Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O humor que irrita o governo

A cerimônia com a participação do general Guillermo Rodríguez Lara, o ditador que governou o Equador durante a primeira metade da década de 1970, tinha acabado quando o jornalista Gonzalo Bonilla, durante o coquetel, começou a contar uma série de piadas sobre militares a alguns de seus colegas: “Você está ficando fora de controle”, avisou um deles, sem sucesso. “General”, perguntou Bonilla ao ditador, “Não é verdade que o senhor gosta de piadas sobre militares?” “É verdade”, respondeu Rodríguez Lara com relutância. “Está vendo? Eu te disse”, falou Bonilla a seus amigos jornalistas, “o problema é quando tenho que explicá-las a eles”. O caso, relembrado aos risos por seu filho, Xavier Bonilla, o Bonil, deixa claro como a relação entre humor e poder marcou a vida do caricaturista mais incômodo para o governo do Equador.

A Superintendência de Informação e Comunicação (Supercom), um órgão criado depois que o governo de Rafael Correa aprovou a Lei de Comunicação Orgânica, em 2013, alertou Bonil na semana passada por uma vinheta na qual criticou a preparação de um deputado afro-equatoriano a que travou durante a leitura de um discurso na Assembleia Nacional. O Supercom ordenou que Bonil “corrigisse e melhorasse suas práticas para o exercício pleno e eficaz dos direitos de comunicação”, enquanto o jornal “El Universo” obrigou-o a publicar um pedido de desculpas em sua edição impressa e no site por sete dias, como uma tarja preta gigantesca.

– Em toda a minha vida profissional tenho estado do lado da defesa dos direitos, coletivos e individuais. Hoje eu receber uma sanção por a discriminação e fico com os olhos arregalados –lamenta Bonilla, em Quito, que diz estar “um pouco cansado pessoal e emocionalmente”. – É incrível que me acusem de racismo, se meu pai era conhecido como “El Negro”!

O cartunista, prestes a completar 51 anos de idade e 30 de profissão cresceu com as vinhetas de Chumy Chúmez e Forges; cópias de “Hermano Lobo” e “Charlie Hebdo” que seu pai, que viveu em Paris por um curto espaço de tempo nos anos 1970 levava ao Equador.

– Eles me fizeram ver que o humor era uma maneira de falar sobre o que nos deixa infelizes – afirma.

As disputas de Bonil e do “Universo” com Rafael Correa vêm se repetindo ao longo dos anos. Em janeiro de 2013, Correa e seu companheiro de chapa, Jorge Glas, enviaram uma carta ao “Universo” na qual criticavam uma vinheta de Bonil e exigiam seu direito de resposta no mesmo espaço. Mas o jornal, de Guayaquil, cidade natal do presidente, publicou a carta na íntegra em outra seção, a de Opinião, o que irritou o presidente. Em fevereiro do ano passado, Bonil foi a primeira vítima da lei de imprensa, aprovada em junho de 2013. O Supercom obrigou-o a corrigir uma vinheta sobre o ataque à casa do jornalista Fernando Villavicencio, assessor de um deputado da oposição, considerando que não correspondia “à realidade dos fatos e estigmatizava a ação do Ministério Público e da Polícia Judiciária”. O artista obedeceu a ordem, mas ninguém esperava que ele usasse o recurso ao humor na retificação. Uma piada de mau gosto para o poder. Embora desta vez a sanção tenha sido menor, Bonil acredita que o aviso é como “uma espada de Dâmocles” cravada em seu corpo para que ele seja controlado ou assustado.

“Erva daninha”

O desenhista nega ter uma fixação por Correa e recorda que uma das primeiras obras publicadas em um grande veículo foi uma caricatura de um funcionário do Executivo de Febres-Cordero, “o grande representante da direita, que liderou um governo repressivo, ainda que Executivo atual o cite como um exemplo do que se opõe a eles”. Sim, Bonil admite que Correa é o líder que mais desenhou, “simplesmente porque é quem está há mais tempo no poder”, desde que venceu sua primeira eleição em 2006.

Correa sempre foi criticado pelo controle que pretende exercer sobre a imprensa, o que piorou após a aprovação da lei de mídia em 2013. A Fundação Andina para a Observação e Estudo de Mídias (Fundamedios) denunciou, no ano passado, 254 ataques à liberdade de expressão, a partir de decisões judiciais arbitrárias, agressões verbais ou abusos de poder, um aumento de 46% em relação a 2013.

O secretário nacional de Comunicação, Fernando Alvarado, disse em uma entrevista em 2012, que os meios de comunicação “são como uma erva daninha a ser extirpada”. O próprio Correa não conseguiu ficar alheio ao processo contra Bonil. Um dia após a conclusão da audiência contra o cartunista, o presidente deixou clara a sua opinião no Twitter: “Processo de negros contra Bonil: que bom que temos debates sobre estas questões! Antes os humoristas fazia o que quisessem”.