Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luiz Caversan

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QUALIDADE NA TV


BAIXARIA & VIOLÊNCIA

"Tudo bem", copyright Folha de S. Paulo, 27/05/01

"Está tudo muito bem na televisão brasileira.

As principais redes seguem mais ou menos estacionadas em patamares de audiência que mantêm um ?status quo? que convém a elas, emissoras, e a seus executivos. Porque convém também ao discurso de que a concorrência está acirrada.

Todos fazem tudo o tempo todo para tentar deixar claro que, sim, a disputa pelo público está superaquecida, e que todos estão o tempo todo trabalhando com novas ?idéias? para ?alavancar a audiência?. Hã, hã…

Vejamos o domingo, por exemplo. O domingo virou aquele dia em que as pessoas normais tentam relaxar, enquanto um monte de gente ligadíssima fica, nos principais canais, enfiando ?notícias ao vivo? goela abaixo da audiência.

SBT, Globo, Record (e em breve a Band) estão nessa de ?informações de última hora? que não interessam.

Quem quer tanta notícia aos domingos? A pergunta foi feita em enquete do TV Folha, e a maioria dos leitores respondeu que não quer um noticiário que dê importância maior a fatos menores.

Mas trata-se de uma tendência que ?pegou?, se alastra e todos (dentro das emissoras, claro) acham que está tudo bem: faz parte da ?concorrência?.

Sem dúvida, disputa-se muito na TV brasileira. E o que emerge dessa corrida às cegas pelos sagrados pontos do Ibope é uma desatinada opção pelo mau gosto.

Na verdade, tenta-se corresponder a um ?gosto comum? com iniciativas de baixo nível.

Alguém discorda de que a maioria da população brasileira é de baixo nível: escolar, econômico, estético?

É por isso que a programação da televisão brasileira aberta fica cada vez mais descarada e assumidamente ?trash?. Em alguns momentos, o televisor se assemelha a uma verdadeira janela para o inferno.

Mas também é preciso atender à elite!

É mesmo?

Então, chama a Vera Loyola.

Vera Loyola está chegando e, como se sabe, no Rio de Janeiro e em outros cantos, ela é ?celebridade?, dá entrevistas, aparece nas colunas, frequenta as revistas de ?gente? com singular regularidade e serve de exemplo ao mundo emergente, inculto e brega, mas que, gostemos ou não, constitui boa parte da elite endinheirada deste país.

Vera Loyola é a mais autêntica especialista em si mesma que existe. Vera Loyola é loira, terá um sofá e vai entrevistar pessoas. Ou seja, ousará ser Hebe na vida.

É aguardar para sentir o drama.

Quem sabe é ela que vai elevar o nível e fazer frente aos kleberes e mallandros, ridículos profissionais e amadores que infestam o vídeo?

Por falar nisso, como anda o nível global? Depois do sucesso estrondoso da caretice de Sandy, agora veremos Cláudia Raia de transexual. Seria perfeito, não fosse o Ministério da Moral e dos Bons Costumes, ou Ministério da Justiça, capitaneado pelo dinâmico José Gregori.

O MMBC não quer Cláudia Raia de ?traveca? às 19h. Só depois das 20h. Compreensível, essa exigência. Afinal, a novela das oito que é a novela das oito está tão comportada que se torna inconcebível ?aberração? como um transexual às sete.

Quem vê a atual novela das oito já percebeu que não há sexo nem línguas. Saudades de Vera Fischer e do ?ator? Giannecchini na trama anterior. Como chamava mesmo?

Não importa.

O fato é que a ação mais ?forte? que pintou no porto onde ainda não ocorreu nenhum milagre foi o Fagundes arrancando a roupa da Cassia Kiss, enquanto ela gritava. Pensou que fosse surra, mas era excitação mesmo.

Conclusão: não rolou nada que se pudesse ver.

Mais um motivo para o MMBC ser tão zeloso é a outra futura nova novela das… bem, a nova novela que se chamará ?A Padroeira?. Ela terá a santíssima Nossa Senhora Aparecida como elemento-chave da trama.

