Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Perda de profissionais antecipa reformulação da editoria de mídia

Na opinião de Dean Baquet, editor-executivo do New York Times, há algumas áreas em que a cobertura do jornal deve ser simplesmente excelente. O noticiário internacional é uma delas; a resenha literária, segundo ele, é outra – na realidade, a cultura em geral. Ele também mencionou a segurança nacional e as reportagens sobre mercado de capitais (e eu acrescentaria moda a essa miscelânea).

E a mídia é outro assunto que o Times deve dominar. De maneira inexpugnável. “A cobertura da mídia é a essência para nós”, disse-me Baquet na semana passada. “É uma grande parte de nossa identidade e não podemos vacilar. Historicamente, é um assunto em que sempre fomos muito bons e está no nosso quintal.” (Como disse recentemente Paul Farhi, do Washington Post, “a mídia está para Manhattan como o vinho está para Bordeaux”.)

Mas a editoria de mídia do Times vem atravessando um processo de mudança há algum tempo. Primeiramente, alguns grandes talentos – inclusive Brian Stelter – deixaram o jornal ou assumiram outras funções. Depois, mais recentemente, outros também saíram, após um período de compra de ações da empresa e demissões, o que inclui nomes importantes, como Bill Carter, repórter de televisão, e Stuart Elliott, colunista de publicidade. Depois veio o pior de tudo: a súbita morte do colunista de mídia do Times, David Carr, no dia 12 de fevereiro.

Uma reformulação da editoria de mídia já fazia parte dos planos de Dean Baquet e de outros editores. Mas agora tornou-se a principal prioridade. Poucos dias antes de David Carr morrer, ocorreram dois casos importantes na TV. O âncora da NBC Brian Williams saiu do ar depois da falsa afirmação de que estava a bordo de um helicóptero que foi derrubado no Iraque. E Jon Stewart anunciou sua saída do programa The Daily Show, no canal por assinatura Comedy Central.

“Você não sai por aí criando uma estrela”

A certa altura, ambas as matérias eram as principais na primeira página do Times, com repórteres – alguns tomados emprestados de outros departamentos – e editores lutando contra o prazo final do fechamento. No Twitter, minha observação irônica sobre aquele momento infeliz da ausência de Bill Carter e da falta de pessoal provocou uma repreensão de David Carr. Elogiando uma matéria de Emily Steel sobre os esquemas de reconstrução da NBC, ele enviou uma mensagem pelo Twitter dizendo que esperava que ajudasse a satisfazer minhas “necessidades de informação”. Na realidade, a cobertura de ambas as matérias foi forte.

E agora? Com a morte de David Carr, o Times não só tem que preencher a editoria de mídia, como também pensar em como substituir uma de suas principais estrelas. (Um aparte: seria a atenção prestada pelo Times à morte de Carr um pouco além do que se poderia esperar, até incluindo uma “última coluna“ póstuma, construída a partir de seu programa de estudos na universidade, com um crédito fantasmagórico que dizia “com David Carr”? A proporção de cobertura dada levanta a questão do que acontecerá quando morrer o Dalai Lama – é claro que eu própria sou culpada de me juntar aos “aleluias”.)

Peter Lattman disse-me que se orgulha de três contratações que fez no ano passado, pouco depois de ter sido nomeado editor de mídia, no final de 2013: Alexandra Alter, que veio do Wall Street Journal e cobre a indústria editorial; Jonathan Mahler, que veio da Bloomberg e cobre grandes empresas de mídia; e Emily Steel, que veio do Financial Times e foi destacada para cobrir televisão. Ele também destacou a cobertura que o Times fez da história sobre a invasão do sistema da Sony por hackers, em particular o trabalho dos repórteres Brooks Barnes e Michael Cieply.

Agora, depois dos cortes feitos na redação, quando o número de repórteres e editores de mídia diminuiu em mais de um terço (antes, era de 16), o Times espera transferir alguns repórteres de outros departamentos para a editoria de mídia e destacar um novo repórter para a área de TV. Essas medidas talvez ocorram ainda esta semana.

Quanto à substituição de David Carr, os editores do Times – inclusive Dean Murphy, editor de negócios – disseram que a questão deve ser abordada de uma maneira realista. “Você não sai por aí criando uma estrela”, disse-me Dean Baquet. “Se o fizer, acaba escolhendo alguém pelos motivos errados.”

Provavelmente, acontecerão boas coisas

Na realidade, o sucesso de David Carr não era inteiramente previsto. Ocorreu, em parte, devido ao seu talento e ao seu instinto inesgotável; e também porque o assunto que passou a cobrir – uma mudança monumental, em termos de jornalismo – tornou-se “uma das grandes pautas de nossa época”.

Dois dias antes de morrer, David Carr parou em meu escritório para bater um papo e falamos sobre a riqueza implacável de seu ritmo: um gigante da notícia. O assunto global – a transformação digital da mídia e seu enorme efeito sobre pessoas, personalidades, cobertura do noticiário e o resultado final – nunca terminava. Despediu-se dizendo que adorava podcasts e pretendia se envolver mais.

Como disse Dean Baquet: “Às vezes, as pessoas se esquecem que ele escrevia uma coluna de negócios. E os negócios estão num enorme tumulto.” Substituir David Carr “não é algo que se possa fazer da noite para o dia. É difícil acompanhar o seu ritmo”.

Um leitor, Larry Thaden, escreveu-me refletindo esse sentimento. Seu calendário tem um lembrete para, às 6 horas da manhã de toda segunda-feira, ler a coluna “The Media Equation”, de Carr. Ele não pretende apagá-lo: “Vou guardá-lo para lembrar o que todos estamos perdendo, agora que ele se foi.”

Para Peter Lattman, há uma analogia na forma pela qual o colunista viu a saída de Jon Stewart do canal Comedy Central – último texto escrito por Carr. “Quando perguntaram a David, numa entrevista na televisão, quem deveria substituir Jon Stewart, ele disse que não via Stewart como uma pessoa ‘especificamente substituível’. É isso que eu sinto em relação ao próprio David.”

À medida que a cobertura de mídia do Times prosseguir, uma nova estrela – ou novas estrelas – pode vir à tona. Isso não é apenas imprevisível; até certo ponto, está nas mãos dos editores.

Tudo o que têm a fazer é colocar as melhores pessoas numa determinada posição e deixá-las fazer seu trabalho. Muito provavelmente acontecerão boas coisas. Afinal, a pauta sobre a transformação que ocorre na Grande Mídia não vai desaparecer.

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times