Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O que é um formador de opinião

O presidente Lula participou na quinta-feira (29/10), em São Paulo, da Expocatador. Discursou para uma platéia de catadores de materiais recicláveis. E o que marcou este evento? Duas frases de Lula. São elas: ‘a figura do chamado formador de opinião pública já não decide mais’ e ‘o povo não quer mais intermediários’.

Mais que frases (ditas de efeito), principalmente em se tratando do presidente Lula, estas duas servem como constatação do que já vinha se desenhando no horizonte: é rotineiro aqueles que exercem cargos públicos deitar falação sobre tudo e todos. Agem assim porque são referidos por parte da grande imprensa como ‘formadores de opinião’. Esta alavancagem dada pela imprensa termina sendo uma ação entre amigos.

Veículos de comunicação classificam esta ou aquela autoridade, esta ou aquela celebridade do mundo artístico, político etc. como pessoa que forma opinião. E são elas as primeiras a serem contatadas para ‘repercutir’ a declaração da autoridade fulano ou beltrano. Entramos assim na transversal no mundo das fontes do jornalismo, uma forma pouco criativa de robustecer uma matéria factualmente pobre.

Um soluço

O papel das pesquisas de opinião pública tem relação direta com esse personagem pouco etéreo chamado formador de opinião. Aliás, entre opinião pública e opinião publicada existe espaço tão grande ou maior que o existente entre o Oiapoque e o Chuí (ver, neste Observatório, ‘A correspondência de comadres‘). Faltou mencionar que desde a pá de cal lançada sobre a ditadura reiniciada no Brasil em 1964 e, em especial, durante as eleições diretas para presidente da República em 1989, vimos surgir ostensiva separação entre a opinião da vasta maioria da população e a opinião dominante publicizada de maneira retumbante – e sempre repetitiva – pelos que formam os grandes grupos midiáticos do país.

Mas o que é, exatamente, um formador de opinião? Pessoas que influenciam contingentes de pessoas, que levam as massas a concordar com uma dada opinião ou a consumir determinado produto, assistir determinado espetáculo, ler determinada revista ou jornal. Daí que determinadas celebridades cobram caro para associar seu nome, sua voz, seu rosto a um determinado banco, a uma mineradora, a uma fábrica de automóveis ou a uma marca de roupa.

É também um conceito que a atual teoria da comunicação rejeita por não aceitar que um indivíduo tenha poder de formar a opinião da massa. Formador é exagero. O que temos, e muito, são pessoas que influenciam a opinião de outros. Quando se descarta o conceito de ‘massa manipulável’ percebe-se que a população é heterogênea e interpreta as mensagens segundo seus códigos. Nesta perspectiva, o conceito de ‘formador de opinião’ passa a ser tão efetivo quanto dar um susto para que uma pessoa se livre do repetitivo (e irritante) soluço. Alguns estudiosos afirmam que formador de opinião é quem consegue se destacar na atividade que exerce. Pessoa com grande grau de reconhecimento (de forma positiva) do público.

Boa polêmica

É fácil confundir formador de opinião com pessoa que tem gosto pela simples polêmica. São pessoas que não fogem ao debate ou, então, como dizem os mineiros, aqueles ‘que dão um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair’. Ou, pior, são aqueles que, qual mariposas em tempo de chuvas, sentem-se instantaneamente atraídas pela luminosidade e pelo calor emanado dos holofotes. Estes fazem ecoar sua opinião em entrevistas sobre assuntos diversos ou alheios ao que tem potencial de polêmica, ou colocam manifesto ou carta-aberta na praça.

No meio artístico polemista de plantão é o Caetano Veloso. A propósito de decisão da prefeitura de Salvador para por fim à ‘calçada portuguesa’ do Porto da Barra, com autorização do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), e substituí-la por calçada de granito e concreto, o cantor logo se posicionou: ‘Regredimos para visão grosseira que teria deixado o Pelourinho, em Salvador, e o Largo da Lapa, no Rio, virarem pó e serem substituídos pelo caos dos restos da arquitetura moderna que enfeiam o Brasil?’

Outros são menos freqüentes, como o foi há alguns meses o ator Pedro Cardoso, contra a exploração da nudez feminina em filmes, novelas etc., ao fazer circular manifesto questionando ‘até quando, nós, atores, atenderemos ao voyeurismo e a disfunção sexual de diretores e roteiristas, que nos impingem essas cenas macabras?’.

No meio político temos muitos, quase sempre ao alcance do telefone celular. Alguns espécimes: Marco Aurélio Garcia (relembrar o episódio relacionado ao acidente com um avião da TAM em 2007, quando foi flagrado fazendo ‘top-top’ na janela de seu gabinete ao conferir pelo Jornal Nacional notícias que eximiam o governo de culpas); Fernando Collor (‘As palavras que o senhor acabou de pronunciar são palavras que não aceito. Quero que o senhor as engula agora, as digira e faça delas o uso que vossa excelência julgar conveniente’); Heloísa Helena (‘A majestade barbuda, o presidente Lula, está mentindo, apresentando um país das maravilhas que não existe’); Carlos Minc (‘O álcool faz 25 vezes mais vítimas do que as drogas ilegais somadas. Se o que faz mal deve ser ilegal, a comissão deveria propor que álcool e cigarro fossem declarados ilegais’); André Puccinelli (‘Carlos Minc é *** e maconheiro e se viesse ao Mato Grosso do Sul, eu ia correr atrás dele e estuprar em praça pública’).

