Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Vera Guimarães Martins

É obrigação do bom jornalista produzir títulos atraentes, capazes de fisgar o interesse do leitor. Já é um problema quando, no afã de cumprir bem a tarefa, o titulador (que nem sempre é o repórter que escreveu o texto) exagera no “esquenta” e, além da atenção, atrai também a ira de quem se sente enganado por um enunciado que vende gato por lebre. A manchete do último dia 22 –”Dirceu recebia parte de propina paga ao PT, afirmam delatores”– foi mais do que um desses casos clássicos de exagero. Foi erro sem sombra de dúvida, gerado desde o título interno da reportagem.

A manchete tem alguns problemas, mas os principais cabem num resumo: quem informou não é delator e quem é delator não informou o que está na título. E, claro, se a fonte é uma só, usa-se o singular.

A afirmação de que os pagamentos à consultoria de Dirceu eram descontados das propinas da Petrobras foi feita pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, que ainda não fechou acordo de delação premiada –o que faz toda a diferença.

A operação Lava Jato já produziu dezenas de manchetes desde sua deflagração, algumas arriscadas, como já foi comentado neste espaço. O argumento que balizou as reportagens foi a premissa de que, mesmo sem provas materiais, os depoimentos feitos em delação premiada gozam de maior credibilidade porque mentir seria contraproducente. O próprio depoente sairia prejudicado e perderia as vantagens jurídicas que obteve. Há muita informação a ser provada pelas investigações, mas esse princípio norteava a conduta de risco dos veículos.

Pessoa vem negociando com os procuradores, mas, como informa o texto, ainda não conseguiu um acordo. Logo não tem o mesmo compromisso com a veracidade do que afirma; pode estar tentando vender mais do que realmente tem para obter o benefício. Para aumentar a dose de incerteza, a afirmação não foi feita em depoimento formal, mas em conversa com investigadores.

A reportagem também relata que um representante da Camargo Corrêa, nome não divulgado, afirmou, nas mesmas circunstâncias, que a empreiteira contratou os serviços de Dirceu porque tinha medo de que a recusa prejudicasse os negócios que mantinha com a Petrobras. Ele, sim, é delator, mas sua história é outra.

A Secretaria de Redação diz que houve um erro de enunciado, de responsabilidade da Redação, mas avalia que o conteúdo da reportagem valia mesmo manchete.

Como já escrevi antes, erros prejudicam o jornal, mas, por improváveis e absurdos que possam parecer, acontecem. O que acho mais lamentável é que a correção tenha sido feita em uma nota de dez linhas na seção Erramos, espaço em que o jornal publica, por exemplo, que a sexta não foi dia 19, e sim 20. Pelo destaque que teve, esse erro merecia um texto em “Poder”.

O jornal discorda. “O erro foi assumido na seção diária destinada a essa finalidade. A carta do assessor de Dirceu criticando o enunciado foi publicada com destaque no alto do ‘Painel do Leitor’ de 24/3.”

Ainda a multidão

Prometi publicar no site nesta semana a opinião de dois pesquisadores independentes sobre a discrepância nas estimativas dos manifestantes de 15 de março, com as devidas réplicas do Datafolha e da Polícia Militar. Faço o post incompleto, porque, embora tenha sido exaustivamente procurada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo não enviou suas respostas até a noite de sexta-feira.

O leitor pode tirar suas conclusões lendo os argumentos na página da ombudsman no site, mas adianto aqui a raiz da discrepância: não há uma especialidade da ciência para contar multidões. “O que há são estudos de gerenciamento para entender como ela se comporta”, declara Moacyr Duarte, pesquisador sênior da UFRJ.

Marcelo Zuffo, professor titular da Politécnica da USP, afirma que os modelos “têm uma variabilidade grande”. As limitações, dizem ambos, refletem-se no resultado.

Para Duarte, o cálculo do Datafolha deve estar mais perto da realidade. “O desvio no método do Datafolha é menor, propaga-se de forma menos ruim do que o da PM.”

O maior erro é acreditar numa densidade homogênea de 5 pessoas/m2. “Aglomerações têm densidades variadas e irregulares”, diz Duarte. Zuffo concorda, mas aposta no meio-termo. “A mim parece que o Datafolha subestimou, enquanto a PM superestimou.”

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Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo