Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Escondido na escuridão

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ZERO HORA

Xenofonte deixou para a posteridade, em Anabasi, sua experiência no comando da retirada de um grupo de mercenários gregos a serviço do rei da Pérsia. Nela expôs sua versão dos fatos. Júlio César, imperador romano, também não confiou a outrem seu marketing pessoal, e escreveu Bellum Gallicum. Os EUA começaram a perder a Guerra do Vietnam devido à liberdade de imprensa. Foi por isso que o comando da operação Tempestade no Deserto, ou Guerra do Golfo, determinava o que podia ou não ser publicado. E fez escola. Foi lendo release da Otan, nessa guerra, que um repórter da RBS conquistou o cobiçado posto de diretor de Redação, no jornal Zero Hora. Ocupa o espaço que foi de Augusto Nunes.

Nunes, agora na Época, tinha sido contratado a peso de ouro com a tarefa hercúlea de melhorar a sempre abalada credibilidade da RBS. Poria em prática a famosa máxima de Tomaso di Lapedusa, em O Leopardo: "É preciso mudar para que tudo permaneça como está". Mas foi impedido de testar um ombudsman, declarou à revista Imprensa. Então, ensarilhou as armas e desertou.

Não é que, no país do apagão, da CPI da Corrupção, de processos de cassação, Zero Hora foi à Cidade Luz e se apagou? Na edição dominical de 19/5/01, manchetou com "Monsieur Ronaldinhô". Com direito a foto do jogador Ronaldinho Gaúcho, agora do Paris Saint-Germain, emoldurada pela Torre Eiffel. Como sina, Zero Hora ou foge do assunto ou folcloriza. Versão fotográfica do Diário Oficial da União, repercute como um tambor africano, e na mesma afinação do Painel da Folha, as notinhas disparadas pelo Andrea Matarazzo. Aquele que concentra a milionária verba de publicidade do governo federal.

Envolta pelos patrocinadores, Zero Hora não discutiu a privatização. Nem a da energia elétrica, muito menos a da telefonia, da qual foi parte interessada. Pelo contrário, perdeu-se em páginas laudatórias às benesses da venda do patrimônio estatal. Não importava se a venda era a outra estatal, espanhola ou italiana. Enrolou-se num paradoxo de simples solução: se uma estatal espanhola pode perfeitamente atender às demandas de serviço é pelo simples fato que o governo espanhol escolhe administradores com mais acuidade que o nacional.

Agora, faz papel de "Fiscais de FHC", como já o foram de Sarney, para dedurar quem ousa iluminar a rua de noite. Não se preocupa em discutir as causas, até como medida preventiva. Se a RBS cobrasse do governo federal com a mesma tenacidade de guerra de trincheira com que cobra do atual governo do estado, poderia ser menos esportiva e mais conseqüente em suas manchetes dominicais em tempos de apagão. Não por acaso, uma hora a RBS é condenada a indenizar o MST, outra, simples cidadãos, como no caso do Planeta Atlântida, em Santa Catarina. Só o atual secretário de Justiça já foi indenizado em R$ 1.191.000. Por acordo, já que as ações no Superior Tribunal de Justiça apontavam valores ainda maiores. Sem que seus leitores saibam por seus veículos.

A promiscuidade de interesses com o governo federal continua com a propaganda da privatização da água e do saneamento urbanos. Querem convencer que comprar água potável da empresa suíça Nestlé não deve ser faculdade, mas imposição pública. É a política do Estado mínimo. Estado mínimo mas com empréstimo público e isenção fiscal máximos. Essa filosofia aproximou a RBS de ACM na disputa do governo do estado com a Ford. ACM e RBS venceram, com a prodigalidade do BNDES, e a Ford foi para Camaçari-BA.

A RBS, capitão-de-mato da Globo no Sul, conhece ACM desde criancinha. ACM, ministro das Comunicações (ou concessões), foi colega de Antonio Britto (ex-porta-voz), ligado à RBS, no governo Sarney, por interferência de Roberto Marinho, como bem mostrou documentário do Channel Four, de Londres. Aliás, até hoje proibido por decisão da Vênus Platinada. RBS e Antonio Britto, no entanto, só entraram em êxtase quando este virou governador com o apoio escancarado daquela. Mais ou menos como Berlusconi e a Mediaset, agora na Itália.

O que tudo isso tem a ver? Lembro de uma charge da finada Bundas. Mostrava que o traficante tinha cobertura do delegado, que apoiava o deputado, que por sua vez fazia as leis. Ora, se existe um senador que consegue nomear dois ministros e um batalhão no segundo e terceiro escalões, deve haver também um séqüito que lhe dá quartel. O PFL nunca é cobrado por abrigar correligionários de partido como Hildebrando "Motosserra" Paschoal ou ACM.

Ora, procurem nos estados e verão que o modus operandi desse partido é sempre o mesmo. A única regra cobrada de seus pares é a fisiologia. E com forte inserção nas empresas de comunicação. Como no tráfico, o deputado faltoso pego é logo substituído por outro de igual caráter e operacionalidade. O método ACM pode ser dissimulado, como Jaime Lerner faz no Paraná, mas siameses no exercício do mandonismo, como cunhou Dines.

A Zero Hora repercutiu em manchete depoimento de delegados na CPI que trata da Segurança Pública no RS. Dois delegados "ouviram dizer" que o dinheiro do jogo do bicho seria utilizado em atividades assistenciais, comandadas pela primeira-dama, Judite Dutra, mulher do governador Olívio Dutra. Lançada suspeita em tinta marrom na véspera, vestiu de esportiva a edição domingueira.

Em tempo: assim que saiu a edição n? 121 d?Observatório da Imprensa, com o texto apontando a manipulação da RBS, particularmente sobre chuvas e alagamentos deste outono, foi retirado do site o caderno ricamente ilustrado.

(*) Funcionário público federal, e-mail <crestani@ieg.com.br>

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