Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Opus Dei investe na formação de jornalistas

Em entrevista concedida à revista Época em janeiro, o professor e
consultor editorial Carlos Alberto Di Franco, diretor do curso Master em
Jornalismo – Gestão de Empresas de Comunicação, revelou a sua relação com o Opus
Dei, prelazia ultraconservadora da Igreja Católica. Di Franco afirmou ser
numerário do Opus Dei e consultor espiritual do governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB).


A confissão do professor jogou mais lenha na fogueira de uma polêmica que os
leitores da revista Veja e deste Observatório vêm acompanhando
desde o final do ano passado, travada entre o jornalista Alberto Dines e o
colunista Diogo Mainardi, do semanário da Editora Abril. Dines alerta para a
crescente influência nas redações brasileiras de idéias e práticas gerenciais
difundidas a partir do Opus Dei; Mainardi acredita que o jornalismo nacional
está impregnado de ‘lulistas’ e ‘dirceuzistas’ a serviço do governo federal.


A pré-candidatura de Alckmin à presidência da República certamente ajudou a
trazer os holofotes da mídia para a polêmica, mas o assunto não é novo. Ao
contrário, faz muito tempo que Dines levantou a questão da influência do ideário
do Opus Dei na imprensa, no início por intermédio da espanhola Universidade de
Navarra, com a qual o Master em Jornalismo mantém estreita relação. Os primeiros
artigos sobre o assunto publicados no OI são de 1996, ano de estréia do
Observatório na internet.


Quase tão antigo quanto os alertas do editor-responsável deste
Observatório é o curso Master em Jornalismo, dirigido por Di Franco, cuja
primeira edição se deu em 1997. De lá para cá, segundo as informações do site oficial
do curso
, quase 200 profissionais conseguiram o diploma do curso.
A partir dos dados de 137 ex-alunos disponíveis na página do Master em
Jornalismo na internet, foi possível realizar tabulações e consolidar o perfil
de quem se graduou. Além disso, o OI procurou entrar em contato, via
e-mail, com todos esses ex-alunos. Cerca de 30 endereços estavam incorretos ou
retornaram por outros problemas (caixa postal cheia ou aviso de ausência
temporária). No espaço de uma semana, 21 ‘masterianos’ responderam a um curto
questionário sobre as características do curso, cujo resultado será apresentado
aqui.


Master e Opus Dei: ‘solução cristã’


Na página de apresentação do Master em Jornalismo na internet não há uma
única referência ao Opus Dei. Ao contrário, a ênfase do curso parece ser
bastante ‘pragmática’. ‘Cada vez mais as empresas de comunicação necessitam que
os líderes de suas redações tenham uma visão abrangente, integrando as
exigências de uma gestão empresarial moderna e eficiente, em um mercado
competitivo e adverso, ao ideal de um jornalismo de qualidade, inovador e
comprometido. Com forte foco em gestão, incluindo a editorial, o Master em
Jornalismo – Gestão de Empresas de Comunicação é uma clara resposta a essa
demanda’, explica o texto do site.


Apenas se o leitor acessar a página do Centro de Extensão Universitária,
entidade que abriga o Master, será informado da relação com o Opus Dei. No link
‘Capelania Universitária’, há uma apresentação bastante transparente de tal
relação, cujo conteúdo é o que se segue:




‘O Centro de Extensão Universitária, procurando cuidar não apenas da
qualidade científica e acadêmica das suas atividades, desenvolve estudos de
aprofundamento nos aspectos éticos das diversas disciplinas. Nesse sentido,
conta com o auxílio da prelazia do Opus Dei, à qual confia também a organização
de atividades de formação cristã e serviços de capelania para todos os que
desejarem participar.


O Opus Dei é uma prelazia pessoal da Igreja Católica, cuja a missão é
promover, entre os fiéis cristãos de todas as condições, uma vida plenamente
coerente com a fé nas circunstâncias correntes da existência humana, e
especialmente por meio da santificação do trabalho. Contribui assim para a
evangelização de todos os ambientes, lembrando às pessoas que, seja qual for a
atividade a que se dediquem, devem cooperar para uma solução cristã dos
problemas da sociedade. O fundador, São Josemaría Escrivá, foi canonizado pelo
Papa João Paulo II, no dia 6 de outubro de 2002, na Praça de São Pedro em
Roma.’


Resultados da enquete


Se a entidade-mãe do Master assume a relação, os ex-alunos foram unânimes em
negar que o curso tenha algum caráter doutrinário. Os 21 masterianos que
responderam a enquete do OI afirmaram que as aulas versavam apenas sobre
aspectos técnicos e gerenciais da atividade de editor, embora alguns tenham
revelado que perceberam ou foram explicitamente avisados da relação de
professores com a Obra.


