Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Espiral do barulho

Quando os holofotes da mídia se voltam para uma personalidade, por questão relevante ou por interesse coletivo, projetando dela atitudes censuráveis ou rejeitáveis, seus efeitos, por acumulação, intensidade e ubiquidade, acabam alterando, em maior ou menor grau, a formação da opinião pública sobre essa personalidade. Vista como fenômeno de comunicação, a recente rebelião das massas contra a presidente Dilma Rousseff, pode e precisa ser avaliada sob a ótica das teorias de comunicação de massa.

Na imensidão de estudos da comunicação nos principais centros acadêmicos do mundo, ao longo do século 20 até os dias atuais, desde a Escola de Chicago (Herbert Blumer, William Thomas, Robert Park, Robert Mckenzie, John Watson, James Rowland), passando pela Escola de Frankfurt (Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Friedrich Pollock , Erich Fromm , Jürgen Habermas), Escola de Birgminghan (Richard Hoggart, Raymond Williams, Edward Thompson, Stuart Hall), Escola Francesa (Georges Friedmman, Edgar Morin, Roland Barthes), até a Escola Canadense (Marshal McLuhan, Harold Innis, James Grunig, Pierre Lévy e Derrick de Kerchove), pelo menos duas teorias ajudam a entender o fenômeno das manifestações contra a presidente Dilma: uma é a do Agendamento Setting (Bernard Cohen, Walter Lippmman, Maxwell McCombs, Donald Shaw) e a outra é a da Espiral do Silêncio (Elisabeth Noelle-Neumann, John Locke, Antonio Hohlfeldt, Alexis de Tocqueville, Luiz Martino).

De acordo com o agendamento setting, a mídia determina a pauta para a opinião pública. Formulado por Bernard Cohen em 1963, este é o seu fundamento:“Na maior parte do tempo, [a imprensa] pode não ter êxito em dizer aos leitores como pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o quepensar.” Os meios de comunicação, sobretudo com o alcance da televisão, souberam nos últimos meses dizer aos brasileiros sobre o que pensar: falsidade da presidente Dilma e sua cumplicidade com o Petrolão. Eles não convocaram os brasileiros às ruas, papel cumprido pelas redes sociais, mas os brasileiros pensaram e reagiram indo às ruas protestar.

Já a Espiral do Silêncio, lançada nos anos 1960, segundo a mãe dela, cientista política alemã Noelle-Neumann, da Escola de Frankfurt, baseia-se no seguinte: As pessoas têm um sexto-sentido que lhes permite saber qual a tendência da opinião pública; e as pessoas têm medo de serem isoladas socialmente se expressarem as suas opiniões minoritárias. Por exemplo, expressar apoio a Dilma, hoje sob alta descrença e desconfiança geral, é uma temeridade, sendo melhor silenciar para evitar críticas e represálias.

Assim, conforme Noelle-Neumann, quanto mais uma pessoa acredita que a sua opinião sobre determinado questão ou personalidade está mais distante da opinião pública julgada majoritária, maior é a probabilidade de que essa pessoa evite expressar a sua opinião em público. Daí surge a Espiral do Silêncio.

No pântano da corrupção

No caso da rebelião das massas contra a presidente Dilma, o fenômeno aconteceu invertido. Ela tinha uma maioria favorável até a reeleição. Com as primeiras medidas anunciadas para o novo governo – reversão do preço da energia, cortes de benefícios sociais de aposentadorias e seguro-desemprego, reajuste dos combustíveis e aumento de impostos – tudo ao contrário do que ela havia prometido em campanha, veio a decepção. Com ela, grande frustração e muita indignação.

Seus eleitores juntaram-se aos demais brasileiros e começaram a achá-la mentirosa (47%), desonesta (54%) e falsa (50%). Virou traidora. Por isso, sua aprovação, após a eleição, caiu para 42%. Com a intensa divulgação do Petrolão, maior escândalo de corrupção da história do Brasil, superior ao Mensalão do governo Lula, Dilma passou a ser, no mínimo, cúmplice da corrupção. Sua aprovação caiu ainda mais em fevereiro de 2015 para 23%.

Pela teoria de Noelle-Newumann, os meios de comunicação de massa cumprem papel essencial no estabelecimento da “Espiral do Silêncio”, na medida em que formatam a opinião pública. As pessoas que não concordam com a opinião pública formatada pelos meios de comunicação entram numa “Espiral do Silêncio” constituindo uma “maioria silenciosa”. Daí o termo.

Depois da revelação de que a campanha eleitoral de Dilma foi abastecida por milionárias propinas da Petrobras, contabilizadas como doações legais, a maioria que lhe era favorável lavou as mãos e sua aprovação caiu em março para 13%, sendo rejeitada por 62% dos brasileiros. Resumo: milhões de brasileiros que estavam ao seu lado, começaram a ter medo de isolamento social por defenderem o indefensável e mudaram de margem do rio passando para a margem da oposição derrotada na eleição.

Dessa forma, completados apenas três meses do novo governo Dilma, vencedores e derrotados na campanha presidencial sentem-se igualmente vítimas de estelionato eleitoral. Com isso, a oposição virou maioria, com sentimento de revolta e manifestação barulhenta, gritando “Fora Dilma” e “Fora PT” nas ruas do Brasil. E, agora, a tendência é a minoria de 13% da Espiral do Silêncio ficar cada vez menor, mais isolada e mais fraca enquanto estará cada vez maior, mais solidária e mais forte a Espiral do Barulho exigindo fora do poder quem está atolando o Brasil no pântano da corrupção.

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Jota Alcides é jornalista e escritor