A mesma Nossa Senhora, diga-se, que é uma campeã de audiência. Na TV Cultura de São Paulo, a missa transmitida ao vivo da Basílica de Aparecida é o ?programa? n? 1 no Ibope. Outro exemplo de que está tudo bem na TV do maior país católico do planeta.

A Aparecida da Globo será, não se deve esquecer, cercada pelas tramas de Walcyr Carrasco, que já se tornou um expert no ramo ?clássicos para todos?. A ver.

Voltando à novela em que Claudia Raia, enfim, será um travesti, espera-se um show de milhões -pelo menos em cachês. As ?filhas? da ?mãe? Fernanda Montenegro (que mais uma vez emprestará sua verve à diversão ligeira) pertencem ao primeiro time da Globo, assim como os demais destaques do elenco. Alguns nomes? Thiago Lacerda, Andréa Beltrão, Beth Coelho, Regina Casé, Raul Cortez, Alexandre Borges, Tony Ramos…

Um timão, não é verdade?

No entanto, um time semelhante a tantos outros do passado, de novelas que sobrevivem na memória dos mais ligados no gênero.

Ou seja, continua tudo bem na TV brasileira.

E tudo igual."

"SBT radicaliza o estilo mexicano", copyright O Estado de S. Paulo, 26/05/01

"Não foi por esquecimento que o SBT deixou a terceira versão da telenovela O Direito de Nascer na gaveta por três longos anos. Agora que o dramalhão, dirigido por Roberto Talma, estreou, tudo ficou claro: a novela é tão ruim que até o pessoal que escolhe a programação emissora, que não prima pelo bom gosto, deve ter ficado em dúvida na hora de decidir quando a novela seria exibida.

O problema do Direito de Nascer não é o texto, datado de 1946. Antes de chegar à TV Tupi, em 1964, a novela escrita pelo cubano Félix Caignet já havia feito sucesso duas vezes, na década de 50, no rádio (na Tupi, de São Paulo, e na Nacional, do Rio). Depois do estouro na TV em 1965, O Direito de Nascer foi regravada pela TV (1978), mas já não conquistou tanto o público, talvez por seu enredo meio antiquado para os padrões da época.

Por mais contraditório que possa parecer, o drama da moça da alta sociedade de Cuba, desonrada e abandonada por um cafajeste que se aproveitou de sua ingenuidade, pode não ser tão démodé no ano 2001. Em especial, para o público do SBT, que tem aprovado, sem restrições, o lote de novelas mexicanas que a emissora vem desovando em seu vídeo – do qual fazem parte coisas como Café com Aroma de Mulher, Camila, Amigos para Sempre, Serafim.

As tramas cucarachas importadas são conservadoras, melodramáticas, mal-acabadas e mal interpretadas; mesmo assim têm um público cativo maior até do que as novelas produzidas mais recentemente pelo SBT. O Direito de Nascer, que sucedeu a reprise de Éramos Seis (a novela mais bem-feita da emissora), segurou a audiência do horário na média de 15 pontos no Ibope (na Grande São Paulo) contra 30 da Globo, evidenciando que TV é hábito.

O Direito de Nascer parece uma radicalização do estilo mexicano. Tudo é tosco ao extremo. A interpretação é caricata (enquanto os vilões ostentam nariz empinado, olhar perverso e a empáfia característica dos dramalhões, os humildes – e bons, claro – mantêm os olhos baixos, movimentos hesitantes e, óbvio, esbanjam muitas lágrimas), o figurino é mal-ajambrado e a maquiagem mais carregada ainda do que a das mexicanas. Quando as heroínas choram – Maria Helena (Georgiana Ginle) e Conceição (Elaine Cristina), por exemplo, as lágrimas formam poças na camada de pancake.

