa cobertura faz sentido? Reli as matérias e explorei o assunto com alguns editores e repórteres do Times. Barbara Strauch, editora de Ciência, disse-me que, em primeiro lugar, estava preocupada com os perigos do falso equilíbrio e discutiu o assunto com outros jornalistas do Times. Em um dos casos, ela pediu a Denise Grady que enviasse um parágrafo, com uma declaração clara, para inclusão numa matéria em que outra editoria estava trabalhando. “No geral”, disse ela, “acho que a nossa cobertura foi boa. Talvez devêssemos ter feito antes uma matéria de perguntas e respostas. Mas é uma coisa estabelecida, em termos de ciência, e escrevemos sobre o assunto muitas, muitas vezes.”

Um problema que existe, hoje em dia, é que poucos leitores leem todas as matérias ou acompanham todas as que darão seguimento ao assunto. Isso significa que cada matéria termina em si própria.

Transmitir opiniões não é endossá-las

E se uma matéria de primeira página provocasse uma enorme reação – mais de dois mil comentários – e tivesse como foco os críticos da vacina? Alguns disseram que isso seria levar os “negadores da vacina” demasiadamente a sério e quase os enquadravam no que Sarah Warning chamou “pessoas que vêm com umas ideias malucas sobre invasões de alienígenas” etc.

A seu favor, o segundo parágrafo da matéria abordou o problema de maneira clara, lembrando aos leitores que o sarampo fora “declarado erradicado há 15 anos, antes que um número estatisticamente significativo de pais começasse a se recusar a vacinar seus filhos”. Também a incluía a seguinte frase: “O movimento anti-vacina pode ser localizado, em grande parte, numa reportagem de 1998, publicada numa revista médica, que sugeria um vínculo entre as vacinas e o autismo, mas que posteriormente foi provado tratar-se de uma fraude e a publicação retratou-se.”

Jack Healy, que compartilhou o crédito da matéria em questão com Michael Paulson, disse-me, num e-mail, que os repórteres estavam tentando dar aos leitores uma percepção para as decisões e vidas de pessoas que estavam no centro de uma grande matéria. “É claro que isso significa falar com elas”, escreveu, “mostrando-lhes um pouco daquilo em que acreditam, por que fazem o que fazem e pedindo-lhes que contassem suas histórias e manifestassem suas opiniões.” Mas transmitir opiniões não é endossá-las, disse ele. É “somente jornalismo”.

A afirmação clara de uma verdade estabelecida

A matéria era importante e ajudou os leitores a compreender as personagens centrais. Porém, por estar escrita num tom simpático, talvez fosse bom se a expressão “ciência estabelecida” tivesse maior ênfase.

O vínculo sem credibilidade entre vacinas e autismo nem sempre ficou claro em todas as matérias. Nicholas Smith, um leitor de Richmond, no estado da Virgínia, sustenta que toda a cobertura de vacinas que mencione o autismo, ainda que de passagem, deveria frisar, inequivocamente, que o receio do autismo “não se baseia em prova científica alguma”.

Apesar destas preocupações válidas, a cobertura foi em grande parte sólida, ainda que imperfeita. (Uma matéria política, publicada na semana passada, deu um tropeço ruim ao sugerir que o presidente Obama concordava com o pessoal anti-vacina; na realidade, ele tem dado claramente seu apoio à vacinação. Foi corrigido.)

Philip B. Corbett, editor de padrões do Times, disse-me que, em geral, os jornalistas fazem o possível para evitar o falso equilíbrio. Não emitiu regras sobre o assunto porque, disse ele, “tenho o cuidado de emitir uma linguagem compulsória. Normalmente, essa não é uma boa abordagem”. Disse ainda que os “ferozes lembretes” de comentários de leitores e nas plataformas sociais, como o Twitter, reforçaram a necessidade de ser cauteloso. Os repórteres, acrescentou, em particular os que são especialistas em suas áreas, “são muito conscientes dos poços” e eficientes ao incluírem informações factuais de bastidores.

A afirmação clara de uma verdade estabelecida – embora possa parecer repetitiva e desnecessária – é uma necessidade, principalmente em temas tão polêmicos e importantes quanto a saúde pública. É uma das melhores maneiras de se evitar o “ele disse, ela disse” nas reportagens, que os leitores compreensivelmente detestam.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times