Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Jornal é combate’

Observatório da Imprensa exibido pela TV Brasil na terça-feira (22/4) levou ao ar uma entrevista de Alberto Dines e Ancelmo Gois com o jornalista Hélio Fernandes, proprietário da Tribuna da Imprensa desde 1962. Um dos nomes mais polêmicos da imprensa brasileira, Hélio Fernandes contou o início de sua carreira, comentou fatos marcantes da história política brasileira e relembrou a convivência com nomes de peso da mídia, como Carlos Lacerda. Leia abaixo a transcrição da entrevista. O vídeo do programa está disponível aqui(Lilia Diniz)

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Alberto Dines – Começamos esta temporada de entrevistas especiais de 2014 com um fascinante e discutidíssimo personagem que nos conduzirá através dos últimos 70 anos do jornalismo brasileiro. Começou na profissão em 1945, quando acabava a ditadura do Estado Novo e se iniciava a primeira redemocratização. O clima de liberdade marcou definitivamente o seu estilo de escrever e o seu padrão de jornalismo. Por isso, a sua profissão de fé contém três palavras, afiadíssimas: “Jornal é combate”. O jornal no qual combate há um pouco mais de meio século, a Tribuna da Imprensa, agora um blog, tinha no cabeçalho uma lanterna para lembrar a lamparina de Diógenes, o filósofo grego que saía a rua para descobrir homens honestos. O vespertino era também conhecido como derrubador de presidentes. Por isso foi castigado, um dos mais castigados, na história recente do nosso jornalismo. Nas cinco décadas da ditadura militar, Hélio foi preso nove vezes, desterrado três e sofreu 37 processos. Foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal ainda 1963, quando João Goulart era presidente. Para enfrentar esta “fera” convoquei um parceiro, Ancelmo Gois para dividir a arena.

A.D. – Hélio Fernandes, jornal é só combate?

Hélio Fernandes – Jornal é opinião e informação, informação e opinião. Sempre foi. Quando eu comecei a fazer coluna diária, em 1956, eu já era velho, tinha 35 anos. Foi a primeira coluna diária do Diário de Notícias. Eu fazia coluna e artigo diário. Então, você disse ai que eu sou discutidíssimo; eu sou tão discutido que discuto até comigo mesmo. Quando eu fui preso em 1963…

A.D. – Uma das prisões.

H.F. – É, mas nessa eu fui julgado no Supremo Tribunal Federal. O único jornalista brasileiro julgado no STF. Alguns foram processados, o que era coisa diferente. O Rui Barbosa foi processado duas vezes, o João Dantas do Diário de Notícias foi processado, o Prudente de Moraes Neto foi processado. Agora, processado era só contratar um advogado que o processo era arquivado. Eu, não. Eu fui preso porque publiquei uma circular sigilosa e confidencial do [então] ministro da Guerra, fui preso e fui julgado no STF.

Ancelmo Gois – Isso na época do Jango. Vamos voltar a essa pergunta do Dines, essa coisa de ajudar a definir o que é jornal, o que é jornalismo, o que é combate. Aliás, o seu irmão, o saudoso Millôr, dizia que imprensa é oposição e o resto é armazém de secos e molhados. O que é jornal?

H.F. – O que eu ia te dizer é exatamente isso. Quando eu fui preso, o Millôr, no dia seguinte, fez uma frase que dizia o seguinte: “Eu não quero defender o meu irmão, não, mas o jornalista que recebe um documento sigiloso e confidencial do ministro da Guerra e não publica é melhor que abra um supermercado”. É verdade, é lógico. Eu nunca deixei de publicar coisa alguma, até mesmo na ditadura. Por isso eu fui muito preso.

A.G. – Você acha que é inerente à nossa profissão?

H.F. – Mas é claro. O jornalismo não é uma profissão comum que você sai de casa às 8 horas e [volta] às 6 da tarde. No jornalismo você fica, você sai de casa e você fica. Você, digamos, é dominado pelo jornalismo. Você não domina o jornalismo: o jornalista para ter opinião precisa ter informação. Eu sempre fui considerado um dos jornalistas mais bem informados porque sempre trabalhei. Eu entrei na revista O Cruzeiro com 12 anos. Eu trabalhava em um escritório de advocacia na Rua Senador Dantas [no Rio], ganhava 120 mil réis, que era o salário daquela época. Aí um amigo me disse: “Hélio, na revista O Cruzeiro estão querendo uma pessoa, não precisa ser jornalista, e eles pagam 150 mil réis”. Então, como eu ganhava 120 e tinha mais ou menos 12 anos, eu fui trabalhar. O Millôr já trabalhava lá, ele era uma espécie de contínuo do doutor Dario de Almeida Magalhães, que era superintendente dos Diário dos Associados. Nunca mais deixei de ser jornalista. Escrevendo sobre tudo, futebol política, economia, tudo.

 

“Hélio, o Juscelino quer conversar com você.”

A.D. – Antes de ser dono de jornal, você trabalhou para muitos donos de jornal, e brigou com todos. Você conviveu com figuras exponenciais, emblemáticas Assis Chateaubriand, Carlos Lacerda; em suma, qual deles marcou mais você, ensinou mais?

H.F. – Olha, eu na verdade não briguei. Eu, quando discordava, eu saía e ia embora. O primeiro lugar de onde eu saí foi da revista O Cruzeiro. O Millôr sairia 25 anos depois, quando escreveu um artigo sobre a igreja e o cardeal pediu para o Chateaubriand para demitir o Millôr. E o Chateaubriand demitiu. Depois o Millôr entrou na justiça e ganhou uma boa indenização. O Chateaubriand, eu escrevi várias vezes, eu me dava muito bem com ele, eu escrevi várias vezes quando eu comprei a Tribuna da Imprensa: “Eu e o Chateaubriand somos os únicos donos de jornais que sabem escrever e escrevem diariamente”. Quando o Chateaubriand morreu, em 1968, eu escrevi no dia seguinte sobre [ele] e disse: “Puxa, o Chateaubriand me deixou sozinho, porque agora eu sou o único dono de jornal que sabe escrever”. E escrevia diariamente. E o Chateaubriand escrevia em papel de jornal, em maço de cigarros, escrevia diariamente. E foi um personagem fantástico. O João Dantas, quando eu comecei a fazer colunas em 1956, era um dono de jornal, o pai dele morreu, o Orlando Dantas, que foi diretor do O Jornal e depois do Diário de Notícias. Ele me dizia: “Hélio, eu gosto de ver a sua coluna e o seu artigo no dia seguinte”.

A.D. – Hélio, deixa eu voltar para a pergunta que eu fiz. Desses donos de jornal, você não trabalhou com ele mas foi convidado e foi uma grande figura, o Paulo Bittencourt.

H.F. – Eu gostava muito do Paulo, realmente, e o Paulo Bittencourt me convidou em uma época em que eu estava no Diário de Notícias. E o Carlos Lacerda escreveu na Constituinte. Dezessete jornalistas cobriram a Constituinte de 1945, que prorrogou a Constituição de 1946 em 18 de setembro de 1946. Foram 7 meses e 18 dias, diários, diários, diários. E o Carlos Lacerda fazia a segunda página, às vezes a segunda página inteira, e às vezes nem olhava para a Constituinte. O título era: “Na tribuna da imprensa”, com letra minúscula. Ele hoje escreveria sobre a Síria, o Paquistão. Mas um dia ele escreveu sobre amigos intimíssimos do Paulo Bittencourt, e [sobreveio] um dos grandes conflitos do jornalismo. O Paulo Bittencourt resolveu não publicar os artigos do Carlos Lacerda. Não podia. Os Soares Sampaio, que eram os personagens, eram intimíssimos. O Paulo Bittencourt disse para o Carlos Lacerda: “Eles entram na minha casa sem perguntar nada, eu entro na deles, vou à geladeira”. É um dos grandes conflitos do jornalismo.

A.G. – Seria interessante, sobretudo para as novas gerações, apresentar esses grandes personagens da imprensa. Você já falou do Chateubriand, o Paulo Bittencourt. Seria interessante se você listasse um a um esses personagens que você conheceu. Você falou do Dantas e conheceu também o Horácio de Carvalho, Adolfo Bloch. Fala um pouco desses personagens. De quem nós estamos falando?

H.F. – Eu fui diretor de Redação do Diário Carioca, do Horácio de Carvalho. Acima de mim tinha o Pompeu de Souza e acima do Pompeu, o Prudente de Morais Neto. Era um negócio fantástico. Naquela época, os vespertinos saíam às 12h. Fechava na redação às 11h e fechava na gráfica às 12h. Naquela época não tinha o trânsito de hoje. Hoje não pode lançar o jornal… como é que você vai distribuir o jornal às 12h?

A.D. – Não chega no Méier.

A.G. – Fica preso no engarrafamento.

H.F. – Exatamente. Os matutinos rodavam às 23 horas, e saíam à meia-noite. Então, eu, Prudente, e o Pompeu, saíamos, e só tinha um café aberto no centro da cidade, que era o Café Colombo, nada a ver com a confeitaria. A gente ficava lá e naquela época havia três dancings no final da Avenida Rio Branco.

A.D. – Dancing Brasil…

H.F. – O Prudente era uma figura maravilhosa. Quando o Maurício Azêdo foi preso e torturadíssimo, o Prudente era presidente da ABI [Associação Brasileira de Imprensa]. Ele se movimentou de todas as maneiras para tirar o Maurício, e conseguiu. Há uma foto, inclusive, que a ABI já publicou, o Maurício e o Prudente chorando, os dois chorando, é emocionante aquela foto. O Horacinho de Carvalho ia muito ao jornal, era o dono do jornal mas ia muito ao jornal. Um dia me chamou…

A.G. – Mas não era um jornalista, era um homem mais de negócios…

A.D. – De política…

H.F. – Ele era muito rico, ele tinha muitas fazendas, muitas fazendas de café. E quem ia muito ao jornal era a mulher dele, depois mulher do Roberto Marinho, a dona Lily. Linda, foi miss França com 18 anos, linda, linda, linda mesmo. Um dia, o Horacinho me chamou e disse: “Hélio, o jornal está atrasando muito, não é possível”. E eu disse para ele tranquilamente: “Olha, Horacinho, vou te dizer uma coisa: enquanto a Lily vier ao jornal eu não me responsabilizo pelo horário. Porque ela vem aqui e para tudo!” Todos caíram na gargalhada.

