Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ibope é o oráculo da Globo

TELEJORNALISMO

Antônio Brasil (*)

O Ibope, apesar de vários erros e de algumas surpresas, ainda é o oráculo favorito da Deusa Ferida. Sempre que é acusada ou ameaçada, a Globo inapelavelmente ainda recorre ao maior sistema de medição de audiência disponível no país para confirmar a qualidade da sua programação. O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, ou Ibope, até se confunde com a sigla de um outro instituto, o IBGE, o que nunca pareceu "mera coincidência" nem mera carona em referências de credibilidade. Mas, ao contrário da instituição pública, o Ibope, fundado em 1942, não é nem público nem claramente aferível. É uma empresa privada como outra qualquer e tem na Globo uma de suas principais, se não a maior, fontes de renda. Segundo o próprio instituto seu faturamento vem das agências publicitárias (30%) e das emissoras (70%). Entre as emissoras, quanto maior a audiência maior o preço pago ao Ibope.

Uma estranha e perigosa equação! Considerando os altos índices da emissora-líder, essa relação íntima e significativamente dependente de um único veículo por si só já deveria ser motivo de dúvidas e investigações. Mas a verdade é que, apesar de muitas vezes criticada, denunciada e até mesmo desafiada, essa relação ou cumplicidade entre a Globo e o campeão das pesquisas continua tão sólida quanto as distorções e injustiças da nossa própria televisão.

Objeto de acusações graves, principalmente em períodos eleitorais, o Ibope estabeleceu uma verdadeira "caixa preta" metodológica e, o que ainda é pior, um quase monopólio nas aferições de qualidade da TV brasileira. Decisão de vida ou morte da programação televisiva, a "audiência" se tornou sinônimo de qualidade, e não um reflexo da total falta de opções de grande parte do público telespectador. Esses índices mágicos não deveriam ser analisados como simples "aceitação" por parte desse mesmo público que assiste sim, mas não necessariamente participa ou concorda com essa programação. O homem-audiência não existe enquanto indivíduo com opiniões próprias e particulares sujeitas a verificações de caráter qualitativo. É vetor numérico de tendências e referencial de grupos socioeconômicos.

Alienação e ditadura

Até aqui, nenhuma novidade. Mas o que realmente surpreende é o segmento telejornalismo se apoiar de forma tão enfática nos índices do mesmo instituto e na pauta da TV americana, ou melhor, da NBC, atual canal líder de audiência ? Deus e o telejornalismo-show devem saber como ? para indicar a sua própria qualidade. Se é bom para os americanos deve ser .bom para os brasileiros! Aí… preocupa! Mas, afinal, pode-se dizer que o telejornalismo no Brasil segue o modelo americano, é tudo televisão e são utilizados os mesmos meios de aferição dos demais programas. Ao aceitar tal argumento deve-se também considerar que o segmento jornalístico nas TVs é realmente semelhante e deve ser mensurado da mesma forma que os grandes embates dominicais entre o Gugu e o Faustão. No entanto, seguindo essa mesma linha de raciocínio, corre-se o risco de se cometer graves erros de avaliação.

O primeiro é que tanto o Domingão da Globo quanto o Programa de Domingo do SBT são programas do mesmo segmento "entretenimento", na verdade são programas quase idênticos. O problema é na hora de se comparar, medir ou confundir cebolas com bananas, ou seja medir programas de segmentos totalmente diversos. Quais são os programas de TV que competem com o JN? Certamente não são outros telejornais, pois a competição estrategicamente já se retirou de um combate direto com o "líder de audiência estável" (sic) há algum tempo.

Entre novelas mexicanas e programas de variedade, a que e como estariam assistindo os telespectadores "infiéis"? Por que as demais televisões evitam enfrentar essa liderança tão estável com outros telejornais? Uma pesquisa mais acurada ou simplesmente mais "curiosa" deveria estar direcionada para conhecer as alternativas oferecidas ao público dos telejornais. É bem sabido e nossa história recente confirma que "alienação" pode gerar governos incompetentes e corruptos ou até mesmo "ditaduras".

