Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sobre o pacote de medidas contra a corrupção

A presidente Dilma foi, mais uma vez, às câmeras para anunciar um pacote de medidas contra a corrupção. Seu discurso acabou sendo, talvez, o mais significativo e esclarecedor de sua vida pública. Ela tocou na questão-chave do patrimonialismo, ou da consciência patrimonialista, presente desde o início na história das instituições brasileiras. Nesse sentido, o combate à corrupção seria o primeiro passo para a superação do modelo administrativo baseado no patrimonialismo.

Foram apresentados dois conceitos – corrupção e patrimonialismo – que, apesar de estarem, de certa forma, relacionados, acabam por marcar a distância entre o discurso da presidente e a voz do povo dos panelaços. É que o termo corrupção, embora universalmente compartilhado pelos espíritos medianos, é, a rigor, polissêmico. O que a chusma foi capaz de apreender, a partir de sua experiência civil, é o sentido moral negativo da corrupção e nada mais; é essa a tônica dos protestos.

Já o conceito sociológico de patrimonialismo, este permanece em seu âmbito acadêmico e aristocrático, longe do furdunço das ruas. O patrimonialismo, tal como vem sendo apontado pelos pesquisadores mais sérios, é um tipo de consciência civil, política, administrativa e profissional, que não distingue o contexto público do privado. Por isso, o ambiente cultural patrimonialista é o mais propício para uma vida institucional assinalada pelo saque das riquezas sociais e naturais.

Na prática, a corrupção funciona como um sinal de alerta no interior do patrimonialismo. Com efeito, uma República organizada – mesmo que seja para o saque – não pode prescindir de certas leis que protejam a sociedade criadora de valor e seu meio ambiente. Corrupção significa, empiricamente, o ato temerário de transgressão das regras de saque, com a consequente ruptura do equilíbrio civil. Disso decorre que, no Brasil, a corrupção é sempre combatida como se fosse um tipo de exagero intolerável.

Portanto, nada nos indica que o pacote de medidas contra a corrupção anunciado terá impacto favorável à superação da consciência patrimonialista. Inclusive os partidos e as megaempresas de comunicação que deram suporte às últimas manifestações contam com o combate à corrupção como medida profilática para manutenção do status quo. A superação do patrimonialismo histórico depende, por outro lado, da elevação dos níveis de esclarecimento público, o que só seria possível com medidas arrojadas no terreno da educação.

******

Toni Neto é professor