A.D. – E agora, o Lacerda como dono de jornal? Você trabalhou com ele.

H.F. – Olha, o Carlos Lacerda tem uma vida fantástica, realmente. Agora, ele não foi um extraordinário jornalista, ele foi um combatente fora de série, realmente. Ele botava apelido nas pessoas, quando era deputado, que o sujeito ficava arrasado.

A.G. – Ele não era jornalista, ele era um político no jornalismo. É isso ou estou errado?

H.F. – Ele me disse uma vez – eu escrevia muito sobre Academia, quem ia ser eleito, quando tinha eleição: “Hélio, diz aos seus amigos intelectuais da Academia que eu não sou político não, eu sou um intelectual desviado para a política. Na verdade, eu sou um intelectual que está na política”. E ele, inclusive, escreveu vários livros. Ele deixou um depoimento, gravado com vários jornalistas, e perguntaram a ele: “E o seu relacionamento com Hélio Fernandes?” Ele falou: “Nosso relacionamento sempre foi muito bom. Nós fomos presos três vezes juntos. O problema do Hélio Fernandes é que ele adivinhava as coisas”. Por que ele dizia isso? Eu estava vendo o jornal por volta de 20h15, quando o [Alberto] Curi começou a ler o Ato Institucional nº 5 [em 13/12/1968]. Terrível, só de ouvir aquilo você já ficava apavorado. Aí, eu comecei a me vestir. A [minha mulher] Rosinha me disse: “Onde é que você vai? Você acabou de chegar!” Eu disse pra ela: “Você não ouviu esse ato? Eu provavelmente serei o primeiro a ser preso”. Quando eu ia saindo, eu era o diretor do jornal, tinha um telefone aqui na entrada. O telefone tocou e era o Carlos Lacerda. Ele já não era mais governador. Eu disse a ele: “Carlos, você talvez fosse a única pessoa que eu atendesse nesse momento, porque eu estou indo para o jornal porque eu tenho muita coisa pra deixar”. Ele me perguntou: “O que vai acontecer comigo?” “Olha Carlos, você vai ser preso e cassado.” Ele deu um grito do outro lado: “Você está acostumado a adivinhar, mas não vou ser preso nem cassado de maneira alguma”. “Está bem Carlos, eu tenho que ir embora.” Bom, fui o segundo a ser preso. O primeiro foi o Osvaldo Peralva, figura notável, meu amigo e grande figura. Ficamos ali conversando até de manhã, depois chegaram mais duas pessoas. Às 9h chegou o Carlos Lacerda. Aí ele me abraçou, generoso, e disse: “Está bem, você adivinhou mais uma vez. Não vou ser cassado”. “Está bem, você não vai ser cassado, te prenderam porque gostam muito de você.” Nesse dia mesmo chegou o Mário Lago, ele estava fazendo uma peça no teatro Santa Isabel, ele estava com roupa de escocês porque ele fazia um escocês. E o Mário Lago era uma figura notável. Eu já tinha sido preso com ele e o Carlos Lacerda, ele era extraordinário. E tinha umas pessoas que ele não conhecia. Ele disse: “Aqui eu só conheço o Hélio e o Carlos Lacerda. Eu estou vestido assim mas não sou veado, não”. Naquela época não tinha gay nem nada, era veado mesmo.

A.G. – Nessa prisão, o comandante do regimento era uma pessoa que tinha um grande carinho pelo Lacerda. E aí tentou tornar a prisão um pouco mais confortável, ao ponto de o Mário Lago dizer: “Vocês vão desmoralizar a prisão!”

H.F. – Um dia chegou uma cesta da Lidador. Aí o Mário Lago não aguentou. O Carlos Lacerda estava discutindo muito nessa prisão porque ele mandou um filho falar com um cardeal que era muito amigo dele, o outro filho falar com alguém que tinha sido secretário de Segurança, que era comandante do Primeiro Exército, um outro filho falar com o Abreu Sodré, que era governador de São Paulo. E eu dizia: “Carlos, não pode fazer isso. Quem está preso não pede nem concede nada. Está preso, está preso. Você assume que está preso”. E ele foi solto no dia 22 de dezembro, antes do Natal. Eu, Mário Lago, Osvaldo Peralva, saímos no dia 6 de janeiro, que era Dia de Reis, e os ditadores geralmente são muito católicos… Então, no dia 6, nos soltaram.

A.G. – Você foi trabalhar com o Juscelino Kubitscheck. Como é que foi?

H.F. – Eu conheci o Juscelino na Constituinte e me dei muito bem com ele. Eu estava fascinado pela conquista, pela democracia. Eu mocíssimo, ia todo dia e escrevia uma matéria. Como a revista era semanal, fazia uma para assinar Hélio Fernandes e escrevia mais três ou quatro matérias porque a Constituinte dava para fazer uma por dia ou mais.

A.D. – Essa revista era a Revista da Semana?