Tem que dar lucro

Na Itália, os partidos políticos convivem num regime parlamentarista de equilíbrio frágil e volátil. Eles dependem muito do espaço disponível nas televisões públicas como a RAI para divulgar suas propostas durante os telejornais nacionais. Mas como aferir manipulação de conteúdo ou medir o tempo dedicado aos políticos e a seus respectivos partidos durante as emissões jornalísticas na TV, principalmente nos períodos eleitorais? A resposta está num monitoramento cuidadoso, uma espécie de videoclipping crítico de todos os telejornais com a emissão de boletins regulares. Isto é trabalho para as universidades e seus laboratórios de pesquisa. Obviamente esses centros de estudos não são infalíveis mas procuram se manter à distância dos interesses políticos e são mais aferíveis do que instituições privadas voltadas prioritariamente para o lucro.

Aqui no Brasil, há alguns anos, existem iniciativas para a criação de algo como, um Instituto Brasileiro de Estudos Telejornalísticos, ou Ibet ? aproveitando a necessidade dos meios, da crítica e a ironia das siglas ? uma resposta qualitativa do meio universitário às pesquisas quantitativas do "grande irmão".

O outro erro estaria relacionado com os próprios parâmetros de um telejornalismo de qualidade. Entre palavras ufanistas como "não há telejornal no mundo sequer se aproxime dos índices de audiência do JN" ao reconhecimento atual de uma "audiência estável" ou "bem comportada" em torno de 40%, a verdadeira preocupação é que o telejornal não é mais um prestigioso e poderoso dever social para as emissoras. Ele tem que dar lucro como qualquer outro programa. Palavras como "isenção, pluralismo, imparcialidade e exatidão" identificadas com a qualidade no segmento, não são tão facilmente aferíveis como os índices de audiência ou o faturamento publicitário de um telejornal. São palavras que agregam muito valor aos discursos de defesa e glória mas que não resistem às pesquisas qualitativas mais isentas.

Calcanhar de Aquiles?

Audiência é sinônimo de prestígio, e a crítica, sinônimo de inverdades, sectarismo e mal jornalismo, interessada sempre em depreciar e desacreditar o telejornalismo da emissora-líder. Assim como se desenvolveu uma relação íntima e amistosa com o Ibope, criou-se uma relação difícil e insegura com aqueles que gostariam de pensar melhor o fazer jornalístico na televisão brasileira. Uma relação diferente de outros setores da mesma televisão como as novelas e os demais programas de entretenimento. As respostas às críticas ao telejornalismo brasileiro e em especial ao da Globo continuam revelando um descaso, despreparo e insegurança constrangedores.

Ninguém duvida que televisão é essencialmente emoção, apela mais para os sentidos do que para a razão, sensualiza mais do que racionaliza. Contudo, o setor do telejornalismo deveria desenvolver parâmetros diferenciados da simples teoria dos índices, do lucro a qualquer custo ou da mais valia sempre. "Damos o que o povo quer, não somos responsáveis pelos índices de analfabetismo, somente pelos índices de audiência, intelectual odeia mesmo televisão ou é pura inveja do nosso sucesso" são posições recorrentes e pouco conclusivas nas respostas aos críticos pelos defensores do momento.

Mas telejornalismo não é só emoção e avaliações superficiais, é também persuasão e credibilidade, variáveis de pesquisa que, ao contrário dos índices de audiência, demandam estudos aprofundados e meticulosos com resultados sempre a longo prazo. O casamento do telejornalismo com a audiência garante rentabilidade aos anunciantes mas certamente não garante boa informação para o telespectador.

Pode ser que alguns críticos estejam certos, e, em vez de unanimidade geral e ponto forte da programação, o telejornalismo global seja, em verdade, o "calcanhar de Aquiles" do império.

(*) Jornalista, coordenador do laboratório de televisão/vídeo e professor de telejornalismo da Uerj

    
                  

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