Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dúvidas sobre o futuro da informação

Uma realidade em que anos de registros pessoais em CDs, HDs e pen drives estejam perdidos na História, fora do alcance dos nossos desejos e, principalmente, da tecnologia. O cenário descrito pode parecer parte de um futuro apocalíptico de ficção, mas, de acordo com o americano Vint Cerf, trata-se de uma possibilidade real a ser temida. Considerado um dos pais da internet, o engenheiro disse recentemente se preocupar com uma “idade das trevas digital”, em que gerações futuras disponham de pouco ou nenhum registro do século 21 à medida que hardwares e softwares, atuais e ultrapassados, tornem-se obsoletos.

Ainda que especialistas em ciência da informação vejam um certo exagero na declaração de Cerf, eles tendem a concordar que a preservação de dados diante do avanço tecnológico é, de fato, um desafio constante e real, porém cuja solução pode estar na computação em nuvem e no uso de formatos abertos – tais como jpeg, xml e odt. “Eu me preocupo muito com isso”, disse o veterano da internet, hoje vice-presidente do Google, em entrevista à BBC. “Velhos formatos de documentos que criamos ou apresentações podem não ser lidos por novas versões de software, porque a compatibilidade retroativa nem sempre está garantida. E então o que pode acontecer com o tempo é que, mesmo que acumulemos grandes quantidades de arquivos e conteúdos digitais, nós não possamos saber do que eles se tratam.”

Assim, o receio do americano não diz respeito somente ao fato de as mídias físicas se tornarem defasadas, mas também à possibilidade de formatos de arquivos digitais utilizados hoje necessitarem de softwares específicos para serem acessados – os quais, da mesma forma que disquetes e CDs, podem deixar de existir.

Visão exagerada?

Apesar de considerar um certo exagero a expressão “idade das trevas digital” apontada por Cerf, a professora Noemi Rodriguez, do Departamento de Informática da PUC-Rio, reconhece que a possibilidade de perda de arquivos atuais no futuro é real, e uma preocupação corrente entre os cientistas da informação. A questão, inclusive, não é inédita. “A preservação de registros, digitais ou analógicos, é um desafio enfrentado pelas sociedades desde o início dos tempos. No entanto, as mídias digitais criam uma ilusão de permanência que pode ser perigosa. Documentos físicos muitas vezes se preservam por mais tempo do que se imagina, enquanto arquivos em mídias digitais, inicialmente tidos como a solução para a preservação de dados, correm o perigo da obsolescência”, afirma Rodriguez.

Como exemplo de formatos digitais em mídias físicas que se tornaram obsoletas, a professora menciona os discos flexíveis utilizados nas décadas de 1970 e 1980: “Recentemente, um amigo estava se queixando de sua dissertação de mestrado ‘perdida’ em um disco de oito polegadas. As mídias físicas de armazenamento envelhecem rapidamente, e torna-se muito difícil para o usuário comum encontrar dispositivos que ainda leiam as informações guardadas.”

Para ela, o usuário comum é o mais afetado pelo fenômeno, já que ele acaba ficando à mercê das promessas de compatibilidade e durabilidade dos serviços e programas que lhes são vendidos, e também por ter acesso mais dificultado a dispositivos raros e obsoletos, como uma leitora de discos de oito polegadas.

Coordenador da Rede Brasileira de Serviços de Preservação Digital (Cariana), do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Miguel Ángel Arellano também afirma que a preservação de nossos registros para gerações futuras é um desafio constante na História humana: “A preocupação de Cerf é legítima e compartilhada pelos profissionais da ciência da informação. Porém, a minha percepção é menos pessimista, até porque atualmente já existem ferramentas tecnológicas e iniciativas voltadas para a recuperação de informações digitais.”

Para Arellano, o grande desafio é fazer com que empresas, entidades e até usuários estabeleçam uma consciência de que o formato digital não é eterno. “É preciso haver uma política de informação nas entidades para que os dados sejam atualizados quanto ao seu suporte, e se mantenham em formatos acessíveis por ferramentas recentes”, afirma ele. “Essa é uma preocupação que até os usuários comuns podem ter até certa medida, com os seus próprios arquivos.”

Solução possível na nuvem

Diante do seu receio, Cerf diz que vem provendo a ideia da necessidade de preservação de cada software e hardware, de maneira que eles nunca fiquem obsoletos – semelhante à forma como museus fazem com objetos, mas em um formato inteiramente digital, na nuvem.

A solução, segundo ele, é “tirar uma fotografia” do conteúdo digital, da sua aplicação e do sistema operacional juntos, com uma descrição do hardware, e preservar tudo isso. “Essa fotografia vai recriar o passado no futuro”, disse o americano à BBC.

Fundador e diretor executivo da companhia BigData Corp, especializada na automação de bens de informação, Thoran Rodrigues acredita que parte da solução do problema mencionado pelo vice-presidente do Google pode estar na combinação de armazenamento na nuvem e uso de padrões abertos de formatos de arquivos – ou seja, padrões livremente documentados e disseminados. “A partir do momento em que você tem os arquivos armazenados na nuvem, onde o uso pode ser feito de qualquer lugar, não temos mais o problema do meio de acesso. E com a disseminação e adoção dos formatos abertos, a forma de abrir esses arquivos também é solucionada”, afirma ele.

O executivo, porém, faz uma ressalva quanto à nuvem digital: “O único problema está no fato de que, hoje, essa não é uma solução totalmente viável por um problema de infraestrutura: há muitos lugares onde, por exemplo, a conectividade é ruim. E como você precisa dela para acessar os serviços na nuvem…”

Volume de dados: problema maior

Gerente de contas corporativas da EMC, multinacional especializada em big data, Carlos Coneglian diz reconhecer o desafio do armazenamento e preservação de informação frente às mudanças de suportes e tecnologias. Porém, para ele, os nossos problemas futuros podem não ter tanto a ver com o acesso a dados passados, mas com o volume dessas informações: “Há um grande problema quanto à classificação e catalogação da imensa quantidade de informação que é gerada hoje, de forma rápida, para uso em contexto pontual. Talvez as pessoas tenham acesso aos dados, mas não o seu controle. É algo a que as empresas já estão atentas, mas o usuário comum não.”

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Thiago Jansen, do Globo.com