H.F. – Não, era O Cruzeiro. A Revista da Semana foi bem mais tarde, depois Manchete, depois do Diário Carioca.

A.D. – Deixa eu puxar um pouquinho para trás. Você conheceu o JK como deputado?

H.F. – Como eu disse, eu fiquei muito amigo de várias pessoas na Câmara dos Deputados porque eu ia todos os dias, durante sete meses. Eu gostava demais, realmente. E aí, quando o Café Filho assumiu, o Juscelino, que já era governador de Minas Gerais, se lançou candidato a presidente. O Getúlio [Vargas] assumiu em 1951 com uma posse tumultuadíssima. O Samuel Wainer, que tinha ficado três anos lá em Itu, sozinho, com o Getúlio, quando Getúlio ganhou a eleição ele saiu de lá e o Getúlio perguntou para o Samuel: “O que tu queres ter no meu governo?” O Samuel disse: “Presidente, não quero ter nada, quero fazer o meu jornal”. Aí ele disse: “Tu terás todos os recursos para fazer o teu jornal”. E o Samuel fez um jornal magnífico [Última Hora]. Ele fez um jornal muito grande que contrariou todos os outros donos de jornais, porque ele pagava salários magníficos. E foi um dos jornais mais charmosos do Rio. Naquela época os grandes jornais do Rio eram os matutinos. Vespertinos quase não tinha nenhum. Um dia o Horacinho de Carvalho me telefona e disse: “Hélio, o Juscelino quer conversar com você, então eu vou fazer um almoço na minha casa para você e ele”. Eu fui almoçar com o Juscelino e o Juscelino me disse: “Olha, Hélio, eu pedi ao Horacinho para fazer esse almoço porque eu queria convidar você para dirigir a parte de publicidade da campanha. Eu queria te dizer uma coisa: nós não temos dinheiro para nada, nem para te pagar, nada, nada, nada. Meu escritório só vai ser você e o Negrão de Lima. O Negrão vai ser o presidente do comitê e você vai ser o responsável da comunicação. Agora, eu não queria te dizer isso na frente do Horacinho”. Eu disse: “Olha aqui, governador. Só o fato de passar um ano correndo o Brasil todo, maravilha. Não precisa de dinheiro”. Dois ou três dias depois falei com o Carlos Lacerda que ia dirigir a campanha do JK. Ele ficou furioso: “Não pode aceitar, não pode aceitar de jeito nenhum!” Eu disse: “Carlos, eu já aceitei”. Depois, logo em 1956, passei para a oposição.

A.D. – E por quê?

H.F. – Porque na campanha ele não havia falado sobre a mudança da capital. Assim que ele assumiu, ele começou a falar sobre a mudança da capital e realmente mudou a capital em 21 de abril de 1960, quase deixando o governo.

A.D. – Você conheceu o Jânio?

H.F. – Muito bem.

A.D. – E o Jango?

H.F. – Eu conheci o Jango em 1950. Em 1952 ele foi ministro do Trabalho, dobrou o salário mínimo e aí surgiu o famoso Manifesto dos Coronéis. A primeira assinatura do manifesto era do Assis Brasil, do Amaury Kruel – Assis Brasil foi o chefe da Casa Militar – exigindo a demissão do Jango.

 

“A nossa satisfação aqui, entre os exilados, é quando chega a Tribuna da Imprensa.”

A.D. – Na crise da posse do Jango, você foi a favor da solução parlamentarista?

H.F. – Eu não fui a favor da solução parlamentarista, não. Brizola é que foi contra, eu fiquei escrevendo diariamente. O Jango estava em Cingapura e foi para Paris. E o Brizola conversando com ele. Os militares chegaram à conclusão de que não conseguiriam impedir a posse do Jango, mas aí então surgiu a ideia do parlamentarismo. Mas uma coisa que ninguém raramente falou: os militares queriam parlamentarismo com Tancredo [Neves]. O Brizola não queria parlamentarismo nenhum e o Jango dizia para ele: “Brizola, nós estamos no poder, o Tancredo é nosso amigo”. E o Brizola não queria de jeito nenhum. E ele tomou posse como parlamentarista. E ficou todo o ano de 1962…

A.D. – Maquinando…

H.F. – Trabalhando. Você, com 32 anos, era editor-chefe do Jornal do Brasil no auge do Jornal do Brasil e conhece muito bem essa história. Então ele, o Jango, trabalhou para o presidencialismo. Na verdade, o presidencialismo era muito popular, mas houve também uma coleta de dinheiro – eu escrevi muito na época sobre isso – afrontosa. Não sei por que tanto dinheiro se o presidencialismo era tão popular. O povo nem sabia o que era parlamentarismo.

A.D. – Quem incomodava o Jango era o Lacerda, mas só que o jornal dele, que depois veio a ser o seu, a Tribuna da Imprensa, estava em dificuldades. Aí houve uma coisa que pouca gente se lembra, que o Jornal do Brasil comprou a Tribuna da Imprensa.

H.F. – O Nascimento Brito fez esse negócio, entregou ao Mário Faustino, grande poeta, que morreu em um desastre de avião, com 27 anos. Então, convidou todo o mundo, convidou o Millôr. E o Millôr, no estilo dele, disse: “Eu aceito, mas eu quero escrever o primeiro artigo contra o D. Hélder Câmara”.