‘No primeiro dia de aula, o professor Carlos Alberto Di Franco fez um ‘tour’
pelas instalações da escola. E nos levou à capela, deixando claro que todos
seriam bem-vindos quando quisessem participar dos cultos. Mas nada além disso’,
escreveu um dos ex-alunos em sua resposta. ‘No primeiro módulo, numa da
primeiras aulas, o professor Di Franco falou sobre a Opus Dei e sobre as
ligações do curso com a Universidade de Navarra, na Espanha. Colocou-se à
disposição para perguntas, indicou o site da ordem etc. Nenhum mistério, muita
transparência e um posição ética corretíssima. O tema esteve circunscrito a
conversas de corredores entre os colegas participantes. Não recordo se, ao longo
de um ano, o assunto Opus Dei tenha sido discutido em sala de aula novamente.
Acho ingenuidade pensar que editores como nós, com 29 anos de profissão,
tenhamos sido doutrinados ou influenciados pela Opus Dei’, completa um diretor
de redação que fez o curso.


Em outra questão formulada pelo OI, os ex-alunos se dividiram.
Questionados se participação no Master abriu portas para a carreira
profissional, 71,4% dos respondentes negaram e 28,5% afirmaram que o curso
ajudou a conseguir novos empregos ou postos nas empresas que trabalhavam. Um
ex-aluno chegou a justificar a resposta, mas novamente negou a influência da
prelazia: ‘O contato com editores de todo o país tende a abrir portas, no médio
e longo prazo. É natural, e não uma conseqüência da direção ser da Opus Dei.
Incrível seria se passássemos cinco quinzenas do ano debatendo jornalismo com
colegas em cargos de chefia e isso nunca motivasse algumas indicações’, explicou
um dos respondentes. Outro masteriano, porém, revela que há veículos que levam
em conta a participação no Master para contratar: ‘O jornal onde trabalho hoje,
por exemplo, teve acesso a meu currículo pelo Master’, escreveu.


A terceira questão formulada na enquete dizia respeito à relação dos alunos
com o curso – se a iniciativa de participar do Master em Jornalismo havia sido
do profissional ou do veículo em que ele trabalhava. Do total de respondentes, a
maior parte – 47% – chegou ao curso por iniciativa do órgão de comunicação em
que trabalhava. Nem todos explicitaram, mas muitos revelaram que o curso foi
pago pela empresa e pelos alunos – no site oficial do Master, há a informação de
que o valor do curso é de 18 mil reais por um ano, com desconto de 10% às
empresas que indicarem mais de um aluno. Aos 47% devem ser somados outros 14% de
respondentes que afirmaram ter partido a iniciativa do veículo e de um interesse
pessoal no curso, o que já soma a maioria absoluta (61%). Cursaram o Master por
iniciativa própria apenas 19% do total de ex-alunos que responderam à enquete. O
restante – outro contingente de 19% – afirma que a iniciativa foi tomada a
partir de sugestão de colegas, sem deixar claro quem pagou o curso.


Estatísticas do Master


A partir dos dados disponíveis na página oficial do Master em Jornalismo na
internet, é possível traçar um perfil dos alunos graduados pelo curso.


A maior parte dos alunos (36%) é de São Paulo, o que faz sentido ao se levar
em conta que o curso é ministrado na capital do estado. Chama atenção, no
entanto, o contingente de ex-alunos da região Sul do Brasil – 10,9% são do
Paraná; 10,2%, do Rio Grande do Sul; e 3,65% de Santa Catarina. Apenas 2,9% do
total são cariocas – menos do que os ex-alunos de Goiás, Espírito Santo e Bahia,
além dos estados sulinos. Na tabela abaixo, estão os percentuais dos ex-alunos
por estado de origem.




























































Ex-alunos segundo o
estado de origem
Total
SÃO PAULO 36,50%
PARANÁ 10,95%
RIO GRANDE DO
SUL
10,22%
ORIGEM
INDETERMINADA
7,30%
MINAS
GERAIS
5,84%
GOIÁS 5,11%
ESPÍRITO
SANTO
4,38%
BAHIA 3,65%
SANTA
CATARINA
3,65%
RIO DE
JANEIRO
2,92%
DISTRITO
FEDERAL
2,19%
TOCANTINS 2,19%
ARGENTINA 1,46%
URUGUAI 1,46%
ACRE 0,73%
ESPANHA 0,73%
MATO GROSSO 0,73%
Total
Global
100,00%

Quando os dados são cruzados levando em conta o veículo em que o profissional
trabalhava na época em que cursou ou Master, o resultado mostra que a maior
parte dos ex-alunos veio do Grupo Estado, conforme mostra a tabela abaixo. Do
jornal O Estado de S.Paulo, foram 9 profissionais que somados aos 4 da
Agência Estado resulta em 13 masterianos do grupo – dois a mais do que os 11
free lancers que despontam na liderança, conforme a tabela abaixo.


Faz sentido: o professor Carlos Alberto Di Franco é colunista do
Estadão, que prestigia o Master enviando anualmente alguns de seus
profissionais para o curso. A Editora Abril aparece com 9 masterianos, empatada
com o Estadão e a Gazeta do Povo, do Paraná, jornal que está sendo
processado pelo governador do estado, Roberto Requião (PMDB), que acusa o
veículo de publicar mentiras sobre a administração estadual.


