Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A delicada relação entre ONGs e jornalistas

“É um desafio permanente”, diz a assessora de imprensa da organização Médicos Sem Fronteiras, Sophie Madden, sobre a delicada relação entre jornalistas e ONGs. Sophie passou boa parte de 2014 tentando convencer jornalistas a fazer a cobertura do vírus Ebola. “Nós já refletíamos sobre o Ebola há bastante tempo, muito antes que os jornalistas tomassem consciência disso”, lembra.

Foram divulgados comunicados de imprensa, foram oferecidas entrevistas, mas poucos repórteres morderam a isca. Como explica ela, uma combinação de fatores – que incluía os riscos de ter que se enviar correspondentes a um país distante e dessa região estar contaminada por um misterioso vírus letal – fazia com que os editores resistissem a cobrir a pauta.

Tudo isso mudou em agosto, quando o vírus já tinha matado mais de mil pessoas e os médicos da ONG na Libéria viram-se obrigados a negar o atendimento a pacientes à beira da morte, uma vez que os centros de tratamento estavam lotados.

“Um fator que talvez tenha contribuído para o crescente interesse por parte da mídia foi a Organização Mundial de Saúde ter reconhecido que o surto do Ebola atingira o nível de crise. Revelador, no entanto, foi o momento crítico em que os ocidentais começaram a ser infectados”, argumenta Sophie. “Foi quando começaram a surgir histórias de missionários, médicos ou enfermeiros ocidentais contraindo o vírus que aumentou o interesse da mídia.”

Farpas e alfinetadas

O exemplo dado por Sophie sobre o Ebola na África reflete a relação complicada entre a imprensa e as organizações não governamentais. Um relatório divulgado recentemente no Reino Unido sobre esta relação detalha uma tendência crescente de parte da mídia britânica em manter uma visão crítica das ONGs e de seu trabalho.

Enquanto jornalistas descrevem a atuação das ONGs como um “modelo obsoleto e simplista”, funcionários destas organizações alegam que os profissionais de imprensa nem sempre são as pessoas mais fáceis ou sensíveis em seu trabalho. Numa mensagem pelo Twitter, um assessor de imprensa ironizou a atuação dos repórteres em busca de personagens para suas matérias: “Nunca me peça para ‘encontrar uma menina jovem que tenha sido estuprada, mas uma bonita, sabe como é? E com menos de 15 anos.’”

Jornalistas de veículos como BBC, Daily Mail e Sunday Times acusam as ONGs de darem pouca atenção às pessoas que estão na linha de frente de zonas de conflito e de priorizarem os campos de refugiados, relativamente mais seguros – assim como de exagerarem o nível dos desastres para conseguir mais dinheiro dos doadores.

Tim Miller, ex-editor da Sky News, pede um exame maior e mais profundo sobre as ONGs que usam doações. “O ponto mais baixo a que chegou a atividade das ONGs foi o tsunami de 2005, quando se tornou evidente que fora arrecadado dinheiro para agências de ajuda e ninguém sabia para onde o dinheiro havia ido”, alerta.

O jornalista freelancer Ian Birrell, que reporta para jornais como Daily Mail e Guardian, é considerado “um dos mais consistentes e rigorosos críticos das ONGs e dos programas de ajuda ao desenvolvimento em geral”. Para Birrel, as ONGs ajudam a divulgar uma imagem “fraudulenta” da África como um lugar de pobreza e dificuldades inimagináveis.

A crítica da simplificação dos temas vale para os dois lados. “Uma boa parte das reportagens feitas sobre agências de ajuda ao desenvolvimento parece oscilar entre dois extremos: de ‘este dinheiro está sendo desperdiçado e deveria haver um ponto final’ a ‘este dinheiro está sendo empregado de uma maneira que está fazendo maravilhas por pessoas agradecidas nos países que o recebem’, com muito pouco espaço entre eles para uma análise mais sutil, que é necessária”, destaca Kevin Smith, assessor de imprensa da organização Global Justice Now.

Relação vital

“Sem dúvida alguma, há pessoas que trabalham nas agências de ajuda que tratam os jornalistas com desprezo, citando sensacionalismo ou superficialismo”, diz o jornalista Andrew Hogg, responsável pela comunicação na ONG Ajuda Cristã. “A verdade é que precisamos uns dos outros. Às vezes, a relação pode ser difícil, mas é mutuamente benéfica. Os jornalistas querem acesso a histórias e relatórios em primeira mão que as agências podem fornecer, enquanto as agências querem chamar a atenção para questões com que se preocupam, assim como para a promoção de seu trabalho.”

Esther Agbarakwe, da Associação para Saúde Reprodutiva e Família, concorda. “Os jornalistas são fundamentais para qualquer intervenção bem-sucedida”, afirma, lembrando que, acima de tudo, os jornalistas são aliados potencialmente vitais para divulgar as questões junto ao público. “Precisamos da mídia, em seu papel de quarto poder, para compartilhar mensagens sobre questões ou crises importantes que são subestimadas nas reportagens, para incentivar os líderes mundiais a adotarem compromissos positivos para aliviar a pobreza e torná-los responsáveis por esses compromissos.”