A.G. – E como você comprou esse jornal?

A.D. – Exatamente. Você comprou do Jornal do Brasil?

H.F. – Eu assumi o ativo e o passivo. Não entrou nenhum dinheiro.

A.G. – Porque o jornal estava em crise…

H.F. – Em uma crise muito grande…

A.G. – Porque não dava dinheiro…

H.F. – Porque não dava dinheiro, nada, nada. O Nascimento Brito queria se firmar, naquela época estava no auge do dinheiro, mas depois foi entrando em queda.

A.G. – Você teve dinheiro para comprar a Tribuna?

H.F. – Em 1962 eu tinha um grande amigo, o Miguel Lins, grande advogado, o pai dele foi ministro do Supremo. Ele me telefonou e disse: “Hélio, vamos almoçar?” Eu disse: “Vamos”. Logo [que] nós sentamos e ele disse: “Hélio, olha aqui: o Nascimento Brito está querendo vender a Tribuna da Imprensa e ele acha que você é uma das pessoas que podem comprar o jornal”. Eu respondi a ele na hora: “Ô, Miguel, você viu a dificuldade com que eu comprei a minha casa, agora, há pouco tempo. Comprei do Horacinho de Carvalho, não tenho dinheiro para comprar o jornal de maneira alguma”. E aí ele me respondeu imediatamente: “Você pode comprar sem dinheiro”. E eu respondi para ele, na também hora: “Bom, Miguel, já estou começando a me interessar”. E aí ele me contou o seguinte: que eu assumiria o ativo e o passivo do jornal. O ativo eram as máquinas, aqueles edifícios da Rua do Lavradio e o título do jornal. Nós acabamos de almoçar e o Miguel disse: “Eu vou conversar com o Nascimento e volto a te telefonar”. No dia seguinte, me telefonou e disse: “Hélio, o Nascimento está inteiramente de acordo”. Ele estava querendo se livrar das dificuldades em que estava. O Jornal do Brasil já não estava naquele apogeu de dinheiro, naquela potência. Eu não tinha dinheiro para nada, nada mesmo. Mas, naquela época, eu fazia jornal sozinho. Duas, três pessoas, e eu fazia jornal. Começamos a fazer jornal e fiquei de 1962 até 2008, quer dizer, 46 anos dono daquela Tribuna da Imprensa.

A.D. – Naquela trincheira. Agora, me diz uma coisa. Entre 1962, a compra da Tribuna, e o golpe de 1964 a Tribuna manteve a linha de oposição ao Jango, ou ainda não?

H.F. – Não, manteve. Eu fui o único jornalista preso em 1963. Em 1963 eu fui preso em pleno regime democrático, Porque em 6 de janeiro de 1963, o Jango retomou todos os poderes, então ele tentou por duas vezes fazer a intervenção do [então] Estado da Guanabara. Por que aquela intervenção? Na verdade, o Jango queria atingir o Carlos Lacerda, mas eu estava na oposição violentíssima, realmente.

A.D. – Deixa eu só arrumar a pergunta, que eu acho muito importante para contexto histórico todo o quadro de mudança. Em algum momento, grande parte daqueles que apoiaram a derrubada do Jango, eles perceberam que aquilo foi uma quartelada, não era uma revolução, não é?

A.G. – Isso aconteceu com você também? E quando foi?

H.F. – Isso foi em meados de 1964. O Castelo tomou posse em 9 de abril de 1964, depois de longas conversas com Juscelino, na casa do Joaquim Ramos, irmão do Nereu. Primeiro foi o Negrão de Lima, levou o Castelo Branco para conversar com Amaral Peixoto, na casa do Joaquim Ramos, que morava em Copacabana, na Rua Constante Ramos, e aí conversou o Castelo. O Castelo queria conversar com o Juscelino. E aí fizeram algumas reuniões, com José Maria Alckmin. Na terceira reunião, o Juscelino foi. E o Castelo então disse a ele o que ele queria, “Olha, presidente, eu não quero ser chefe do governo provisório porque eu não terei força para coisa alguma, e eu só tenho um objetivo, que é manter a eleição de 1965”.

A.D. – Isso foi o Castelo que disse?

H.F. – O Castelo disse para o Juscelino: “Agora, eu queria ser aprovado pelo Congresso e só o senhor pode conseguir isso”. Bom, e aí o Juscelino ficou pensando, ele não podia, ele não sabia como ele ia pedir ao Congresso para aprovar o Castelo Branco. O Castelo disse para o presidente: “O senhor será o grande beneficiado se for mantida eleição em em 13 de outubro de 1965, o senhor já é candidato, outros estão tentando ser candidato, mas o senhor já é”. E disse para ele: “Para que o senhor tenha a certeza do meu compromisso, agora mesmo eu vou convidar seu grande amigo que está aqui, o José Maria Alckmin, para vice-presidente”. E convidou para ser seu vice. E aí o Juscelino falou com líderes do Congresso, que ficaram surpresos.

A.D. – Confirmaram.