O gaúcho Zero Hora já mandou 7 profissionais para o Master, ao passo
que A Tarde, da Bahia, e O Popular, de Goiás, enviaram 5
jornalistas cada um. Chama a atenção o fato de o maior jornal do país, a
Folha de S.Paulo, não ter um único masteriano, e o governo do estado de
São Paulo, na gestão Alckmin, ter enviado um funcionário da Secretaria de
Comunicação para fazer um curso destinado a editores de jornal. Coincidência ou
não, o governador Geraldo Alckmin aparece no site do Master como um dos
palestrantes do curso.































































































































































































































































Ex-alunos segundo
veículo de origem
Total
em %
FREE LANCER 11 8,03%
EDITORA
ABRIL
9 6,57%
Gazeta do Povo
(PR)
9 6,57%
O Estado de S.
Paulo
9 6,57%
Zero Hora 7 5,11%
A Tarde
(BA)
5 3,65%
O Popular
(GO)
5 3,65%
A GAZETA
(ES)
4 2,92%
AGÊNCIA
ESTADO
4 2,92%
ValeParaibano 4 2,92%
CORREIO BRAZILIENSE
(DF)
3 2,19%
Diário Popular Pelotas
(RS)
3 2,19%
Tribuna de Minas
(MG)
3 2,19%
A Notícia
(SC)
2 1,46%
AGÊNCIA REPÓRTER SOCIAL
(SP)
2 1,46%
Comércio da
Franca
2 1,46%
Correio
Popular
2 1,46%
DIÁRIO DA
REGIÃO
2 1,46%
Diário Gaúcho
(RS)
2 1,46%
Estado de Minas
(MG)
2 1,46%
GAZETA DE
PIRACICABA
2 1,46%
Jornal do
Tocantins
2 1,46%
Meio & Mensagem
(SP)
2 1,46%
O Globo 2 1,46%
TV Anhangüera
(GO)
2 1,46%
TV Paranaense
(RPC)
2 1,46%
A Tribuna Rio Branco
(AC)
1 0,73%
Agência Estado
1 0,73%
Assembléia Legistativa
de Mato Grosso
1 0,73%
Associação Paulista de
Jornais (APJ)
1 0,73%
CLARÍN
(ARGENTINA)
1 0,73%
Diário Catarinense
(SC)
1 0,73%
Diário de Santa Maria
(Grupo RBS RS)
1 0,73%
Diário do Norte do
Paraná Maringá (PR)
1 0,73%
Diario El Observador
(Uruguai)
1 0,73%
Editorial Perfil
Argentina
1 0,73%
EL PAÍS
(MONTEVIDEU-UR)
1 0,73%
EXTRA (RJ) 1 0,73%
FAAP 1 0,73%
FOLHA DE LONDRINA
1 0,73%
Governo de São
Paulo
1 0,73%
HOJE EM DIA
(MG)
1 0,73%
Innovation Media
Consulting Group (Espanha)
1 0,73%
Instituto Rede
Paranaense de Comunicação IRPC
1 0,73%
ISTOÉ
DINHEIRO
1 0,73%
JORNAL DE SANTA
CATARINA
1 0,73%
Jornal do Brasil
(RJ)
1 0,73%
Master em
Jornalismo
1 0,73%
Nota 10 Design
Assessoria de imprensa Curitiba (PR)
1 0,73%
O Estado de Minas
(MG)
1 0,73%
O PIONEIRO (CAXIAS DO
SUL-RS)
1 0,73%
O Tempo (MG) e Blog do
Noblat
1 0,73%
Prefeitura
paulistana
1 0,73%
Rede Bom Dia de Jornais
Sorocaba (SP)
1 0,73%
Rede de Notícias
Vitória (ES)
1 0,73%
Rede Gazeta
ES
1 0,73%
Rede TV!
(SP)
1 0,73%
REVISTA LÍNGUA
PORTUGUESA
1 0,73%
revista Phoenix
Florianópolis (SC)
1 0,73%
TV Anhangüera Palmas
(TO)
1 0,73%
Universo Online (UOL
SP)
1 0,73%
Total
Global
137 100,00%

A tabela abaixo, por fim, mostra o cargo ou ocupação dos masterianos. A maior
parte – 33 do 137 alunos pesquisados, era editor à época do curso. Há também
muitos profissionais de primeiro escalão dos jornais. Trinta e nove dos
ex-alunos eram editores-chefes ou editores-executivos, além de 9 diretores de
redação. Em contraposição, os repórteres somam apenas 7 desde o início do curso,
em 1997.


























































































Ex-alunos segundo o
cargo

Total
Editor 33
Editor chefe
25
Editor
executivo
14
Diretor de
Redação
9
Coordenador 6
Repórter 7
Assessor de imprensa
4
Consultor 4
Diretor 4
Redator
chefe
3
Editor
assistente
3
chefe de
redação
3
Chefe de reportagem
2
Diretor de
Jornalismo
2
Subeditor 2
Repórter
especial
2
Diretor
geral
2
Correspondente 2
secretário de
redação
2
Diretora
superintendente
1
Editor adjunto
1
Gerente de
Produtos
1
Consultor e professor
1
Chefe de
Reportagem
1
Coordenador de redação
1
editorialista 1
gerente 1
Total
Global
137