Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Viva a novela verdade

A primeira novela da televisão brasileira foi ao ar em 1951, na TV Tupi. Na mesma emissora, em 1968, a linguagem coloquial de “Beto Rockefeller” viria a se tornar o modelo definitivo para a telenovela brasileira. Em 69 a TV Globo anunciava a estreia de “Véu de Noiva” – onde tudo acontece como na vida real –, a novela verdade. Daí para frente todas as telenovelas brasileiras, ou quase todas, passaram a ter a nossa realidade e o nosso cotidiano como componentes básicos de suas tramas.

Ficção e realidade se misturam envolvendo as diversas classes sociais, diferentes sexos e opções sexuais e todas as faixas etárias, discutindo problemas e criando um universo muito próximo ao mundo real do telespectador. Essa fórmula vai completar meio século, o que justifica plenamente uma análise da novela como importante produto cultural. No entanto, o volume de produção é tão grande que para rever as melhores novelas, seria preciso ilhar-se, no sentido exato da palavra, numa “ilha de videoteipe” por um longo e penoso período.

É, portanto, preciosa a oportunidade que o Canal Viva oferece exibindo telenovelas da Globo, permitindo assim, ao mesmo tempo, uma revisão das obras e a observação da reação atual do público. Aproveitando essa programação, Julio Cesar Fernandes montou um estudo cuja metodologia se dividiu em duas etapas: uma sólida pesquisa bibliográfica e depois um conjunto de ações composto de análise documental, entrevistas com funcionários do Canal Viva e com telespectadores atuais.

É um trabalho fascinante para quem, como eu, esteve envolvido com essas produções há tantos anos e pode acompanhar as reações décadas depois. Mais do que isso, é uma importante contribuição para a memória televisiva do Brasil. Parabéns, Julio Cesar Fernandes. [J.B. de Oliveira Sobrinho (Boni) é diretor de televisão]

 

>> A obra

A memória televisiva como produto cultural: um estudo de caso das telenovelas no Canal Viva é adaptação para livro de dissertação homônima, aprovada com nota máxima, em dezembro de 2013, no curso de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo (SP). A dissertação foi defendida por Julio Cesar Fernandes. O conteúdo da dissertação agora é publicado em formato de livro pela Coleção Pró-TV (Editora In House), inaugurando sua série “Acadêmica”.

A pesquisa foi orientada pela professora doutora Magali do Nascimento Cunha e teve banca examinadora composta pelos professores doutores Laan Mendes de Barros, da própria Universidade Metodista e Eugênio Bucci, convidado da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), especialista nos estudos sobre a TV brasileira.

O trabalho se propôs a estudar a memória televisiva como parte da memória social e coletiva. O objetivo geral da pesquisa foi analisar a memória televisiva recuperada e construída pelo Canal Viva (canal por assinatura pertencente ao grupo Globosat), por meio das telenovelas da Rede Globo antigas nele exibidas, verificando, assim, suas características como produto cultural. Além de entender o lugar dessa memória televisiva na trama das mediações culturais e das interações sociais.

O Canal Viva, que foi inaugurado em maio de 2010, dedica grande parte de sua programação a programas de arquivo da Rede Globo e tem na teledramaturgia, mais especificamente nas telenovelas, um dos seus principais pilares de sustentação e divulgação.

A pesquisa foi dividida em duas etapas. A primeira consistiu em uma pesquisa bibliográfica, em que são articulados conceitos de cultura, memória, identidade e imaginário. Já a segunda etapa foi o estudo de caso propriamente dito dividido em três etapas: primeiramente uma pesquisa documental; depois entrevistas guiadas, realizadas com profissionais da equipe do Canal Viva na cidade do Rio de Janeiro; e, por fim, um grupo focal, com telespectadores do Canal Viva, que relataram suas experiências a respeito de hábitos de televisão, telenovelas e o Canal Viva. Além disso, a pesquisa traz uma retrospectiva histórica da TV e a da telenovela brasileira, assim como uma análise da trajetória do Canal Viva.

A pesquisa traz uma reflexão sobre a memória televisiva e a importância para a sociedade da sua preservação. O Brasil é um país carente de preservação de sua memória em geral, inclusive a televisiva. Há iniciativas privadas para que programas de televisão sejam arquivados e devidamente preservados, entretanto pouco eficazes em comparação ao volume de material que é produzido diariamente por todas as emissoras em território nacional.

O livro pode contribuir para novas pesquisas de comunicação voltadas à questão da memória e, especificamente, à memória televisiva. Além de alertar para a importância da preservação dessa memória não somente com o fim mercadológico, mas também como um elemento ativo na produção cultural.