H.F. – Mas não disseram não. “O que a gente pode fazer? Nós não temos nenhuma força, nada, nada”.

A.D. – E essa foi a hora da verdade?

H.F. – Essa foi a hora da verdade, realmente. O Juscelino começou a conversar também, isso levou o ano de 1964, aí houve a definição.

A.D. – Aí ficou uma quartelada.

H.F. – Isso aí, ficou mesmo uma quartelada. Porque no primeiro dia foram logo presos o Miguel Arraes e o Seixas Dória, governador do Sergipe. O Seixas Dória, grande amigo meu, nem sei por que foi preso. Ele era ótima figura, não era atuante, nem nada.

A.D. – Ele era da UDN.

H.F. – Ele era da UDN. E o Miguel Arraes foi preso no primeiro dia, foi levado para Fernando de Noronha no segundo dia já do golpe, antes de o Castelo tomar posse, e houve aquele episódio tremendo, do sargento Bezerra, o sargento amarrado na ruas de Pernambuco.

A.D. – Sargento Gregório Bezerra.

H.F. – Oficiais fardados puxavam ele amarrado pelo pescoço, pelo meio da rua no Recife. O povo ficou sem saber o que fazer. E depois que [Castelo] tomou posse, chegavam notícias e mais notícias de torturas pelo Brasil todo. E aí ele mandou o Ernesto Geisel, que era chefe da Casa Militar, a Pernambuco. Ele ficou lá vários dias, ouviu gente de todos os lados, foi até às prisões e fez um relatório de 16 laudas, para o Castelo. O Castelo ficou tão surpreendido que mandou arquivar. Mas, logo no meio de 1964, eu já estava na oposição e no início de 1965 eu lancei a Frente Ampla aqui em casa, exatamente. Aqui, nesta sala, eu juntei o Wilson Fadul, que tinha sido ministro da Saúde do Jango, o brigadeiro Teixeira, o Ênio da Silveira, que era o diretor da [Editora] Civilização Brasileira, tão comunista que tinha um filho batizado de Miguel Arraes da Silveira, ótima pessoa, o Flávio Rangel, figura maravilhosa…

A.D. – Diretor de teatro…

H.F. – …e o Carlos Lacerda. Nunca nenhum deles tinha falado com o Carlos Lacerda.

A.D. – Era impossível juntar.

H.F. – Era, realmente. Mas ficaram amigos, sentaram aqui nessa poltrona. Éramos seis pessoas, ficamos até 3h, bebiam e fumavam muito. Três ou quatro dias depois nós fizemos a segunda reunião. Ótima reunião, todos ficaram admirados…

A.G. – A ideia era…

H.F. – Já era contra o golpe. A ideia era fazer uma união.

A.G. – E foi assim que nasceu a Frente Ampla?

H.F. – Foi assim que nasceu, mas nós não usamos a palavra Frente Ampla. O Alberto Lee emprestou a casa para o Ênio da Silveira. Nós tivemos lá mais seis reuniões. Surgiram outras pessoas e o Ênio da Silveira, toda vez que a gente entrava na casa, ele dizia: “Hélio, quando a gente tomar o poder aqui vai ser a casa dos escritores do partido”. Bom, até que decidiram fazer o manifesto. O manifesto foi redigido por mim, não tinha nome, não tinha nome, nada. O José Gomes Talarico foi até ao Uruguai conversar com o Jango, o Jango aceitou o Carlos Lacerda ir visitá-lo, eu ia também mas não pude sair daqui, não deixaram eu sair. E o Carlos Lacerda, quando chegou lá, o Jango perguntou: “O Hélio Fernandes não vinha também com o senhor?” Aí o Carlos Lacerda disse: “Vinha, mas não deixaram ele sair”. E o Jango disse para ele: “A nossa satisfação aqui, nós temos mais de 60 pessoas exiladas aqui, é quando chega a Tribuna da Imprensa. A gente não entende como é que o Hélio pode fazer tal oposição sem sair do país”. E o Carlos Lacerda ficava insistindo muito para eu ir, dizia: “Hélio, o meu problema com o Jango a gente resolve, a gente faz política, o meu problema é que a gente esteja conversando numa sala com o Jango e a dona Maria Tereza chegue e diga: ‘O senhor está aqui conversando com o meu marido, você escreveu tanto dele!’”. Mas ela não apareceu nem nada. Em um determinado momento, depois de eles conversarem muito, o Carlos Lacerda me disse que empurrou o manifesto para ele assinar e disse: “Presidente, eu queria que o senhor assinasse porque eu tenho que ir lá onde o Brizola está para ele assinar também”. O Jango devolveu e disse: “Se esse senhor assinar, eu não assino”. Aí assinou, o Carlos Lacerda voltou e nós marcamos a leitura do manifesto que não tinha nome, nada, nada. Colocamos uma cadeira e um microfone para o Lacerda ler o manifesto. Havia mais de 200 pessoas na rua, o Carlos Lacerda leu o manifesto e teve uma repercussão internacional. E os jornais passaram a chamar de Frente Ampla, e continuou sendo Frente Ampla.

A.D. – Colou.

H.F. – O Juscelino, que estava na Europa, conversou com a Sandra Cavalcanti. O Juscelino não quis participar naquela época, disse: “Eu estou muito atento porque eu sou candidato a presidente”. Teria passado o cargo para o Jânio Quadros em 1961 e lançou a sua candidatura para 1965. O PSD ainda tentou um movimento para uma reeleição dele, mas não havia clima.

A.G. – O JK também aderiu ao movimento da Frente?

H.F. – Aderiu. Se encontrou com o Carlos Lacerda na casa do Renato Archer.

 

“Os jornais têm que ter opinião.”

A.D. – Hélio, eu queria uns flashes de algumas figuras da imprensa, que são figuras importantíssimas. Por exemplo, Adolfo Bloch.

H.F. – Adolfo Bloch, ele lançou a Manchete, no primeiro ano com 100 mil exemplares. E aí os Bloch, através do Leon Eliachar, o Adolpho me convidou para dirigir a Manchete e eu não queria ir. Os Bloch tinham a reputação de não pagar. Até que um dia fui conversar com o Bloch e acertamos tudo e uma das coisas que ficou acertado é que eles não entrariam na redação de jeito nenhum, iam ver a revista pronta. Aí levei todo mundo, aquele pessoal que estava começando, era 1952, 53: Paulinho Mendes Campos, Fernando Sabino, Carlinhos de Oliveira, Fernando Lobo, pai do Edu, que tinha vindo de Pernambuco, Antônio Maria. Levei um grupo muito grande. O Paulinho Mendes Campo estava fazendo uma experiência com LSD, ele ficava me tentando muito. “Hélio, faz essa experiência. A ida é um pouco violenta, mas a volta é uma delícia”. Bom, mas aí fiquei dois anos dirigindo a revista. E um dia o Adolpho me chamou. Eles eram grandes gráficos. A revista já estava com 150 mil exemplares. E um prestígio político muito grande. A revista era minha cara, ela tinha de ser a minha cara, né Dines? Aí ele disse: “Eu não quero que você saia de jeito nenhum. Agora, a nossa gráfica tem muito cliente internacional, eles faziam aquele negócio da Gillette, e tudo mais e tal, e tem muita gente já reclamando, eu não quero, eu não quero…”. “Não tem problema nenhum. Eu vou embora. Qualquer pessoa vai dirigir a revista.” Eu fui embora, realmente. Deixei a revista no auge, não briguei com o Adolfo, de jeito nenhum.

A.D. – Paulo Bittencourt?

H.F. – Eu me dava muito bem com o Paulo Bittencourt. Um dia ele me chamou e disse “Hélio, eu queria te entregar o Correio da Manhã, eu estou querendo parar um pouco, ficar um tempo na Europa, a Niomar também. Eu queria te entregar o Correio da Manhã. Aí ficamos um tempo conversando porque, em 1955, na campanha do JK, quem escrevia os discursos da campanha era o Álvaro Lins, o editorialista, Augusto Frederico Schmidt e eu. E quem viajava era eu. Eu entregava os discursos ao Juscelino, ele dava uma olhada, botava no bolso e falava de improviso. Eu até chamava ele de mediúnico porque ele falava coisas inacreditáveis. Eu ia muito ao Correio da Manhã porque era [localizado], inclusive, atrás da Tribuna da Imprensa. Então, eu disse ao Paulo que eu não tinha condições, eu não conhecia ninguém.

A.D. – Correio da Manhã foi um “jornal monumento” naquele momento, tanto que foi ele quem deu o primeiro editorial para derrubada do Jango.

H.F. – Era uma instituição, mas a orientação do Correio da Manhã era muito difícil. Quando o Adhemar de Barros lançou a sua candidatura para presidente, saiu um editorial no dia seguinte no Correio dizendo “Ladrão, não”. Aí o Adhemar de Barros protestou, disse que iria processar o Correio da Manhã. Dois ou três dias depois o Correio da Manhã publicou um editorial: “Ladrão, sim”. Magníficos, os dois.

A.D. – Samuel Wainer?

H.F. – O Samuel Wainer, nós fomos íntimos. Um dia nós estávamos almoçando na Maison de France e o Rubem Braga estava tomando um uísque no bar. De repente o Rubem Braga veio na mesa e disse: “Olha, não quero atrapalhar a conversa de vocês, não, mas eu pensei que as duas únicas pessoas que não pudessem conversar no mundo fossem vocês dois”.

A.D. – Há um grande folclore sobre o Chateaubriand. Inclusive, fazia chantagem. Com chantagem ele fez aquela campanha da aviação: “Asas para o Brasil”. Quer dizer, ele fazia chantagem mas deixava [um legado]. Eu queria a sua visão dele.

