Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pausa para Minerva, a sábia

Os projetistas que desenharam nosso arquétipo não deixaram espaço para o componente reflexivo. Impacientes e/ou ansiosos, montaram um estereótipo à sua imagem: um sujeito impulsivo, infenso à meditação, incapaz de ensimesmar. Os fados, deuses ou o destino – aparentemente  mais tranquilos  e esmerados – tentam refinar o paradigma psicológico ao qual nos confinaram impondo exercícios periódicos capazes de frear nossa sofreguidão e excitação.

Como agora, com este inesperado empate na corte suprema no caso do mensalão. O voto de Minerva a ser proferido na próxima semana pelo decano dos meritíssimos, ministro Celso de Mello, não pode ser classificado com a ótica do apocalipse e da ruptura.

Ao trazer para o noticiário e para a inóspita Praça dos Três Poderes, em Brasília, o nome e figura da romana Minerva (equivalente da grega Atena), nossa mídia deveria lembrar os seus atributos básicos – é a deusa da sabedoria, da excelência, das artes e da estratégia. Usá-la como sinônimo do voto de desempate é um preito à consciência, bom-senso, discernimento e prudência em escolhas transcendentais.

Capital da insensatez

No caso da AP 470, este voto de Minerva parece feito sob medida: as qualidades do magistrado paulista  não  advêm apenas da senioridade e experiência, mas da sua absoluta transparência. A clareza com que expõe suas opiniões não é fruto apenas da eloquência  ou retórica, mas da nitidez dos seus compromissos morais. Sua condenação dos malfeitos cometidos pelos mensaleiros foi arrasadora, uma das mais duras registradas no plenário do STF nos últimos treze meses: além dos privilégios e favorecimentos, os acusados atentaram contra a democracia, agrediram a paz pública, subverteram os valores republicanos.

E se agora Celso de Mello parece inclinado a aceitar o recurso dos embargos infringentes não está retocando as  opiniões anteriores, apenas reforça a futura sentença impedindo que os réus venham a se proclamar como vítimas de um processo indevido, apressado e manipulado.

O recém-chegado Luís Roberto Barroso também tentou exibir-se como prisioneiro de sua consciência, mas ao declarar que não se importa com a repercussão das suas escolhas, desvendou um arrogante desprezo pela “multidão”, esquecido que ela é o conjunto de cidadãos e contribuintes. Sem o querer adotou o espírito de Fla-Flu e da polarização que pretendia evitar.

A tremenda expectativa criada em torno do julgamento de um número tão grande de ex-poderosos não pode ser pretexto para uma decisão incompleta. Aceitar agora embargos infringentes, apesar da carga negativa do verbo infringir (violar, transgredir, desrespeitar), pode ser a oportunidade para discutir e acabar com a “cultura dos recursos” que, segundo o jurista Joaquim Falcão, banaliza o mal e torna injusto o aparato da justiça.

O empate no Supremo Tribunal Federal – oferenda  do acaso – vai  nos acostumar a refrear falsas premências, preconceitos, impulsos, frenesi. E o poder de desempate conferido a Celso de Mello é dádiva maior: pode servir como estímulo para construções doutrinárias mais elaboradas e sérias.

Qualquer que seja o desfecho do julgamento, esta pausa e a rara aparição de Minerva na capital da insensatez é de bom-agouro.