 

>> Opiniões da área acadêmica

“O papel central que a televisão assume no sistema cultural brasileiro é indissociável de seu principal produto: a telenovela – formato que agrega o maior número de telespectadores e é responsável pela nacionalização da produção televisiva veiculada no horário nobre. Analisar as diferentes formas e momentos de recepção da telenovela brasileira é tarefa importante para aqueles que buscam compreender a cultura brasileira atual. O relevante trabalho de Julio Cesar Fernandes aqui publicado alinha-se com destaque nessa tradição de estudos da televisão e da cultura nacional nestas primeiras décadas do século 21”. (Profa. Dra. Sandra Reimão – ECA-USP)

“Se você nasceu e cresceu no Brasil, não há como escapar: a sua memória pessoal, afetiva, as suas lembranças mais íntimas guardam a marca da televisão. Olhe para o seu passado e lá estará uma cena inesquecível de novela, uma canção, uma voz. Onipresente no Brasil, a televisão também se tornou onipresente na trajetória personalíssima de cada brasileiro. Daí o sabor tão especial deste livro, ao mesmo tempo um estudo de reconhecidos méritos acadêmicos e um álbum de recordações mais do que familiar, cheio de imagens que, como as fotografias de uma prima adolescente numa festa de aniversário no quintal de casa, parecem coisas nossas, só nossas, carregadas de valor sentimental.” (Prof. Dr. Eugênio Bucci – ECA-USP)

“A importância da telenovela na sociedade brasileira já foi apontada por pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Entretanto, a memória televisiva como produto cultural não havia sido ainda pesquisada. Ao escolher as telenovelas reexibidas pelo canal por assinatura Viva, o livro de Julio Cesar Fernandes alia uma reflexão teórica sobre importantes conceitos relacionados com a memória, a uma pesquisa empírica com telespectadores desse canal. Como resultado dessas escolhas, o autor reconhece ser a memória televisiva evocada pelos participantes de seu estudo, um novo produto cultural. Por fim, diante da importância por eles atribuída à televisão e às telenovelas do passado, Julio Cesar Fernandes sinaliza a importância da preservação da memória televisiva brasileira, como uma forma de se compreender não só a memória social como também a memória coletiva.” (Profa. Dra. Anamaria Fadul – Intercom/Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação)

“Até o final da década de 1980, a telenovela foi tratada pela universidade como uma espécie de “gata borralheira”. Raros eram os pesquisadores acadêmicos que lhe devotavam atenção no Brasil. Passadas duas décadas constato o surgimento de uma nova geração na qual se destaca o jovem Julio Cesar Fernandes autor de instigante pesquisa sobre o Canal Viva, espaço privilegiado de preservação da memória televisiva brasileira.” (Prof. Dr. José Marques de Melo – Cátedra UNESCO de Comunicação para Desenvolvimento Regional)

“Usamosas mídias como veículos de memória, talvez nunca tanto como agora. Por isso, mais que uma modalidade de memória coletiva, a memória televisiva vem ocupando uma posição central na memória coletiva do país. E especificamente, dentro dessa mídia, a telenovela se destaca como criadora de um repertório compartilhado e um lugar onde representações e imaginários sobre o modo de vida de uma época são depositados podendo depois ser reapropriados pelas pessoas. Por isso, a telenovela é lugar de memoria e documento de época, arquivo e identidade. Impressiona a capacidade dessa narrativa em conectar dimensões temporais diversas e em criar uma “memória midiática” dentro da nação.Por isso, estudar asrelações entre telenovela e memória, como faz o presente trabalho, é contribuir para uma dimensão vital de ambos osestudos, da televisãoe da memória.” (Profa. Dra. Maria Immacolata Vassallo de Lopes – ECA-USP)

“Nestes tempos de modernidade líquida, em que nada permanece sólido, a memória está entre os fatores culturais que mais sofre os efeitos da dissolvência. Mais do que louvável é este livro dedicado ao resguardo da memória das telenovelas brasileiras, estas que se situam entre os ícones maiores da cultura brasileira.” (Profa. Dra. Lucia Santaella – PUC-SP)

 

>> O autor 

Julio Cesar Fernandes é graduado em Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV, tem experiência em produção e roteiro em rádio, televisão e mídia out of home. Já atuou nas emissoras de TV Mundo Maior, Cultura, Bandeirantes e, desde 2009, está na TV Globo, onde ocupa atualmente o cargo de coordenador de operações do Jornalismo. Em 2012, ingressou no curso de Pós-Graduação Scrito Sensu de Mestrado em Comunicação Social, com bolsa de fomento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES. Em 2013, obteve o título de mestre em Comunicação com ênfase em memória televisiva pela Universidade Metodista.