H.F. – O Chateaubriand era uma grande personalidade. Isso que você diz é verdade. Mas são raros os donos de jornais que não fizeram isso, que não enriqueceram com jornal. Poucos não enriqueceram com o jornal. Agora, o Chateaubriand era um sujeito fantástico. Ele, com 22 anos, fez um concurso para a cátedra de Técnica da Filosofia no Recife e tirou o primeiro lugar. Não quiseram dar o cargo para ele, ele veio ao Rio para reivindicar esse cargo e acabou entrando no jornalismo. Comprou o jornal. E depois ele foi o maior proprietário de jornalismo, proporcionalmente. Ele chegou a ter 76 empresas jornalísticas: rádio, televisão, jornal e uma agência. A maior agência do mundo, a Meridional. O Chateaubriand foi senador pela Paraíba, depois foi senador por Pernambuco, foi embaixador em Londres, que tem a aristocracia mais arrogante e autoritária. Ele criou a Ordem dos Jagunços. Ele não botou aquela jarreteira na rainha porque não deu, botou no Churchill. Ele foi senador, foi embaixador, foi tudo.

A.D. – Mais um flagrante. Seu irmão Millôr. Você, profissional, com vê essa figura?

H.F. – Millôr era genial. Ele nasceu genial. Millôr era fantástico. O Millôr lançou duas páginas centrais da revista Pif-Paf com os desenhos dele. Os desenhos dele eram maravilhosos. Ele me dizia: “Hélio, quando eu paro de desenhar eu volto melhor e com mais vontade de desenhar”. E o desenho dele é fantástico.

A.D. – Hélio, uma avaliação aos 93 anos. Mas de profissão intensa, setenta e poucos anos mais ou menos. Olhando para trás, você não foi só um jornalista, você teve uma militância, uma participação política muito intensa. Como é que você vê 1945, quando você arregaçou as mangas na profissão, e hoje, 2014. Valeu a pena? O que sobrou disso? As pessoas têm uma noção, os jovens? A sua neta que já é brilhante repórter. Ela sabe?

H.F. – Nenhum arrependimento, nenhum constrangimento, nenhum ressentimento: eu quis fazer tudo isso. Em 1966, quando eu era candidato a deputado federal [pelo então MDB] estava todo mundo exilado ou asilado, não tinha praticamente ninguém aqui. Então, pelas pesquisas, eu ia ser o mais votado. Naquela época existia um negócio chamado “Comício em Casa”. Você juntava 100, 150 pessoas na sua casa e perguntavam tudo. E muita gente me perguntava: “Hélio, você é um grande jornalista, por que quer ser deputado?” “Eu não quero ser deputado”, eu dizia. Eu estava começando um projeto político. “Se agora, em 1966, eu tiver a votação que eu espero, em 1970 eu serei candidato a governador e em 1975 eu serei candidato a presidente porque me preparei para isso. Eu quero, realmente”. Então, é um projeto político, e era o que eu queria. E em 1976, quando eu fui cassado, quem tratava de tudo era o [general] Golbery [do Couto e Silva]. O Golbery falava com amigos meus. Falava com uma porção de gente e dizia que o presidente “não quer cassá-lo” [a mim], mas não admite de jeito nenhum que ele [eu] seja candidato a deputado. Porque se com um jornal só ele nos dá um trabalho muito grande, e ele está dizendo que vai falar todo dia, aí a gente não aguenta.

A.G. – Hoje, com essa tecnologia da internet, como você se sente sendo um blogueiro, tendo um blog, um site?

H.F. – Hoje eu só converso através do blog.

A.G. – Mas como você se sente, você tem saudade da máquina?

H.F. – Inclusive da redação. As redações eram centros de cultura. Como aquelas grandes damas da Europa que convidavam os escritores, assim eram os jornais. Você ia ao jornal e encontrava o Rui Barbosa, o João do Rio, uma porção de gente.

A.G. – Uma fauna, uma flora.

H.F. – Hoje, você vai a uma redação e estão todos naquele buraco, com a cabeça ali. É a mesma coisa na Bolsa [de Valores], antigamente o sujeito andava. Agora você vê fotografias da bolsa funcionando aqui, em Nova York, em Cingapura, que são os grandes centros, o sujeito está olhando para aqueles negócios todos, é uma coisa incrível. As redações hoje não têm o menor appeal. Você fica ali…

A.G. – Não tem nem barulho.

H.F. – Nada!

A.D. – Nós começamos com a sua profissão de fé, “jornal é combate”. Qual é o conselho que você dá para a sua neta, que é repórter?

H.F. – Combater. O jornalismo não é outra coisa a não ser a manifestação sobre o poder que incide a respeito de todos os cidadãos. Nós temos 200 milhões de habitantes. Todos dependem de informação e de opinião. Agora, os jornais têm que ter informação e opinião. Não adianta os jornais, 30, 40 anos depois, fazerem uma revisão das suas posições, dizerem que o apoio à ditadura foi um equívoco, dizerem que não fizeram nada contra o Brizola em 1982, dizerem que em 1989 não denunciaram que o Lula tinha uma filha fora do casamento e editaram o debate Collor e Lula como se o Collor tivesse dado um banho no Lula. Os jornais têm que ter opinião. Agora, os jornalistas verdadeiros que não são donos dos jornais são donos da sua própria opinião? Essa que é a grande pergunta. A internet, na verdade, favoreceu muita gente porque hoje o sujeito que antigamente, para publicar um artigo, tinha que conhecer alguém do jornal, ele hoje publica até exageradamente porque você não sabe o nome do sujeito, onde ele mora; bota “Augusto Azevedo”, qualquer coisa, ele vai lá e dá a opinião dele.