Mas nenhum destes possuía aquela vocação extraordinária para a polêmica como tiveram Carlos Lacerda e Antonio Carlos Magalhães. Os adversários políticos de Lacerda chamavam-no de ‘O Corvo’. Consideravam-no um sujeito agourento; fabricador de crises; mensageiro e responsável direta ou indiretamente pelas tragédias políticas que desabavam, ou que podiam vir a desabar sobre o Brasil. É de sua autoria: ‘Juscelino não deve ser candidato. Se for, não deve ser eleito. Se for eleito, não deve tomar posse. Se tomar posse, não deve governar, deve ser deposto’. E, mais recentemente, o político baiano conhecido pelos adversários como Toninho Malvadeza não se fazia de rogado ante uma boa polêmica. É dele: ‘Há três tipos de repórteres: o que quer dinheiro, o que quer notícia e o que quer emprego. O correto é não dar dinheiro a quem quer notícia, notícia a quem quer emprego e emprego a quem quer dinheiro.’

Mancadas verbais

Mas esta lógica de termos políticos talhados para a polêmica em mar aberto vem se invertendo a cada ano. E, por inacreditável que possa ser, quem tem surgido como polemista na política nacional é o senador paulista Eduardo Suplicy. Primeiro por ter dado cartão vermelho ao presidente do Senado José Sarney e depois por ter vestido aquele misto de cueca-calção, em seu ambiente de trabalho, isto é, o sisudo Senado Federal. Nos dois episódios, Suplicy mostrou ser polemista mais por conveniência que por talento natural.

No Judiciário, Gilmar Mendes é imbatível. Tem opinião aos borbotões e pouco importa se, em algum momento, o tema em que está metendo a colher, geralmente com opiniões finais e irrecorríveis, for objeto de julgamento no Supremo Tribunal Federal, por ele presidido. Não ficam muito atrás na arte de polemizar seus colegas togados Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa. Alguns, como o ministro Gilmar Mendes, conseguem espaço cativo, regular, diário nos editoriais e nas páginas de jornais de grande porte como o Estado de S.Paulo. É muito raro que um rompante do presidente do Supremo não seja imediatamente acatado pelo editorialista do Estadão.

É recorrente reconhecer que o presidente Lula diz o que pensa, fala o que quer e o que acha que o povo quer ouvir, produz declarações a cada instante e não demonstra qualquer incômodo com a repercussão de suas falas. A depender dele, a polêmica não prospera muito. Sua frase se eleva como onda, inunda capas de jornais e páginas de revistas semanais e deságua nos telejornais noturnos. O fato é que cabe aos demais atores sociais repercutir o que aos poucos vai se transformando em espuma. E, é fato robusto: o que o presidente fala, repercute.

Vejamos este brevíssimo bate-pronto com o presidente:

** Aliança política? – ‘Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão’.

** Oposição? – ‘Pobre da oposição que não tem o que fazer; acho que a ociosidade é a desgraça da humanidade’. 

** Crise mundial? – ‘Lá, a crise é um tsunami; aqui, se chegar, vai se uma marolinha, que não dá nem para esquiar.’

** Responsáveis pela crise? ‘A crise financeira foi causada por pessoas brancas de olhos azuis.’ Sobre esta última frase, que recebeu repercussão internacional – The Times, Daily Telegraph, The New York Times – é oportuno transcrever o seguinte excerto da coluna do ombudsman da Folha de S.Paulo, publicado em 29 de março de 2009: ‘A Folha adora debochar das mancadas verbais do presidente Lula. Quase sempre de maneira preconceituosa, elitista, exagerada, inócua e equivocada porque um presidente deve ser julgado pela sua administração, não pelo seu português ou seus conhecimentos gerais.’

‘Plebe rude’

O certo é que criar uma boa frase requer, ao menos para os simples mortais, uma engenharia complicada. Já os dotados de espontaneidade e intuição não necessitam muito dessa engenharia. Elas simplesmente saem. E acabam se tornando referência. Aqui e alhures. Afinal, foi Barack Obama, presidente dos EUA, numa conversa informal com líderes mundiais, pouco antes do início da reunião do G20, em Londres, que se referindo ao palestrante da recente Expocatador enviou esta frase para a imprensa internacional: ‘Esse é o político mais popular da Terra. Adoro esse cara’.

É sintomático que as duas frases com que abrimos este texto tenham sido pronunciadas pelo presidente Lula aos participantes da Expocatador. Sintomático porque, como sói acontecer, o público-alvo estava muito além da Expocatador. E além dos profissionais que catam material reciclável por todo o país estavam, certamente, os profissionais da imprensa que catam opiniões a torto e a direito, personagens com algum grau de notoriedade naturalmente conquistada ou artificialmente conferida, com o intuito de influir no comportamento, na conduta e na opinião daqueles classificados como ‘massa ignara’, ‘plebe rude’, ‘pessoal do andar de baixo’, e aqueles que no Brasil profundo não conseguem ‘ter três refeições ao dia’.

Lula falava àqueles que se portam como ‘intermediários do povo’. Os mesmos que, segundo sua fala, ‘já não decidem mais’.

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Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter