Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma charge de 8 anos continua a enfurecer

Quanto tempo demora para a cólera de um extremista violento se dissipar? Os atentados em Copenhague, no sábado, começaram num evento sobre liberdade de expressão do qual participava o caricaturista sueco Lars Vilks, que há oito anos fez uma charge de Maomé com corpo de um cão. O suspeito pelo ataque foi morto pela polícia na manhã de domingo. Foi identificado, mas as autoridades não forneceram seu nome, dizendo somente que era um jovem de 22 anos nascido na Dinamarca, com histórico de violência, envolvido com gangues – o que significa que ele tinha 14 anos quando Vilks publicou sua charge.

O fanatismo, ao que parece, tem boa memória. E isso quer dizer que aqueles que ofendem fanáticos podem ser alvo de rancor durante uma década ou mais. Vilks sabe disso bem: desde que sua charge apareceu no jornal sueco Nerikes Allehanda, em 2007, ele recebeu inúmeras ameaças de morte, incluindo um prêmio de US$ 100 mil por sua cabeça oferecido pela Al-Qaeda. Ele diz que até hoje dorme com um machado ao lado.

Vilks, de 68 anos, era um dos palestrantes no debate Arte, blasfêmia e liberdade de expressão. Foi retirado do local por seus guarda-costas quando começou o tiroteio, ileso. Disse à Associated Press que, na sua opinião, era o alvo do tiroteio. “Qual seria o outro motivo? É possível que o ataque tenha sido inspirado no que ocorreu com o Charlie Hebdo”, afirmou, referindo-se ao atentado contra o semanário francês.

Vilks não é o único a receber ameaças. “Em quase metade dos países deste mundo, jornalistas e blogueiros se deparam com censuras em nome de religiões, profetas ou Deus”, afirma um estudo dos Repórteres sem Fronteiras. “Se um artigo sobre religião é considerado ofensivo ou uma violação de ‘padrões morais’, as consequências podem ser drásticas para o autor. Em países onde as leis são tão severas a ponto de contemplar a pena de morte, provedores de informações e notícias fazem autocensura durante anos.”

“Práticas tribais”

Usando o autor Salman Rushdie – que se esconde em virtude da publicação dos seus Versos Satânicos, em 1988 – como princípio básico e os oito anos de Vilks como alvo em razão da sua charge podemos criar um grupo de dados da meia-vida de uma transgressão.

Rushdie viveu oculto durante mais de uma década sob o pseudônimo Joseph Anton (em memória a Anton Chekhov), de acordo com uma entrevista que concedeu à revista Der Spiegel, em 2012, depois de o aiatolá Khomeini, do Irã, emitir uma fatwa (ordem islâmica) exigindo a morte do autor. “A religião, uma forma medieval de irracionalidade, quando combinada com armamentos modernos torna-se uma ameaça real às nossas liberdades. Esse totalitarismo religioso provocou uma mutação letal no coração do Islã e vimos as trágicas consequências em Paris, hoje”, disse Rushdie num comunicado enviado ao Christian Science Monitor após os ataques de janeiro.

O professor Kerry Soper, da Brigham Young University, especialista em história da comédia e da sátira em vários meios de comunicação, disse que alertaria todo cartunista que esteja pensando nesse tipo de sátira. “Esse tipo de sátira é tão volátil por natureza que é quase radioativa. É um processo muito complicado fazer sátira política”, disse o professor, que publicou um livro sobre o cartunista político Gary Trudeau.

Heidi Brooks, professora de estudos da religião no Iona College, em Nova York, disse que, “isso não é somente islâmico por natureza”. “É regional. Remonta às práticas tribais beduínas que o profeta Maomé tentou eliminar. Segundo tais práticas, se o seu rosto está manchado, você deve continuar a retaliar até a vergonha ou a culpa desaparecer”, afirmou a professora.

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Lisa Suhay é jornalista