Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Brasileiros e alemães são os mais preocupados com espionagem

Uma pesquisa inédita realizada pela Anistia Internacional aponta que brasileiros e alemães são os povos mais preocupados com o programa de vigilância promovido pelos EUA. O estudo, divulgado nesta terça-feira, entrevistou mais de 15 mil pessoas em 13 países, e mostra que, no Brasil, a espionagem americana é rejeitada por 80% dos entrevistados, enquanto na Alemanha o índice chega a 81%. Para especialistas, o resultado é reflexo das denúncias feitas em 2013 por Edward Snowden, de que altos escalões dos governos dos dois países, incluindo a presidente Dilma Rousseff e a chanceler Angela Merkel, tiveram suas comunicações bisbilhotadas por agências de inteligência.

“Os dois países estiveram no coração das denúncias que envolveram a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA). A repercussão na opinião pública, tanto aqui como lá, foi muito maior”, diz Maurício Santoro, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional. “Não por acaso, os dois governos encabeçaram os trabalhos nas Nações Unidas para a aprovação de resolução que garantia a privacidade online.”

Em média, 71% dos entrevistados de 12 países (os EUA foram excluídos nesta pergunta) reprovaram o programa de espionagem americana. A pesquisa também mostra que a população está preocupada com o monitoramento interno, com 59% dos respondentes sendo contra programas de vigilância de governos contra seus cidadãos, sendo que alemães (69%), espanhóis (67%) e brasileiros (65%) lideram a lista. Interessante notar que no Reino Unido e na França, que ainda se recupera do trauma do ataque contra a redação da revista Charlie Hebdo, apenas 44% são contrários à espionagem interna.

Panorama muda quando alvo são estrangeiros

Mas se existe a reprovação da vigilância de países contra seus cidadãos, o mesmo não acontece quando o alvo são estrangeiros. Em apenas cinco dos 13 países pesquisados o percentual de entrevistados que disse ser contra foi maior dos que são favoráveis. Filipinos (56%), britânicos (55%) e franceses (54%) são os que mais aprovam a espionagem contra estrangeiros. “A pesquisa mostra que nos EUA e em países da Europa existe o medo do estrangeiro”, diz Santoro. “É o temor de estarem ligados ao terrorismo, serem imigrantes ilegais, que acaba tornando essa população alvo de discriminação.”

Os brasileiros também foram os mais taxativos na afirmação de que as empresas de tecnologia devem proteger as comunicações para evitar que governos tenham acesso aos dados. Por aqui, 78% dos entrevistados concordaram com a afirmação, seguidos por sul-africanos (71%) e filipinos (70%).

Em junho de 2013, Snowden, ex-agente da NSA, revelou a existência de um programa global de espionagem em massa conduzido pela aliança Five Eyes (Cinco Olhos, em tradução livre), composta por agências de inteligência dos EUA, Austrália, Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia. O esquema envolvia a colocação de backdoors em hardwares e softwares produzidos por empresas americanas e a coleta indiscriminada de informações de serviços de internet.

“Todo mundo que usa a internet hoje corre o risco de ter suas comunicações monitoradas pelo governo de seu país e, em alguns casos, por governos estrangeiros. A Lei Internacional de Direitos Humanos protege o direito à privacidade e liberdade de expressão e os governos têm o dever legal de proteger estes direitos. Uma sociedade que respeita a liberdade e o Estado de Direito deve respeitar a privacidade”, diz Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil.

“Ambiente sadio de liberdade”

Para Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), além do rechaço à vigilância, a pesquisa realizada pela Anistia Internacional revela o ambiente de liberdade de expressão na web no Brasil. Ela questiona aos entrevistados o que eles fariam caso soubessem que agências do governo estivessem espionando suas comunicações. Entre os brasileiros, 29% disseram que usariam redes sociais, e-mail e aplicativos de mensagens para criticar ainda mais o governo, percentual só superado pelos filipinos, com 31%. Apenas 15% disseram que estariam menos dispostos a fazer críticas nesses canais.

“Isso mostra a naturalidade com a qual o brasileiro lida com as redes sociais e o ótimo ambiente de liberdade de expressão no país”, diz o especialista. “Nós estamos vivendo esse ambiente polarizado, com amizades sendo desfeitas. A falta de diálogo é ruim, mas as pessoas estão se sentindo seguras em criticar o governo e revelam um ambiente sadio de liberdade.”

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Sérgio Matsuura, do Globo