Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O guardião republicano

A última edição [televisiva] deste Observatório da Imprensa tratou do SwissLeaks – o macrovazamento de correntistas de todo o mundo com contas numeradas na filial suíça do HSBC. Desdobramentos posteriores do caso publicados no sábado (14/3) pelo jornal O Globo nos obrigam a retornar ao assunto, o que estamos fazendo em nosso site (ver aqui e aqui). Voltaremos ao assunto. É quente: jornalismo investigativo só pode ser exercido junto ao jornalismo independente.

Nas manifestações de sexta e domingo (13 e 15/3), sobretudo nesta última, não apareceram muitos cartazes, faixas e banners em defesa do Ministério Público. Comemoravam-se no dia 15 de março os 30 anos da nossa democracia, mas, lamentavelmente, ficou de fora um dos instrumentos mais fortes e decisivos para a manutenção do Estado de direito em nosso país: os defensores do povo, ou da sociedade, que Tancredo Neves antes da posse pretendia consagrar na nova Constituição e cujo rascunho encomendara a um grupo de renomados juristas.

Agora, depois dos lamentáveis acessos de fúria explícita exibidos pelos presidentes das casas legislativas federais, Renan Calheiros do Senado e Eduardo Cunha, da Câmara dos Deputados, contra o procurador geral da República, Rodrigo Janot, figura máxima do Ministério Público, a omissão dos manifestantes em todas as capitais tornou-se gritante justamente porque o Ministério Público, a mais efetiva instituição republicana, tem o poder de fiscalizar os demais poderes desde que em processos devidos e autorizados pelo Judiciário. O nome que Tancredo Neves pretendia adotar não colou, os constituintes preferiam remoçar a antiga instituição com o nome que sempre usou e se ajustava plenamente às novas funções graças ao adjetivo “público”, do povo.

Como todas as instituições humanas, o MP é sujeito a erros, mas o seu desempenho na Operação Lava Jato tem sido impecável. Ter a coragem de sugerir ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquéritos contra as figuras máximas do Legislativo é um ato de coragem, inédito e inaudito. Merece não apenas o aplauso, mas o irrestrito apoio de toda a sociedade porque investigar não significa incriminar. Não existem cidadãos acima das leis.

Não é só no Brasil que o Ministério Público tem sido perseguido implacavelmente. Não esqueçamos o recente assassinato na Argentina de Alberto Nisman, que investigava ações da própria presidente Cristina Kirchner e do seu chanceler, Hector Timerman, para encobrir os responsáveis pelo mais trágico atentado terrorista na América Latina. No país vizinho e no mundo hispânico o Ministério Público é chamado de Fiscalía. Alberto Nisman era um fiscal e a fúria de alguns assessores da Casa Rosada contra os promotores da Fiscalía Federal não foi diferente das ameaças de Calheiros e Cunha contra equipe que trabalha na Operação Lava Jato.

O Ministério Público investiga e denuncia, a Polícia Federal investiga e prende. Complementares e autônomos. Tal como na imprensa, jornalismo investigativo e jornalismo independente são indivisíveis e inseparáveis. (Alberto Dines)

 

A mídia na semana

>> Ainda não estão esgotadas as avaliações sobre as manifestações do domingo (15/3) que levaram às ruas do país entre um e dois milhões de pessoas para lembrar o trigésimo aniversário da nossa democracia. Se por um lado ficou demonstrado que a sociedade brasileira assimilou os princípios básicos da democracia – que são o respeito às leis, à ordem e ao direito dos outros –, por outro lado evidencia-se que o processo democrático, como todos os processos políticos, é dinâmico. Não pode parar. O panelaço com buzinaço e piscadelas de luz nas maiores cidades do país no exato momento em que os dois ministros Cardozo e Rosseto concediam uma coletiva em Brasília, depois dos protestos, indica um nível de descontentamento que não deve e parece que não está sendo minimizado. Felizmente a ideia suicida de impeachment não vem encontrando sustentação jurídica nem política, enquanto ganha corpo a tese de diálogo e consensos levantada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Agora trintona e balzaquiana nossa democracia ganhou como presente de aniversário um sistema de alertas a prova de crises. Se utilizado costuma ser infalível.

>> A realidade transformada em show virou tragédia na Argentina, semana passada, quando três atletas olímpicos franceses morreram numa colisão de dois helicópteros antes da gravação de uma sequência da série Dropped (jogados). Também morreram os dois pilotos argentinos e cinco membros da equipe de gravação francesa. Criado na Suécia, o reality show combina celebridades, aventura e superação: os personagens são jogados em ambientes hostis de onde devem se safar sozinhos. Atletas olímpicos e ex-atletas aceitam participar deste circo porque os polpudos cachês combinados com a fama permitem que continuem a carreira ou, quando aposentados, ter uma vida decente. Este tipo de sobrevivência em situações extremas já custou a vida de oito participantes em reality shows semelhantes em diversas partes do mundo. Nossa mídia não examinou esta estranha forma de ganhar a vida: claro, reality shows dão muito ibope.