Mais grave é a canção-tema da novela, interpretada por Ducilene Moraes, a ex-Frenética que interpreta a babá Mamãe Dolores, uma das personagens principais, cujo refrão é ?crescer, viver, vencer, direito de nascer?. Só perde para o logotipo da novela que integra um útero com um feto. Como diz a Condessa Vitória (personagem de Angelina Muniz), ?o bom gosto não é para qualquer um?, mas o SBT poderia ter disfarçado um pouco mais e ser menos pródigo no mau gosto. (A jornalista Leila Reis escreve aos sábados neste espaço. Email: leilareis@terra.com.br)"

"A ditadura do auditório", copyright O Estado de S. Paulo, 27/05/01

"O que há nos auditórios que falta aos estúdios de TV, onde o público não tem assento e só é convidado a entrar pelo televisor? Que fascínio esse ambiente exerce sobre os telespectadores? Por que as coisas que ocorrem diante de uma platéia são mais atraentes do que aquelas que se passam entre quatro paredes, na presença de artistas, técnicos e convidados dos programas de estúdio? A resposta a essas questões, por estranhas que pareçam, talvez ajude a compreender melhor o comportamento da audiência nos tempos que correm e lance nova luz no debate sobre qualidade no vídeo.

As redes de TV brasileiras estão apaixonadas pelo programa de auditório. De todos os formatos de produto, é o que mais cresce na tela pátria e o mais influente, pela repercussão que obtém na mídia, a eficácia na geração de ibope a custos razoáveis, o interesse que desperta no mundo anunciante e publicitário, a capacidade de produzir e difundir novos astros para o consumo das massas. Mesmo com a atração conjuntural pelo telejornalismo, movido a escândalos parlamentares ou pacotaços energéticos, e a despeito do sucesso eventual de uma ou outra telenovela, impelido por estrelinhas da canção ou paródias de políticos, é ao programa de auditório que os brasileiros mais se devotam atualmente. É ele que está no centro da disputa pela supremacia na audiência e da polêmica sobre o ?nível? da TV.

No domingo, o dia nobre, o que mobiliza mais telespectadores e produz mais faturamento, ele reina no clássico embate entre Gugu e Faustão, mas também com Silvio Santos, como sempre, e mais Xuxa, Netinho, Leão, Tom Cavalcante e mesmo Inezita Barroso, maior audiência da Cultura com o Viola, Minha Viola.

No sábado, desponta com Luciano Huck, Raul Gil, Sérgio Mallandro, Latino e mais Gugu. Durante a semana, o Superpositivo de Otaviano Costa e Sabrina Parlatore ancora o horário nobre da Band, enquanto Ratinho encara as novelas globais. Adriane Galisteu e Luciana Gimenez travam duelo de beldades. E há os shows semanais de Hebe, Leão e João Kleber, para não falar do talk show de Jô Soares, que não é programa de variedades, mas é fortemente construído na interação com o auditório.

Observe-se que 90% das queixas contra eventuais (ou regulares) ?baixarias? na TV concentram-se nos programas de auditório, em que a vulgaridade, em alguns casos, passa de fato por entretenimento. No entanto, é neles que as emissoras apostam as fichas, inclusive para perder algumas, como a Globo com Cazé, derrotado mais pelo horário inviável do que pela falta de méritos. E se o gênero está prestigiado nas emissoras, é sinal de que o público o deseja, o que confirma a contradição sempre detectada nas pesquisas de opinião: o telespectador critica a TV aberta, mas corre a assistir as atrações que justamente a comprometem.

A maior afetividade, o calor humano das platéias ridentes ou lacrimejantes, em vez da frieza dos estúdios; um certo cansaço com a repetição temática e formal das telenovelas; a redução da programação esportiva, em razão do esquema comercial de exclusividade; a recusa dos documentários como possível entretenimento; o temor de que entrevistas e debates resultem em chatice; um telejornalismo que muitas vezes não sabe ser claro para o grande público – tudo isso pode explicar o triunfo dos shows de variedades em auditório. Que convém conhecer melhor, para dar mais substância do debate sobre o que é ou não desejável na televisão."

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